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domingo, 22 de janeiro de 2012

Especial de Domingo

Hoje, selecionamos mais um texto do Lito, que tanto agrada aos nossos Ninjas, facilitando o aprendizado com sua linguagem didática e divertida. Confira outros interessantes "causos", deste conceituado técnico, em Aviões e Músicas.
Boa leitura.
Bom domingo!

Recorde de voo monomotor em um Boeing 777
A história a seguir, que aconteceu em 2003, ilustra bem a importância da manutenção bem feita em aeronaves ETOPS e o porquê de tanto rigor no regulamento de manutenção para aeronaves bi-motores.
ETOPS é uma sigla em inglês que significa Extended Operations (até 2008 significava Extended Twin Operational Performance Standards – Padrão de performance para operação extendida com bi-motores).
A primeira empresa a voar com as regras rígidas de operação de ETOPS foi a TWA com um Boeing 767.
Mas o que vem a ser exatamente um voo ETOPS?
Operacionalmente, é uma maneira de uma aeronave bi-motor qualificada (B767/B777/A330/B757) voar a mais de 60 minutos de distância de um aeroporto em que possa pousar em caso de problemas.
Mas não basta apenas a aeronave ser qualificada; os pilotos, mecânicos e a empresa aérea têm que ser também qualificados. Aliás, se uma empresa não cumprir os requisitos de manutenção e performance ETOPS, ela pode perder a qualificação para voos ETOPS e mesmo que possua Boeing 777 não poderá voar em rotas que se afastem mais de 60 minutos de um aeroporto em que possa pousar.
Nos dias de hoje, perder a qualificação de ETOPS significa falência para qualquer empresa aérea.
Quanto mais qualificada e rígida for a empresa e seu programa de manutenção, mais a distância de 60 minutos vai aumentando conforme o regulamento e controle do FAA. A United por exemplo, pode voar ETOPS de 207 minutos com o B777 nas rotas do pacífico sob condições especiais (o normal é 180 minutos).
207 minutos são 3 horas e 27 minutos de distância de um aeroporto em que se possa pousar caso ocorra uma falha de motor! UAU!
Claro que não se chega lá sem um rígido controle em todos os aspectos de manutenção, que inclui monitoramento de consumo de óleo em cada motor, estatística de corte de motor em voo por hora voada, mecânicos treinados e requalificados anualmente, etc.
Quando se cria um limite como este de 207 minutos, você começa a imaginar que seria raro acontecer um problema em um motor bem no meio do caminho entre dois aeroportos certo? Poderia ser 10 minutos, 20..30..até 1 hora de distância, mas 3 horas seria bem raro né?
Bem, o que narro a seguir aconteceu na madrugada de um voo que seguia de Auckland na Nova Zelândia para Los Angeles em Março de 2003.Como dá pra ver no mapa acima, é uma rota feita basicamente sobre o oceano pacífico, onde não tem muito lugar pra pousar, e que antes do advento das regras de ETOPS só poderia ser voada com aeronaves quadrimotores (B747, A340).
O voo seguia tranquilo quando apareceu um “warning” na tela do EICAS do Boeing 777: A temperatura do óleo do motor direito estava sobreaquecendo (overheating) e a quantidade de óleo estava baixando.
Quando há duas indicações associadas ao mesmo sistema, infelizmente não é uma falha de indicação.
Se o nível de óleo do motor diminuir, a temperatura vai aumentar (uma das principais funções do óleo lubrificante é diminuir a temperatura dos componentes internos do motor). Seguindo o check list de emergência, não havia muita coisa que o comandante pudesse fazer a não ser desligar o motor direito.
O problema é que eles estavam em um ponto do oceano a exatamente 3 horas do aeroporto mais perto – Kona no Hawaii.
Como estava de madrugada e era provável que os passageiros estivessem dormindo, o Comandante decidiu desviar o voo para pousar no Hawaii informando apenas aos comissários, afinal, para que preocupar passageiros adormecidos por 3 horas até chegar ao destino?
O engraçado é que haviam alguns insones a bordo acompanhando o voo pelo moving map (airshow), e quando viram uma bela e acentuada curva a esquerda saindo totalmente da rota de Los Angeles, começaram a perguntar aos comissários o que estava acontecendo…rs.Se isso acontecesse hoje, os tripulantes desligariam o sistema de posicionamento do voo..hehehe.. porque realmente não adianta você ficar sabendo que está monomotor em cima do oceano não é?
Bem, voltando ao ocorrido, no caminho para o Hawaii a tripulação pegou fortes ventos de proa (vento soprando na direção contrária ao sentido do voo) e o trecho de voo que deveria durar 180 minutos, durou 192 minutos!
Isto mesmo, foram 3 horas e 12 minutos de voo em um Boeing 777 com apenas um motor funcionando. Até hoje é o recorde de voo monomotor em operação ETOPS.
Daí você pensa: Putz, os pilotos devem ter ficado bem preocupados (pra não dizer com as calças marrons) de voar tanto tempo com um motor só não é?
Aí entra a confiança no sistema de manutenção e na máquina: nesta época já fazia 8 anos que a United operava o 777, eram 2.3 milhões de horas de voo na frota e a razão de corte de motor em voo era de 0.0021 por 1000 horas de voo. Entendeu? A probabilidade de ter que desligar o outro motor era de 0.0021 em MIL horas.
E eles só iriam voar 3 horinhas…rs.
Hoje, após 15 anos de operação, a razão está por volta de 0.0015 por 1000 horas. São confiáveis ou não os PW4090? E a manutenção?
As outras empresas aéreas homologadas em ETOPS não estão longe destas marcas, e isto é muito bem controlado.
Todos os dias, milhares de voos ETOPS cruzam os céus do planeta e são raros os desvios de rota por problemas mecânicos (por incrível que pareça, os maiores motivos de alternar um voo ETOPS são por passageiros passando mal).
Da próxima vez que você for fazer um voo longo e olhar para a asa do seu avião e ver apenas um motor lá, sente-se e relaxe, a chance de ocorrer um problema é ínfima, e se ocorrer o outro motor vai te levar seguro até um aeroporto adequado :)
O que eu descrevi acima é uma pequeníssima parcela de tudo que envolve uma qualificação ETOPS, pois até equipamento de cabine como desfibrilador entra no regulamento, mas espero que dê uma noção do que significa essa operação.
A foto que abre este texto mostra o bottom que ganhei quando fui qualificado na UA, lá pelos idos de 1996..rs.. tô véio!

Texto: Lito

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