Em termos de antecedentes na aviação, as tesouras do vento sempre existiram, porém, provavelmente, foi a partir do exame detalhado do Flight Recorder (caixa preta) de uma aeronave da Eastern Airlines que caiu, a poucos metros da cabeceira 22L do Aeroporto John F. Kennedy (Nova York), em junho de 1975, que se verificou a presença e a importância desse fenômeno como causa principal ou contribuinte de inúmeros acidentes. A esse fato seguiram-se várias reaberturas de investigações de antigos acidentes aeronáuticos, inicialmente atribuídos a erros dos pilotos, mas que na realidade tinham esse importante fenômeno meteorológico por trás dos episódios.
Definição:
Windshear, também denominado cortante do vento, gradiente de vento ou cisalhamento do vento, pode ser definida como uma variação na direção e/ou na velocidade do vento em uma dada distância, segundo a escala abaixo:
Cortante Vertical (mínimos de intensidade):
Leve 0 a 4kt/100ft
Moderada 5 a 8kt/100ft
Severa 9 a 12kt/100ft
Extrema >12kt/100ft
Origem:
Suas causas podem ter várias origens: trovoadas, presença de Cumulonimbus, virga, sistemas frontais, correntes de jato de baixos níveis, ventos fortes à superfície, brisas marítimas e terrestres, ondas de montanha, linhas de instabilidade e fortes inversões de temperatura, dentre outras. A presença de formação de Cumulonimbus é um bom indicativo de que possa vir a existir uma cortante do vento, mas não necessariamente a ocorrência de um microburst (forte descendente do vento), pois somente cerca de 5% dos CB produzem tal fenômeno. A existência de virgas (tipo de precipitação que ocorre na base de certas nuvens e que não chega ao solo) pode também ter Windshear associada, com a agravante de, abaixo da virga, poder haver um microburst seco, ou seja, invisível, que pode ser denunciado por poeira soprada logo abaixo da nuvem. Inversão de temperatura entre os níveis de 2.000 e 4.000 pés com ventos acima de 25 nós de intensidade também podem ser um bom indicativo. Entrada de frentes frias pode também causar Windshear, embora com menor intensidade. Há casos em que os ventos em altitude sopram de NW (típicos de sistemas pré-frontais) e, embora sua direção possa ser totalmente oposta à superfície, gerados por uma brisa, por exemplo. Os pilotos não devem se espantar, caso a Torre de Controle coloque-os com vento de cauda na final, pois, nesses casos, um vento de proa estará ocorrendo à superfície. Em virtude de aproximação da frente fria, os ventos à superfície e em altitude tenderão a alinhar-se.
Nível de voo mais perigoso:
Em aviação, o fenômeno pode ocorrer em todas os níveis de voo, entretanto é particularmente perigoso em baixos níveis, nas fases de aproximação, pouso e subida inicial, em face da limitação de altitude e de tempo para manobra das aeronaves. No Brasil, as Torres de Controle dos principais aeroportos estão instruídas a computarem todos os reportes de cortante do vento que ocorram da superfície até 2.000 pés (600 metros) de altura.
Efeitos sobre a aeronave:
O cisalhamento do vento pode causar diferentes efeitos nas aeronaves, como turbulência, aumento ou diminuição da velocidade indicada, bruscas e perigosas variações nos indicadores de velocidade vertical (VSI), de altímetro e de ângulo de ataque, sendo estes instrumentos os mais afetados em uma situação de Windshear.
Como evitar o Windshear:
Consultar as informações meteorológicas antes do voo, junto aos Centros Meteorológicos, é o primeiro passo para não se ter surpresas desagradáveis. Cabe ao piloto, verificar de maneira criteriosa todos os fatores meteorológicos relacionados, antes de efetuar pouso ou decolagem, em situações potencialmente perigosas devido ao Windshear. Para o Aeroporto de Guarulhos, por exemplo, é importante analisar as cartas prognósticas de vento dos FL050 e FL100 e a existência de ventos com velocidade de 20 a 25 nós soprando no través das serras, pois estes podem indicar a existência de Windshear sobre o aeródromo. O setor mais favorável é o que estiver a sotavento da serra (lado contrário ao de onde vem o vento ou lado protegido do vento). Já para o Aeroporto de Florianópolis, uma boa condição para o surgimento de Windshear é a existência de uma componente de oeste, da superfície ao FL050, com velocidade persistente acima de 20 nós na região de Lajes-SC, estendendo-se até o litoral catarinense. Em termos práticos, as informações mais atualizadas que podem ser obtidas sobre o Windshear são provenientes de outros pilotos que, rotineiramente, reportam tais ocorrências aos Controladores de Tráfego Aéreo.
Estatísticas de ocorrência do fenômeno:
Guarulhos, no período 1999-2011, foi o aeródromo brasileiro que apresentou um maior número de ocorrências de cortante do vento reportadas por aeronaves, nos procedimentos de pouso e decolagem, atingindo 1.737 reportes. O segundo aeroporto brasileiro em reportes de cortante do vento é o de Florianópolis, chegando a 740 casos. Em ambos, a principal causa é a onda de montanha, que se forma sobre o alinhamento das serras existentes ao norte/noroeste do aeroporto de Guarulhos e a oeste de Florianópolis. Devemos considerar que, por ser um fenômeno meteorológico reportado por aeronaves, o aeródromo com maior movimento passa a ter, teoricamente, maior possibilidade de reportes. Quanto a distribuição mensal de cortante do vento nos três aeródromos de maior reporte do fenômeno no Brasil, Guarulhos apresenta uma maior variação ao longo do ano, com picos em janeiro e novembro, enquanto que em Florianópolis as maiores ocorrências estão nos meses de inverno e Porto Alegre estão bem distribuídas ao longo do ano.
Texto:
Martim Roberto Matschinske - Maj- QOEMET
José Carlos de Freitas – SO BMT
Fonte: REDEMET