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domingo, 2 de fevereiro de 2014

Especial de Domingo

Reproduzimos hoje artigo de Raquel França dos Santos Ferreira com informações da saudosa Campanha Nacional de Aviação.
Boa leitura.
Bom domingo!

Esse artigo visa analisar alguns aspectos da Campanha Nacional da Aviação (CNA), em curso durante a década de 1940 no Brasil, através de notícias em periódicos da época. Capitaneada pelo então presidente Getúlio Vargas, seu ministro da aviação Joaquim Pedro Salgado Filho e pelo empresário Assis Chateaubriand, a CNA fomentou a criação de aeroclubes e formação de pilotos no país inteiro.


Autora: Raquel França dos Santos Ferreira

UMA HISTÓRIA DA CAMPANHA NACIONAL DA AVIAÇÃO (1940-1949)
O Brasil em busca do seu "Brevêt" 

Visitando os Hangares
Em pesquisa na Coordenadoria de Publicações Seriadas, da Fundação Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, fruto de interesse acadêmico de uma colega de trabalho, me deparei com um importante acervo de periódicos que ajudam a contar a trajetória de um movimento para se construírem as bases para a aviação nacional e a sua consequente integração aérea. Alguns desses impressos seriam Correio da Manhã, O Jornal e O Cruzeiro. Eles pertenciam a cadeia jornalística dos Diários Associados, fundada por Assis Chateaubriand, e que até então era aliada do presidente Vargas. Seus artigos funcionavam como veículos de propaganda do Estado Novo (1937-1945) e permitem vislumbrar como a Campanha Nacional da Aviação, que era visivelmente uma preocupação do Estado com a sua própria segurança e estabilidade em tempos de guerra, tornou-se um apelo popular para a construção de aviões e formação de pilotos. Trabalharemos aqui com notícias publicadas regularmente no jornal Correio da Manhã, para apresentar uma das versões possíveis sobre o movimento, bem como extrair desse periódico contribuições que possam auxiliar no entendimento dos processos históricos daquele momento.

Um sobrevoo
Período: década de 1940. País: Brasil. Principais articuladores: o próprio presidente Vargas, seu ministro da Aeronáutica, Salgado Filho, e o jornalista e proprietário dos Diários Associados, Assis Chateaubriand.

Na década de 1940, durante o Estado Novo (1937-1945), havia no Brasil e no mundo um turbilhão de movimentos sociais. De acordo com Ângela de Castro Gomes(1), era uma época de incertezas financeiras, políticas e sociais. Mas, para o então presidente e para um grande grupo que o apoiava, inclusive com aval popular, uma certeza era flagrante: a de que o Brasil precisava fortalecer e reerguer a sua estrutura nacional - modificada após o movimento de 1930 que afastara do poder, ao menos temporariamente, as oligarquias que dominavam a política e a economia brasileiras. Recorreu-se aos argumentos nacionalistas de então: “arrocho” ao comércio de bens importados, nacionalização de empreendimentos estrangeiros, fomento da indústria nacional – em especial a agroindústria (café, açúcar, pecuária...) que, para alguns setores, ainda era tida como “vocação” nacional – e desenvolvimento do patriotismo e do sentimento de nação nos brasileiros. Muitos foram os projetos com a intenção de consolidar o Brasil enquanto nação moderna ora influenciados pelo liberalismo norte-americano, ora pelo modelo fascista italiano: como exemplo, podemos citar a criação da Companhia Siderúrgica Nacional – ainda na década de 1940. Havia também projetos culturais como o empreendido pelo maestro Vila Lobos que, com o apoio de Vargas, procurava formar crianças aptas a representarem a música e a cultura popular brasileira em grandes festivais de corais escolares – alguns apresentados em palcos como o Estádio das Laranjeiras, sede do Fluminense Futebol Clube. No plano da política externa, outro momento crítico, como nos aponta o historiador Eric Hobsbawm, em A Era dos Extremos(2): o mundo assistia a Segunda Grande Guerra com olhos atentos e preocupados. Não era para menos, pois milhares já haviam sido mortos em campos de batalha. Civis também eram atingidos e sua agonia chegava aos noticiários. Sem contar com os seis milhões de judeus, mais um sem número de homossexuais, ciganos, protestantes e comunistas. Homens, mulheres, crianças e idosos que foram exterminados em campos de concentração alemães espalhados pelas Alemanha, Áustria e Polônia – e que apenas foram contabilizados e anunciados pela mídia após a prisão de membros do Reich, liderado por Adolf Hitler, já no final da guerra. Diante da Segunda Grande Guerra (1939-1945) o Brasil procurou se posicionar de maneira neutra nos primeiros anos de conflito – negociava com norte-americanos e com alemães. Entretanto, com a entrada dos Estados Unidos na contenda (1942), Vargas precisou fazer sua opção: alinhar-se ao lado norte-americano ou integrar a frente de batalha do lado alemão. O que pesou na escolha foi o pensamento na segurança nacional, os interesses no desenvolvimento capitalista brasileiro e a conveniência política, apresentando o que Jorge Ferreira designa como “nacional-estatismo”(3). Ficou ao lado dos norte-americanos.
Variados grupos nacionais se mobilizavam concentrando-se em torno de objetivos comuns, já que se fazia urgente a consolidação das forças armadas brasileiras, no momento em que o perigo estava cada vez mais próximo. Envolvidos na guerra, precisaríamos nos proteger e fortalecer os emissários enviados diretamente para os combates. Apesar de ser a pátria natal de Alberto Santos Dumont, “O Pai da Aviação” – já reconhecido naquela época por nós brasileiros enquanto tal – o Brasil não possuía uma frota aérea satisfatória, nem mesmo para integração aérea nacional. As fontes consultadas para essa pesquisa informam que existiam diversos campos de pouso, aeroportos e aeroclubes funcionando no país, antes mesmo da década de 1920. Bem como as revistas e os jornais, das décadas de 1910 a 1940, já noticiavam as implicações da falta de uma estrutura aérea em nosso país. Em 1916, Aerophilo, a Revista do Aero Clube Brasileiro, trazia em uma de suas matérias o seguinte comentário:

[O] Governo do Brasil (...) já (...) deveria ter [se] inclinado a fazer algo em favor do Aero Club Brasileiro, para que em tempo de paz e durante a guerra imprevista, o nosso paiz pudesse contar com uma das maiores esquadrilhas do mundo para fiscalizar as suas costas e as nossas fronteiras, já sob o ponto de vista econômico, na paz, tanto em função militar na guerra.(4)

Entretanto, segundo a Revista Brasileira de Aviação, órgão oficial do Aero Clube do Brasil, a preocupação com o transporte aéreo brasileiro apareceu após a Primeira Guerra Mundial e só tinha lugar entre empresas estrangeiras europeias e norte-americanas. De acordo com a mesma, os próprios brasileiros mostravam-se “frios” com relação ao assunto e o governo ainda não havia sequer delineado as bases da aviação civil que deveria se subdividir em:

1º- construção dos aparelhos, motores;
2º- preparação dos pilotos;
3º - estabelecimento dos portos aéreos e serviços acessórios
4º - manutenção das linhas”. (5)

Nas décadas seguintes as notícias sobre aviação continuam crescentes nos meios de comunicação e um desses jornais, o Correio da Manhã, desde janeiro de 1939 mantinha, na sua quinta página, a coluna “Aviação Militar, Comercial e Civil: informações do país e do estrangeiro”, encarregada de trazer aos leitores as informações sobre as novidades tecnológicas no campo da aviação nacional e estrangeira, militar ou não, e críticas à falta de consciência de entidades nacionais sobre a importância do desenvolvimento aéreo nacional. Um dos colunistas que escreviam ali, Pierre Henry Closterman (assinando como P. Henry C.), defendia a ideia da formação de uma “Doutrina Aérea Brasileira” – ou seja, muito mais do que apenas desenvolver a indústria aérea seguindo a tendência internacional de criação e incentivo estatal a aeroclubes e a aeródromos, era crucial que se criasse uma cultura da aviação nacional, cultivando em todos os brasileiros um sentimento de zelo e identificação com o assunto. Na América Latina eram vários os países que possuíam aeroclubes, instituições privadas e/ou mistas que angariavam recursos para a aviação e forneciam cursos de pilotagem para civis e militares. Existiam aeroclubes na Argentina, no Uruguai, no Paraguai e no Brasil, desde o início do século XX. Na Europa, a França, a Inglaterra e a Alemanha empenhavam-se no assunto e detinham conhecimento técnico de ponta. Os Estados Unidos, na América do Norte, eram conhecidos pela fabricação de peças e exportação de aviões comerciais e militares (6). 
Diante desse panorama, durante a década de 1940 surgem novas perspectivas e mais um projeto de integração aérea do Brasil, a partir de uma conversa entre Assis Chateaubriand e o ministro da Aeronáutica (7), Salgado Filho. Uns dizem que a ideia partiu de Chateaubriand e outros de Salgado Filho. O caso é que se imaginava que a aviação nacional, contando com acordos e patrocínios privados, poderia desenvolver-se e ajudar a solucionar sérios problemas como: a falta de uma aviação civil abrangente, de oportunidades de treinamento para aviadores civis e militares, e a ausência de um monitoramento mais efetivo da nossa costa. Surgia, então, a campanha que teve denominações como: “Campanha Nacional para Doar Aviões”, “Campanha Nacional para dar Asas à Mocidade do Brasil” e “Campanha Nacional da Aviação Civil”, dentre outras, até chegar ao nome atualmente conhecido de “Campanha Nacional da Aviação”, ou CNA (8). O primeiro avião da CNA foi doado ao aeroclube de Pesqueira-PE, em primeiro de novembro de 1940. Aquele projeto era bastante audacioso, pois tencionava angariar recursos privados para fomentar a aviação nacional, doando aviões de pequeno e médio porte para aeroclubes espalhados pelo Brasil afora. Inicialmente, contava-se com menos de cinquenta aeroclubes em território brasileiro – praticamente cada estado e território possuíam apenas um aeroclube na capital, excetuando-se os estados como Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Bahia, que possuíam dois ou três aeroclubes além do da capital. Após a CNA, foram fundados cerca de 300 aeroclubes em todo o país. A campanha não estaria totalmente entregue nas mãos de particulares.
O Estado controlaria todas as atividades dos aeroclubes através de sua “base mãe”: o Aeroclube do Brasil, sediado no Rio de Janeiro. Ele ficaria responsável por controlar entregas de aviões, repassar verbas e insumos, fiscalizar subscrições de sócios, formar pilotos e monitores de outros estados que seguiriam para seus aeroclubes de origem e repassariam o que aprenderam, etc. Além disso, para obter crédito junto ao governo, todos os aeroclubes deveriam filiar-se ao Aeroclube do Brasil – por sua vez, filiado à francesa Fédération Aéronautique Internacionale (FAI) que avalizava brevês concedidos por ele e atestava a qualidade de seus serviços. Importante destacar que por meio do Decreto 10.314 de 22 de agosto de 1942, divulgado no Boletim do Ministério da Aeronáutica, fica patente o interesse do governo nessa empreitada:

“Art. 1º: fica estabelecido que o exercício, em comissão do cargo de Presidente do Aeroclube do Brasil por oficial da Força Aérea Brasileira [FAB], é do interesse da Aeronáutica” (9) e, portanto, do Estado.

Salgado Filho e Assis Chateaubriand começaram, então, um incansável trabalho de divulgação da CNA por todo o país. O ministro participava através da elaboração de decretos e portarias que beneficiassem a aviação, como na postura tomada em 13/02/1941, quando:

Na visita feita ao Aero Club [sic] do Brasil, o Ministro da Aeronáutica teve oportunidade de acentuar que sendo elle uma sociedade de caráter privado, embora sui generis, sob o controle do Poder Público, não deveria contar exclusivamente com o amparo financeiro do Estado, mas, por meio de propaganda, augmentar o seu quadro social e appellar também para a fortuna particular. Para início dessa campanha alistou-se o sr Salgado Filho como sócio do referido club [sic]. (10)

Momento em que o ministro aproveitou para declarar que para manter contratos comerciais de qualquer espécie com o Aeroclube do Brasil, e seus filiados, empresas e negociantes deveriam tornar-se sócios do mesmo alistando-se, por consequência, em subscrição para compra de aviões para doação à campanha. Chateaubriand participava incentivando subscrições de sócios e doações para os aeroclubes, através de notícias nos “Diários Associados” – especialmente em O Jornal, que era o órgão líder da cadeia de jornais associados. Não podemos esquecer que a cada novo avião entregue e batizado, crescia a participação de ambos e um novo discurso em prol da aviação nacional era proferido. Faziam parte dos discursos lemas como: “Dêem asas ao Brasil” e “O avião conduz mais alto a Bandeira do Brasil”. No artigo intitulado “Asas Silenciosas”, publicado no Correio da Manhã de 10 de maio de 1941, P. Henry C. escreve que a campanha teria cumprido seu objetivo de espalhar uma centena de aviões pelo Brasil e já em 1941 esta meta havia, em muito, sido ultrapassada. Mas, para felicidade daqueles que estavam envolvidos nela, ganhava fôlego para permanecer por mais um bom tempo. Segundo Fernando Morais, em 1944, foram doados cerca de 600 aparelhos e, em 1946, durante o batismo coletivo de 12 aviões no Campo de Marte, em São Paulo, a CNA alcançou a marca de 800 aviões doados.(11)

A partir do exemplo da CNA outras campanhas tomaram impulso, como a da criação de aeródromos e estímulo do aeromodelismo para que a juventude tomasse gosto por aviões e desenvolvesse a mentalidade de seguir carreira na aviação; a de incentivo ao volovelismo, voo a vela; a “Asas e Ases para o Brasil”, para a formação de monitores de voo e pilotos civis, dentre outras, bem como surgiram entidades que se propuseram a arrecadar fundos para a compra de aviões, como a “Legião do Ar” – no Rio Grande do Sul – e a “Bolsa de Aviões”. Caminhando “de vento em popa”, a CNA sofre um pesado golpe em 1944: segundo conta Morais, Assis Chateaubriand teria sido acusado por jornais concorrentes de que por trás da campanha “Dê Asas para a Juventude”, estava escondida uma mina de ouro de Chateaubriand: em cada avião doado ele estaria recebendo das fábricas (ou das empresas importadoras, no caso dos aparelhos estrangeiros) uma comissão que variava entre 10% e 20% sobre o valor pago.(12) O próprio Chateaubriand tomou conhecimento do assunto e atribuiu a denúncia à família Matarazzo, um dos seus desafetos particulares. E realmente, segundo Morais, houve uma investigação sigilosa sobre os ganhos dele e sobre uma suposta fraude na entrega dos aviões, mas nada contra ele parece ter sido provado. A despeito disso, a CNA prosseguiu até fins de 1949, doando aviões e promovendo a inauguração de inúmeros aeroclubes no Brasil.

Projetando os motores da CNA
A Campanha Nacional da Aviação apoiava-se em doações de empresas, empresários particulares, associações de indivíduos e pessoas físicas. As doações poderiam ser feitas em espécie – usualmente cheques de cinquenta a oitenta contos de réis, podendo chegar a quantias mais vultosas - ou os doadores compravam o próprio avião a ser entregue. Havia também outra orientação: o dinheiro recebido poderia ser utilizado para beneficiamento do aeroclube ao qual se destinava, com o devido consentimento dos doadores, conforme exposto no artigo “Para compra de um avião de treinamento”, publicado em julho de 1942, no Correio da Manhã:

Recife, 25 (“Correio da Manhã”) – A colônia líbano-palestina desta capital fez um donativo de 50:000$ ao Aero Club [sic] de Pernambuco para a compra de um avião de treinamento. Mas a diretoria do Aero Club [sic], com aquiescência dos doadores, resolveu aplicar aquela importância na construção de uma modelar oficina e hangar.(13)

Notícias publicadas nos dias 26 de julho e dois de outubro de 1941, respectivamente, deixavam claro que outras formas de se conseguir verbas para a campanha era através de entidades organizadas propriamente para este fim, como a “Bolsa de Aviões”, iniciada em Fortaleza pela alta sociedade e que “passou ao domínio popular leaderado (sic) pelos estudantes, com o apoio de todas as classes” (14)e pela “Legião do Ar”, iniciada no estado do Rio Grande do Sul caracterizada como “associação que congrega em seu seio elementos representativos da sociedade gaúcha e que se propõem a incentivar em todo o Estado o interesse pela aviação, pugnando pelo seu desenvolvimento e progresso”(15).

Nem sempre o auxílio vinha em dinheiro ou aviões, campanhas por doações de artefatos de alumínio mobilizaram o país de Norte a Sul, levando cidadãos comuns a depositarem à sede da Diretoria Regional dos Correios e Telégrafos – na Rua Primeiro de Março – e em todas as suas agências, os objetos doados. Em setembro de 1941, o Correio da Manhã relata que a campanha na Bahia já havia atingido a marca de 227 quilos do material e em outubro conta que: 

O interventor nacional recebeu uma carta em que o missivista sugere que se faça um apelo ao povo, no sentido de não serem jogados fora os tubos vasios das dastas [pastas] de dentes e outros produtos que empregam o estanho e o chumbo como envolucro, doando esse material em favor da campanha de metaes em benefício da aviação nacional.(16)

Parece evidente que a campanha atingia em cheio a comoção popular e ganhava adeptos entre estudantes, profissionais da saúde, universitários, cidadãos comuns, enfim, todos queriam de alguma maneira participar. Alguns, com vistas a promover sua imagem frente à sociedade, também participam da campanha fornecendo subsídios a ela. São doadores provenientes do comércio, da indústria e do setor financeiro: estabelecimentos comerciais e indústrias, além de casas bancárias, são compelidos por Chateaubriand a participarem da campanha – deixavam o cheque e batizavam aviões, em nome de suas empresas. O fato é que os objetivos da CNA pareciam estar sendo atingidos: cada vez mais aeroplanos eram doados; candidatos às aulas de pilotagem e manutenção de aviões passavam por fila de espera; cursos lotados concediam brevês aos pilotos; havia batismo em série de aviões...

Estariam sendo consolidadas a bases da aviação civil nacional, assim como já se propunha pelos idos de 1916? Conflitos? Sim, havia muitos conflitos. Alguns de ordem das políticas regionais, outros de ordem da política nacional. As doações de aviões vão acentuar as diferenças políticas entre municípios de um mesmo estado que, vez por outra, disputam a construção de novas pistas para seus aeroclubes, a doação de aviões e/ou pleiteiam aviões do município vizinho. Um exemplo é o da disputa envolvendo os municípios de Garanhuns e Recife, dado ao público no Correio da Manhã de oito de fevereiro de 1941 quando, ao construir seu campo de aviação, Garanhuns pede a ida de “um dos diversos aviões do aeroclube do Recife para lá”. Até 1949, serão 107 aeroclubes em São Paulo, cerca de 67 em Minas Gerais e 45 no Rio Grande do Sul. Chama atenção a liderança de São Paulo e Minas Gerais na manutenção de aeroclubes. Mesmo que cada aeroclube destes estados tenha recebido apenas um avião durante a campanha, e há registros de que aeroclubes como o de São Paulo e o de Juiz de Fora tenham recebido mais de cinco aviões cada, percebe-se que na ordem das políticas regionais ainda “mandavam” os estados da Federação que tivessem grupos sociais com maior poder aquisitivo. Como se pode observar na relação abaixo, a preponderância daqueles estados e mais do Rio Grande do Sul é evidente. E, a quem recorrer caso o aeroclube ainda não tivesse ganho, através da CNA, o seu avião de treinamento? Uma das saídas era apelar para os membros do governo.

Proporção de Aeroclubes por Estado até 1949 (17)

BA 4%     CE 2%     PB 1%     PE 3%

GO 3%

MG 20%     SP 33%     RJ 5%

PR 5%     SC 3%     RS 13%

OUTROS 8%

Alguns responsáveis por pastas ministeriais eram convocados a conseguirem verbas para a CNA, mesmo sem possuir caixa específico para isto, como sugere a citação abaixo:

Pedido de auxílio para aquisição de um avião. O Aero Club [sic] de Pirapora dirigiu-se ao Ministério do Trabalho pedindo auxílio para aquisição do seu primeiro avião. O sr. Dulphe Pinheiro Machado que responde pelo expediente da pasta determinou que se respondesse ao interessado nos termos da informação esclarecendo-se também que por ordem do Presidente da República vão ser adquiridos 10 aviões. A informação esclarece que no Ministério não existe verba que permita atender-se ao pedido.(18) 

Semanas depois da publicação da notícia, uma medida é baixada e Dulphe Pinheiro Machado, ministro do Trabalho, consegue a liberação da verba para atender a ordem presidencial para que fossem adquiridos 10 aviões:

Em exposição encaminhada ao presidente da República, o ministro do Trabalho solicitou que os Institutos e Caixas de Aposentadoria e Pensões fossem autorizados a adquirir dez aviões de treinamento destinados aos aero clubes brasileiros. Concedida a autorização, o titular do Trabalho dirigiu-se ao da Aeronáutica, solicitando informações sobre o custo dos aparelhos. Fornecidas essas informações, foi o processo remetido ao Conselho Atuarial para que fixasse a quota com que cada instituição tem que contribuir, o que já foi feito. Ontem, o sr. Dulphe Pinheiro Machado que responde pelo expediente do Ministério do Trabalho determinou que o Conselho Nacional do Trabalho providencie sobre o recolhimento das referidas quotas em conta especial do Banco do Brasil, à disposição do Ministério da Aeronáutica (19)

Mas, apesar das disputas e das diferenças entre os estados, havia também a boa e velha cordialidade entre eles, como segue o exemplo dado pelo interventor do estado de São Paulo, Adhemar de Barros, e seus irmãos:

Offerecimento do Governo Paulista a três Aero Clubs [sic]: São Paulo, 18 (A.N.) – A campanha destinada a prover de aviões de treinamento aos Aero Clubs [sic] do paiz acaba de receber nova e inestimável colaboração. O governo paulista deliberou oferecer a três Aero Clubs [sic] brasileiros aviões de treinamento. Ao mesmo tempo, particularmente, o sr Adhemar de Barros e seus irmãos Osvaldo de Barros, Antônio de Barros e Geraldo de Barros haviam resolvido fazer doação de outro aparelho para o mesmo fim. Os aviões oferecidos pelo Estado de São Paulo destinam-se aos Aero Clubs [sic] de Goiânia, em Goiaz, Teófilo Otoni, em Minas Gerais e São Leopoldo, no Rio Grande do Sul. O avião doado pelos irmãos Barros destina-se ao Aero Club [sic] de João Pessoa [no] Estado da Paraíba. Esses aparelhos receberão respectivamente os nomes de “Rodrigues Alves”, “Prudente de Morais”, “Afonso Pena” e “Campos Sales”. (20) 

Em tempos de guerra, a apreensão de todos em sanar a lacuna deixada por anos de descaso com a aviação civil pode ser resumido nas palavras do general Eurico Gaspar Dutra, então ministro da Guerra, no batismo da aeronave “Marechal Deodoro” doada pela CNA ao Aeroclube de Uruguaiana: 

(...) A Campanha Nacional em prol da Aviação Civil é um empreendimento digno de todos os encômios. Nascida instintivamente da necessidade de aumentarmos nosso poder aéreo, empolgou a opinião pública, atraiu a imprensa brasileira tão generosa e cheia de ardor cívico, quanto solícita em despender esforços e fazer sacrifícios: granjeou a estima geral, fazendo com que todos os patriotas a ela acolhessem e auxiliassem –n’a.(...). Ela não terá fim e de todos os recantos do Brasil hão de surgir novas azas[sic]. Praza aos céus que elas aumentem até o infinito, que possam elas cortar em todos os sentidos os céus imaculados da pátria, vigiando as nossas lindes [sic] e as nossas riquezas, espreitando todas as ameaças, velando pela segurança dos nossos lares, encurtando distâncias, fazendo-nos a todos - os do Norte e os do Sul, os do litoral e os do sertão – a todos, enfim, mais unidos, mais coesos, mais solidários, dentro dessa imensa solidariedade que é a nossa própria pátria transformando-a na grande e indissolúvel comunidade de todas as nossas vontades, pelo Brasil eterno, grandioso e soberano. (21)

Devemos mencionar ainda que a campanha precisava de pilotos e outros profissionais que tivessem domínio da aviação e de serviços correlatos, para que efetivamente funcionasse a ideia expressa no discurso de Dutra. Fazia-se então necessária a existência, dentro dos aeroclubes, das escolas de pilotagem e manutenção das aeronaves. Consta na obra História Geral da Aeronáutica Brasileira que

As escolas de pilotagem forneceram 486 brevês em São Paulo; 172 no Rio de Janeiro; 67 em Minas Gerais; 40 no Rio Grande do Sul; 34 em outros estados; 87 brevês da FAI (Fédèration Aèronautique Internacionale) a militares; 30 a pilotos brevetados no exterior e 21 a portadores da Carta do D.A.C. [Departamento de Aviação Civil].’ (22)

Contando ainda com a movimentação nos aeroclubes que eram regularmente relatadas na mídia impressa, como na Revista Brasileira de Aviação e no Correio da Manhã, do qual se extraiu o exemplo abaixo:

O movimento do Aero Club [sic] de Minas: Bello Horizonte, 18 (A.N.)- O Aero Club [sic] de Minas Geraes, com sede nesta capital, teve intenso movimento no decorrer do anno passado. Foram efetuados 3.502 vôos assim discriminados: vôos de instrução, 1860, com 219 horas e 15 minutos e vôos de treinamento de pilotos brevetados, 1642, com 324 horas e dois minutos. Apenas dois acidentes, sem conseqüências foram registrados. A instrução esteve a cargo da segura direção do capitão João Passos, commandante do 3º corpo de Base Aérea, com sede na Pampulha. Actualmente recebem instrução 24 novos alunos e 150 candidatos a brevetagem aguardam oportunidade para iniciarem o curso que luta com falta de material, apezar de todo o auxílio dispensado pelos poderes públicos e pela aviação militar. (23)

Podemos observar que uma grande soma de recursos financeiros e de recursos humanos eram dedicados ao funcionamento dos aeroclubes, movimentando o mercado de trabalho, de importação de tecnologia e de incremento científico. Em suma: a CNA, incentivando as atividades aviatórias, trouxe para o país o gérmen da integração aérea nacional e, segundo as fontes consultadas, atingiu marcas numéricas significativas, como a doação de mais de mil aviões a aeroclubes do país que ajudaram a brevetar cerca de 3700 aviadores. Também trouxe incentivos financeiros, tecnológicos e fomento de empresas ligadas à aviação, como a Companhia de Navegação Aérea Brasileira, a VARIG, a Panair do Brasil, dentre outras. 

Preparando o pouso

“Essa mentalidade aeronáutica é parte integrante do Poder Aéreo Brasileiro”
Brig. do ar eng. João Mendes da Silva (24)

Avancemos cerca de dez anos no tempo. Em artigo escrito para a revista Aero Magazine, em 1959, o Brigadeiro do Ar João Mendes da Silva atentava para a necessidade de resgatarem-se, no Brasil, campanhas aeronáuticas tais como as que ocorreram na década de 1940. Ressaltava ele que a franca decadência dos aeroclubes, levada a efeito com o fim da CNA, deixaria de projetar no cenário nacional a “mentalidade aeronáutica”, essencial para a manutenção do poder brasileiro sobre o seu espaço aéreo. Após observar vários depoimentos e artigos, percebe-se que o Brigadeiro Mendes fazia parte de um grupo de defensores da CNA que viu na campanha de incentivo aos aeroclubes a possibilidade de ganhos nacionais tanto para a aviação comercial, quanto para a aviação militar e até para a aviação postal - outro tema não abordado diretamente neste artigo, por ter caráter bem diferenciado. Estariam aquelas pessoas equivocadas? Quais seriam os benefícios políticos, econômicos, sociais, de tal empreitada? As oportunidades oferecidas pelos aeroclubes ainda eram bastante promissoras: eles serviam de manancial para pilotos da Força Aérea Brasileira e da aviação comercial, pois forneciam a formação tanto de técnicos quanto de candidatos a piloto, serviam como espaço para desenvolvimento do apreço pela aviação entre os jovens da sociedade, e eram também propulsores de um turismo aéreo ainda incipiente no país.

Então, a CNA mostra a sua lógica:

Com a campanha e com os aeroclubes haveria o desenvolvimento de uma mentalidade aeronáutica, assim, a sociedade entenderia que a manutenção dos aeroclubes seria em seu próprio benefício, pois quanto mais pilotos formados melhores seriam as condições da aviação no Brasil e mais fácil seria viajar de avião. Já que não dava para o Estado manter aquelas organizações, então o apelo seria feito a sociedade civil por meio de campanhas.

O tripé de sustentação do "Poder Aéreo Brasileiro" estaria completo: a campanha obtém recursos que destina para os aeroclubes, os aeroclubes formam pilotos (mão de obra militar e civil) e contribuem para a formação da mentalidade aeronáutica brasileira (mercado usuário/consumidor). Com isso, o uso da aviação e integração nacional seriam, enfim, alcançados. Fora os recursos de empresas nacionais e estrangeiras interessadas em investir na aviação brasileira.

Porém, não foi tão fácil assim. Se, por um lado, a campanha teve o mérito de incentivar a mentalidade aviatória no país, por outro, após o fim da campanha, os aeroclubes entraram em franca decadência. Vários apelos foram feitos: subsídios aos aeroclubes através de parte do valor pago nas passagens aéreas da aviação comercial, redistribuição da verba recebida pela Diretoria de Aeronáutica Civil (DAC). Não houve uma boa repercussão para estas propostas. Segundo L. Nobre de Almeida, em artigo publicado na revista Aviação (25), os aeroclubes corriam risco ao dedicar toda a sua atenção apenas a receberem doações da sociedade civil. Sugestões importantes foram dadas como, por exemplo, a criação de cursos, transportes, eventos, que os clubes poderiam promover para sustentar suas altas despesas com manutenção de aeronaves, combustível e pagamento de funcionários. Infelizmente, a confiança nas doações parece ter falado mais alto. Entretanto, nenhuma campanha pode durar para sempre. Assim que os propósitos que a criaram se encerraram junto com o fim da Segunda Guerra e a chegada de novas preocupações no Brasil, em pouco tempo muitos clubes já haviam fechado suas portas.

1 GOMES, Ângela de Castro. A Invenção do Trabalhismo. 2°ed. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1994.

2 HOBSBAWN, Eric. A era dos extremos: o breve século XX. 1941-1991. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. 

3 FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucília de Almeida Neves (orgs.). O Brasil republicano - o tempo do nacional- -estatismo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.

4 Aerophilo. Rio de Janeiro: Aero Club Brasileiro, fev/1916, s/p.

5 Revista Brasileira de Aviação . Rio de Janeiro: Aero Clube do Brasil, 1942. 

6 SOUZA, José Garcia de. A verdade sobre a História da Aeronáutica. Rio de Janeiro: Gráfica Leuzinger S.A. 1944.

7 Ministério criado em 20 de janeiro de 1941, pelo Estado Novo.

8 INSTITUTO Histórico-Cultural da Aeronáutica. História Geral da Aeronáutica Brasileira. Rio de Janeiro: INCAER, 1991, p. 174.

9 BOLETIM do Ministério da Aeronáutica. Rio de Janeiro, ago/1942: 1146.

10 Correio da Manhã..Rio de Janeiro, 20/02/1941, p. 5

11 MORAIS, Fernando. Chatô: o Rei do Brasil. 13ª Ed. SP: Cia das Letras, 1994, p.475

12 MORAIS, Fernando. Chatô: o Rei do Brasil. 13ª Ed. São Paulo: Cia das Letras, 1994, p.441

13 Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 26/07/1942, p. 5

14 Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 26/07/1941, p. 5

15 Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 02/10/1941, p. 5

16 Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 9/10/1941, p.5 

17 Informações colhidas das fontes pesquisadas para este artigo:
AERO Magazine. São Paulo: Fundação Santos Dumont, 1958 – 1959;
AEROPHILO: Revista do Aero Club Brasileiro. ‘A aviação e a guerra européia’. Rio de Janeiro, Ano 1,n.9, fev/1916;
AEROVISÃO. Rio de Janeiro, Ano 1, n.1[mar. 1973?];
AVIAÇÃO. Rio de Janeiro, 1941-1950;
ASAS. Rio de Janeiro, 1941 – 1948;
BERTAZZO, Roberto Portella. A crise da Indústria Aeronáutica Brasileira: 1945-1968. Minas Gerais: Universidade Federal de Juiz de Fora (Monografia de Bacharelado em História), 2003;
BOLETIM do Ministério da Aeronáutica. Rio de Janeiro, 1942;
CORREIO da Manhã. Rio de Janeiro, 1941 – 1942;
INSTITUTO Histórico-Cultural da Aeronáutica. História Geral da Aeronáutica Brasileira. Rio de Janeiro: INCAER,1991;
MORAIS, Fernando. Chatô: o Rei do Brasil. 13ª Ed. SP: Cia das Letras, 1994;
SOUZA, José Garcia de. A verdade sobre a História da Aeronáutica. RJ: Gráfica Leuzinger S.A. 1944.

18 Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 13/07/1941, p.5 

19 Idem, 7/08/1941, p.5

20 Idem, 19/04/1941, p. 5 

21 Idem, 24/07/1941, p.5

22 INSTITUTO Histórico-Cultural da Aeronáutica. História Geral da Aeronáutica Brasileira. Rio de Janeiro: INCAER, 1991, p. 180. 

23 Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 14/07/1941, p.5.

24 Aero Magazine, RJ, set-out/1959, p.46. 

25 Aviação. Rio de Janeiro out/1945

Fonte: REVISTA CANTAREIRA - EDIÇÃO 17 / JUL-DEZ, 2012

Texto:  RAQUEL FRANÇA DOS SANTOS FERREIRA