No dia dos pais, o Núcleo Infantojuvenil de Aviação-NINJA reproduz conteúdo do excelente Santos Dumont de próprio punho, como singela homenagem ao nosso Pai da Aviação.
Boa leitura.
Bom domingo!
Feliz Dia dos Pais!
NOSSA ENTREVISTA COM SANTOS-DUMONT
Todos sabem que pioneiro da conquista do ar foi o famoso Santos-Dumont. Não seria interessante aprender com ele de onde veio sua vocação, como realizou seus primeiros ensaios e o que pensa do futuro da aviação? Em nome da “Lectures pour tous”, um repórter reconhecido pelo seu conhecimento em assuntos esportivos, o Sr. Frantz Reichel, solicitou que ele respondesse a estas diversas perguntas. É esta entrevista tão instrutiva, alimentada por fatos e ideias, com o Sr. Santos-Dumont e o nosso colaborador, que os nossos leitores vão encontrar aqui.
No último dia 19 de outubro, o Sr. L. Barthou, diretor do gabinete do presidente do Conselho, ministro da Instrução Pública da França, inaugurou, no cruzamento das colinas de Saint-Cloud, o monumento erguido pelo Aeroclube da França em grande homenagem à Santos-Dumont.
Na base da estátua, foi gravado o que segue: “Este monumento foi erigido pelo Aeroclube da França para comemorar as experiências de Santos-Dumont, pioneiro da locomoção aérea.” Santos-Dumont assistia à cerimônia. Não há muitos exemplos, na história das conquistas humanas, de inventores que tenham, durante suas vidas, sentido a emocionante honra de receber uma homenagem, em pedra e bronze, pelos seus esforços generosos. Santos-Dumont recebera essa excepcional recompensa a dois passos do parque do Aeroclube da França de onde, no dia 20 de outubro de 1901, ele se lançou a bordo de seu dirigível para tentar ganhar o prêmio de cem mil francos oferecido pelo Sr. Henry Deutsch de la Meurthe ao indivíduo audacioso que, em um aeróstato, e em menos de trinta minutos, lançaria-se das colinas de Saint-Cloud para contornar a torre Eiffel e retornar, sem ter feito escala, ao seu ponto de partida. Ninguém esqueceu a emoção que essa extraordinária façanha causou. Provocou uma verdadeira euforia no mundo inteiro. O homem havia tido, dessa vez, a impressão de que o sonho (ambicioso e orgulhoso) da conquista do ar, perseguido através dos séculos, estava como que realizado.
Na base da estátua, foi gravado o que segue: “Este monumento foi erigido pelo Aeroclube da França para comemorar as experiências de Santos-Dumont, pioneiro da locomoção aérea.” Santos-Dumont assistia à cerimônia. Não há muitos exemplos, na história das conquistas humanas, de inventores que tenham, durante suas vidas, sentido a emocionante honra de receber uma homenagem, em pedra e bronze, pelos seus esforços generosos. Santos-Dumont recebera essa excepcional recompensa a dois passos do parque do Aeroclube da França de onde, no dia 20 de outubro de 1901, ele se lançou a bordo de seu dirigível para tentar ganhar o prêmio de cem mil francos oferecido pelo Sr. Henry Deutsch de la Meurthe ao indivíduo audacioso que, em um aeróstato, e em menos de trinta minutos, lançaria-se das colinas de Saint-Cloud para contornar a torre Eiffel e retornar, sem ter feito escala, ao seu ponto de partida. Ninguém esqueceu a emoção que essa extraordinária façanha causou. Provocou uma verdadeira euforia no mundo inteiro. O homem havia tido, dessa vez, a impressão de que o sonho (ambicioso e orgulhoso) da conquista do ar, perseguido através dos séculos, estava como que realizado.
Durante o espetáculo do dirigível contornando a torre Eiffel e retomando o caminho de volta, pessoas corriam, conversavam, cumprimentavam-se, abraçavam-se. Elas sentiam que, a partir daquele dia, despontava uma época de novas vitórias, de façanhas inéditas e de heroísmo.
Santos-Dumont fez mais para a conquista do ar por meio da fé que o inspirava, pelo impulso transmitido, pelas esperanças que fez nascer, pela confiante bravura de suas tentativas intrépidas, do que por suas próprias criações. Ele abriu as portas, suscitou o movimento, e, por isso, foi e é o verdadeiro e magnífico pioneiro da locomoção aérea. Ele ousou; arriscou com simplicidade admirável.
E será uma honra para França ter homenageado adequadamente a atividade de um estrangeiro que considera um dos seus e adotou-a como pátria.
Santos-Dumont, no dia seguinte à manifestação que consagrou seus atos e sua justa glória, quis revelar aos leitores de Lectures pour tous como alcançou a conquista do ar.
Avenida du Bois-de-Boulogne, 58: um vasto, claro, elegante rés-do-chão, cujas janelas sorriem ao esplendor verdejante da avenida. Nas lareiras, nos móveis, nas paredes, enfeites lembram as façanhas aéreas de Santos-Dumont.
O senhor conhece Santos? Um homenzinho ágil, magro, nervoso, vigoroso; um verdadeiro atleta em miniatura, do peso de cinquenta quilos, que a prática de esportes mantém em perfeitas condições. Ele tem a testa comprida, larga, descoberta, o rosto alongado, os traços bem marcados, simultaneamente resolutos e afáveis.
Um pequeno bigode, bastante curto, olhos brilhantes, ágeis completam sua fisionomia tão particular, tão original. De maneira gentil e como que constrangido de ter de falar de si, Santos consente, contudo, a entrevista; dificilmente o faz; porém, para tal, empenho uma obstinação rigorosa e metódica. Ele relata o que segue:
“Sou brasileiro; isto se sabe. Nasci no dia 20 de julho de 1873. Minha juventude se passou no meio de vastas plantações de café que meu pai possuía. Nesse lugar, tive uma vida livre, incomparável para formar o temperamento e suscitar o gosto pela aventura. Desde minha adolescência, tive uma queda extremamente acentuada pelas coisas da mecânica e, como todos aqueles que têm, ou acreditam ter, uma vocação, cultivava a minha com cuidado e paixão. Desde sempre imaginei, construí, dediquei-me a pequenos engenhos mecânicos que me alegravam e rendiam uma grande consideração da família. Minha principal alegria era ocupar-me das instalações mecânicas do meu pai, era da minha competência e ficava bem feliz e orgulhoso. Brilhava, aliás, na minha função; e acredite o senhor que, em uma área tão vasta quanto aquela que possuía meu pai, as instalações mecânicas abundavam. Essa área compreendia sobretudo uma via férrea de uma extensão de mais de cinquenta quilômetros; com frequência, eu mesmo conduzia os trens. Era um dos meus grandes prazeres. Meu gosto pela mecânica levou-me a entrar e estabelecer-me na nossa escola politécnica, de onde saí engenheiro civil. Foi então que vim para a França. Vivo no seu belo país há cerca de vinte e dois anos: eu o amo de um amor quase igual àquele que nutro por minha querida pátria."
“Sou brasileiro; isto se sabe. Nasci no dia 20 de julho de 1873. Minha juventude se passou no meio de vastas plantações de café que meu pai possuía. Nesse lugar, tive uma vida livre, incomparável para formar o temperamento e suscitar o gosto pela aventura. Desde minha adolescência, tive uma queda extremamente acentuada pelas coisas da mecânica e, como todos aqueles que têm, ou acreditam ter, uma vocação, cultivava a minha com cuidado e paixão. Desde sempre imaginei, construí, dediquei-me a pequenos engenhos mecânicos que me alegravam e rendiam uma grande consideração da família. Minha principal alegria era ocupar-me das instalações mecânicas do meu pai, era da minha competência e ficava bem feliz e orgulhoso. Brilhava, aliás, na minha função; e acredite o senhor que, em uma área tão vasta quanto aquela que possuía meu pai, as instalações mecânicas abundavam. Essa área compreendia sobretudo uma via férrea de uma extensão de mais de cinquenta quilômetros; com frequência, eu mesmo conduzia os trens. Era um dos meus grandes prazeres. Meu gosto pela mecânica levou-me a entrar e estabelecer-me na nossa escola politécnica, de onde saí engenheiro civil. Foi então que vim para a França. Vivo no seu belo país há cerca de vinte e dois anos: eu o amo de um amor quase igual àquele que nutro por minha querida pátria."
POR TER LIDO JÚLIO VERNE
Quando e como (eu o interrompi) o senhor foi conduzido a se envolver com a aeronáutica, a se tornar o pioneiro da conquista do ar?
Quando e como (eu o interrompi) o senhor foi conduzido a se envolver com a aeronáutica, a se tornar o pioneiro da conquista do ar?
De maneira bem simples, que provavelmente parecerá inverossímil e extraordinária: graças às leituras de minha juventude fui influenciado a me apaixonar pela conquista do ar. E atribuo essa paixão ao maravilhoso romancista cujo gênio prodigioso, profético, nunca será célebre o suficiente, a Júlio Verne; espírito surpreendente de previsão que, com uma originalidade científica adivinhadora, construiu espontaneamente todas as grandes invenções modernas. Eu amo e venero Júlio Verne, e seria, da minha parte e da parte de todos, a pior ingratidão não reconhecer a influência considerável que ele teve no imaginário das novas gerações. Foi ele que deu a elas o gosto, a curiosidade pelas tentativas mecânicas mais audaciosas, poder-se-ia dizer as mais monstruosas. Tornou-as verossímeis, e a realidade mostrou que, na verdade, ele havia tido razão. Eu tinha, portanto, a ideia de me empenhar pela conquista do ar, que devia ser para o homem, quando fosse realizada, a causa de novas alegrias provocadas pela sensação vitoriosa de agir de maneira consciente, de viver a seu capricho, a sua vontade, em pleno ar livre. O balão esférico, do qual fui um adepto, não provoca essa sensação, essa exaltação vitoriosa. Quando levantamos em um esférico, não temos essa sensação de ação, essa impressão de movimento. É a terra que parece se distanciar; o aeronauta não tem a impressão de que ascende. Ele permanece como que imóvel.
Santos-Dumont para um instante e retoma:
Devo fazer, aqui, uma confissão; não que eu queira privar quem quer que seja da honra de ter empreendido algo, nem exagerar o que pude ou tive a felicidade de fazer, mas por simples homenagem à verdade. Quando comecei minhas pesquisas e experiências, não conhecia nada daquilo que podia ter sido feito antes, ou que era realizado por outros em paralelo aos meus trabalhos. Sei perfeitamente bem que um inventor tem grandes chances de ter êxito: quando é chegado o momento em que deve ser cumprido o tempo previsto. Sei que seus esforços também são, com frequência, o resultado do esforço de outros. Aliás, um inventor pode repentinamente obter sucesso em algo que outros teriam mais bem realizado, mas que não conseguiram porque chegaram cedo demais ou (igual e geralmente) tarde em demasia. Tive a extraordinária sorte de estar presente à ocasião em que os meios para realizar meu sonho e minhas concepções se encontravam à minha disposição. Cheguei no tempo esperado, num bom momento; foi meu glorioso destino, e eu, que acreditara nos maravilhosos sonhos do romancista, contentei-me pura e simplesmente em realizar o que ele imaginara, previra, em uma magnífica e genial concepção.
AS PRIMEIRAS TENTATIVAS
Seus primeiros esforços datam exatamente de qual época?
A possibilidade de conquistar o ar me pareceu evidente em 1892-93, ao longo de uma visita feita ao Salon du Cycle, instalado, naquele momento, no Palácio da Indústria de Paris, onde, pela primeira vez, expunha-se motores de automóveis: eles eram bastante pesados, de 40 a 50 quilogramas com ¼ de cavalo-vapor, e logo pensei que a indústria em pouco tempo consideraria outros resultados e que, dada a existência de um motor a explosão suficientemente potente e leve, a conquista do espaço aéreo não seria difícil. Não me enganara; em alguns anos, a tecnologia do motor à explosão sofreu extraordinárias transformações, devidas essencialmente ao triciclo a petróleo. Desde então, tive pressa de ser o primeiro a navegar em dirigível; eu sentia – como posso dizer? – que a coisa estava no ar. Para estar preparado, eu me envolvera, com empenho, na navegação aérea por meio do balão esférico, desde que se apresentara a ocasião para realizar meus projetos.
Quando o senhor desenhou e construiu seu primeiro dirigível?
Foi em 1898 que construí meu primeiro dirigível – um charuto – inflado a hidrogênio, composto por uma pequena barquinha munida de um motor, de uma hélice e de um leme. Meu balão havia sido inflado nos ateliês de Henri Lachambre, em Vaugirard, e o dia de minha primeira saída, em fevereiro de 1898, o tempo estava horrível; nevava. Essa primeira saída, aliás, quase me foi fatal. A cinco ou seis metros de altura, sobre Longchamp, o aparelho, repentinamente, dobrou-se e a queda começou. De toda minha carreira, esta é a lembrança mais abominável que tenho guardada. Enquanto o balão caía, perguntava-me se os cabos que sustentavam minha barquinha não se romperiam! A queda durou vários minutos e tive tempo de me preparar para a morte. O que começara tão mal, de resto, terminou muito bem; aterrissei incólume.
A EXPERIÊNCIA
O senhor me disse, prontamente, que ignorava todos os trabalhos feitos por aqueles interessados na pesquisa da aviação à época em que se dedicou à conquista do ar. Isso dá a sua obra um valor pessoal muito mais considerável e largamente merecido. Entretanto, desde então, quais foram os métodos empregados para fornecer as soluções tão engenhosas e tão racionais devidas ao senhor pela navegação aérea em “o mais leve” e “o mais pesado” que o ar?
O empirismo…e acredito de bom grado que todos aqueles que, na conquista do ar, atingiram resultados úteis não procederam diferentemente. Partir de dados teóricos, conforme constatei, não conduz a grande coisa; se o erro está na base, ele também está na consequência. Procedi por empirismo na construção de todos meus aparelhos, de todos sem exceção. Parece-me supérfluo lembrar-lhe os inumeráveis modelos de dirigíveis que construí e seria bem difícil lhe dizer o número exato! Acredito, contudo, recordar-me que construí quatorze dirigíveis e aproximadamente dezenove modelos de aeroplanos. Tratando-se tanto de dirigíveis quanto de aeroplanos, e admitindo, mais uma vez, a possibilidade de chocar algumas pessoas dentre as quais lerão esta entrevista: sempre procedi apenas por empirismo. Tateei, experimentei; cada experiência servia a uma próxima; eu continuava de maneira ponderada, com prudência; encontra-se a gênese de meus resultados na variedade de meus engenhos ampliados e modificados de modelo em modelo. Nunca me sentei diante de uma mesa para trabalhar sobre dados abstratos; à medida que realizava testes, aperfeiçoava minhas invenções, segundo o bom senso e a prática. Entretanto, não nego ter sido utilmente assessorado em meus esforços pelos conselhos de alguns técnicos, que foram, contudo, menos felizes na aplicação daquilo que a teoria ensinara-lhes. Eu tinha uma fé absoluta que, com paciência e aplicação, chegar-se-ia a vencer o ar, senão em todas as circunstâncias, ao menos na maioria delas. Nada me desencorajou, tão numerosas as aventuras tenham sido, das quais fui a vítima…aliás feliz, pois a Providência zelou constantemente por mim, já que fui ferido apenas uma vez ao longo de uma aterrissagem em balão livre, em Nice.
O senhor se lembra do número de suas desventuras?
Santos-Dumont se recolheu um instante, pôs-se a contar nos dedos, depois:
Certamente que não! Às minhas quedas, não dei muita importância. Tinha fé no meu destino…e nos amuletos que carregava. Os navegadores do ar são, com efeito, como os marinheiros; eles têm crenças e superstições: o progresso da locomoção aérea não os fez renunciar a esses hábitos, e o senhor sabe que todos os aviadores usam no pescoço talismãs cuja perda ou cujo esquecimento desestabilizariam sua coragem. A todas minhas quedas, escapei, com efeito, sem problemas; aconteceu dessa forma quando caí no campo de polo; quando vim a encalhar na propriedade do Barão de Rothschild, na ascensão em Bois-de-Boulogne; quando caí sobre os telhados de Passy, ou sobre as árvores de Saint-Cloud; quando o vento me empurrou em direção ao aqueduto do Avre; e, enfim, em Monte-Carlo, quando naufraguei no porto. Em todas essas quedas, não tive emoção alguma; foi breve e natural; desci simplesmente e, em alguns segundos, estava imóvel. Nos telhados de Passy, foi instantâneo: um estalo e estava enganchado. Apenas tive, após ter adquirido paciência, de fazer um pouco de ginástica: na verdade, pouco de perigo e nada de emoção. Ao contrário, foram essas aventuras que me tranquilizaram e deram confiança. Com calma e presença de espírito, o homem pode se defender melhor na navegação aérea do que na locomoção terrestre. Reitero ao senhor: a única aventura angustiante foi minha primeira queda, quando meu balão se dobrou.
DO DIRIGÍVEL AO AEROPLANO
Qual é, quais são suas mais ternas lembranças?
Tenho tantas lembranças que escolher a mais terna dentre elas, a mais preciosa, é muito difícil, para não dizer impossível. E seria ingratidão. Não são, acredite mesmo, os dias que foram, então, considerados como aqueles de vitórias definitivas que ocupam o lugar mais importante no meu coração; recordo-me com maior emoção das primeiras tentativas, daquelas que, consolidando as audaciosas esperanças de uns e outros, e as minhas, mostravam que era de fato possível conquistar cedo ou tarde o espaço aéreo. Essas tentativas eram, para mim, o que são, para a mãe e o pai, os primeiros passos de um filho que, entregue à própria sorte, vai dos braços da mãe aos do pai. Certamente, passei por uma nobre emoção no dia em que, com felicidade, tive êxito na viagem de Saint-Cloud à Torre Eiffel, ida e volta, pois era o primeiro grande experimento do balão automóvel, mas sabe-se que, cedo ou tarde, por mim ou por outros, ele seria concluído. Tive simplesmente a magnífica sorte de ser o primeiro. Por isso, tal evento me alegrava excepcionalmente, porque provocaria, sem dúvida, emulações e, em consequência, desencadearia progressos cuja humanidade logo se beneficiaria.
Mas como o senhor foi conduzido a passar subitamente do dirigível ao aeroplano?
Após alguns sobrevoos em Longchamp, em Paris e, sobretudo, aquele onde fiz escala no Champs-Elysées, em frente ao imóvel em que vivia, considerei, quanto ao dirigível, minha tarefa como cumprida; comportava-me como sportsman cientista e não tinha, por isso, nenhuma intenção de industrializar minhas pesquisas providencialmente favoráveis. O motor de automóvel tinha sido, em alguns anos, tão aperfeiçoado que se evidenciou, então, o fato de o homem poder, enfim, empenhar-se em rivalizar com o pássaro; e, lançando “o mais leve que o ar”, pus-me com urgência a trabalhar “o mais pesado”. Devo, aqui, afirmar igualmente que nada subtraí de outros. Tinha, provavelmente, ouvido falar dos Wright, mas ignorava seus trabalhos, os resultados atingidos por eles quando, em 1905, comecei no aeroplano. Tratando da aviação, continuei procedendo por empirismo. E, sem querer em qualquer momento diminuir o que outros fizeram, e então muito melhor do que eu, não posso ser acusado de tê-los copiado. Para se convencer disso, basta comparar meus aparelhos da época com os utilizados então.
A PRIMEIRA “DEMOISELLE”
É necessário recordar minhas primeiras e tímidas experiências com o canard de asas de tipo celular em V? Aqueles que foram as testemunhas dessas primeiras tentativas, ao longo das quais consegui deixar o solo em 7, depois 13, 60, 160 e 220 metros, enfim conheceram emoções e alegrias desproporcionadas com os resultados adquiridos; mas nisso ainda tive a sorte extraordinária de ser o campeão de suas esperanças. Eis a verdade! Eu entrara em cena no dia certo. Minhas primeiras experiências de aeroplano aconteceram em Bagatelle. Depois de meu voo, meu salto de 220 metros, transportei meu campo de ação para Issy-les-Moulineaux, mais vasto e deserto. Foi então que, renunciando ao gigantesco aparelho de minhas primeiras pesquisas, iniciei a construção do monoplano “la Demoiselle”, que renovava o primeiro monoplano concebido, construído e experimentado por Ader. Encontrei, na minha prática, sérias dificuldades; elas vinham do motor. Sempre fui partidário – e sou ainda mais do que antes – de um aparelho leve, que dispõe de uma fonte de energia suficientemente grande, a fim de poder voar com facilidade e se defender utilmente no ar da decolagem à aterrissagem. Os motores de então, mesmo tão aperfeiçoados, estavam ainda demasiadamente pesados. Foi, nesse momento, que pensei em aplicar o motor horizontal e que utilizei o Dutheil-Chalmers, com o qual obtive resultados suficientemente satisfatórios, mas que não valem comparados aos conquistados por mim com o motor que desenhei e cuja construção foi infelizmente abandonada. Em Issy-les-Moulineaux, somente pude treinar em linha reta, mas meu aparelho estava tão rápido e suas qualidades tão seguras, que sonhei em ultrapassar os limites da propriedade e pôr-me à prova em voos pela campanha, e, como se tornava perigoso voar em Issy, devido à multidão que os experimentos atraíam para esse local, desloquei-me para Saint-Cyr. Estava muito satisfeito com minha “Demoiselle”, com a qual completei velocidades de 90 quilômetros por hora, o que, para a época, era uma velocidade relevante. Fiz algumas ascensões que tiveram repercussões, sobretudo aquela que me dirigiu ao castelo de Wideville, onde fui acolhido com entusiasmo do qual ninguém duvidará. Eu era, naquela época, o pássaro raro. Isso é quase toda minha história.
O senhor sabe que sua aposentadoria repentina é o que surpreende. Lastima-se que não tenha trabalhado mais longamente sua “Demoiselle”.
Tal qual era em 1910, é, com efeito, a “Demoiselle” em 1913, - retoma Santos-Dumont. Ela teve seus adeptos, e ainda posso dizer que me orgulho de ter fornecido a dois dos mais conhecidos aviadores modernos, a Roland Garros e a Audemars, o aparelho de sua estreia. Foi com minha “Demoiselle” que Roland Garros estreou: aquela com a qual fiz as ascensões e a visita que o senhor sabe, Roland Garros fez seu aprendizado. Ele comprara de mim uma “Demoiselle”, e, no dia 9 de setembro de 1910, efetuou a travessia do rio Rance, de Paramé à Dinard, passando sobre Saint-Malo; no dia seguinte, deslocou-se de Dinard até a ilha de Cézembre, em oito minutos e seis segundos. Por sua vez, Audemars adquiriu sua “Demoiselle” na maison Clément, que havia começado a construir essa máquina.
O senhor renunciara completamente à navegação aérea desde 1910. O que motivou o seu retorno?
Retornei à navegação este ano, porque me pareceu que o motor aeronáutico havia realizado progressos tais, que se podia, enfim, construir os aeroplanos leves, robustos, práticos os quais sonhara. Quis, inicialmente, introduzir-me aos aparelhos modernos, e havia mesmo começado meu treinamento. Tentei, sinceramente, familiarizar-me com os comandos atuais; não tenho a pretensão de criticá-los, mas foi bem difícil adaptar-me a essas manobras, que são contraintuitivas; elas trabalham tanto os pés quanto as mãos e são contrárias aos gestos comandados pelo instinto. Desaprovo isso; tenho medo que, em situações graves, quando o piloto não se controla mais o suficiente, seu instinto, vencendo, dirija-o a movimentos que o fazem se perder em vez de se salvar. Havia imaginado um aparelho permitindo o aprendizado fácil desses diferentes movimentos, mas não pude submeter-me a essas manobras e preferi renunciar aos aparelhos modernos para retornar pura e simplesmente à minha “Demoiselle”.
MINHA NOVA MÁQUINA
Devo aos senhores Morane e Saulnier uma nova ‘Demoiselle’, construída de maneira perfeita, muito mais sólida, muito mais robusta, muito mais ágil em relação àquelas que foram seus ancestrais. Leve, dispondo de um motor de 50 cavalos, tenho nela um instrumento de turismo que considero perfeito e que oferece as mais altas garantias de segurança; conservei minha “curvatura”, apenas pela manobra do corpo, com a ajuda de correias que agem na extremidade das asas e criam a torção desejável, pelo único fato de o piloto se inclinar do lado oposto ao da queda, e tanto quanto for necessário para obter a correção conveniente. Agrada-me nesse sistema não muito mecânico, eu reconheço, mas extremamente seguro, extremamente maleável, ter de me encarregar apenas com a direção do aparelho; e, como estou sentado sob minhas asas, disponho de uma visibilidade admirável que me permite controlar a aterrissagem à minha maneira. Penso, com efeito, que muitas dessas quedas mortais que lamentamos foram provocadas pela necessidade na qual os pilotos se encontram, no momento da aterrissagem, de colocar o aparelho cabeça para baixo e cauda para cima para ver o solo. Quando, então, em virtude de um ângulo desmesurado, eles se chocam contra o solo, ou quando, faltando velocidade, levam de repente uma rajada de vento, ocasionando a capotagem e a queda com suas consequências desoladoras. A meu ver, pouso com as asas altas, por assim dizer; desço em posição normal.
CONSELHO AOS CONSTRUTORES
Não acredito, na verdade, que o aeroplano deva, no futuro, mudar muito, mas se tivesse uma observação a dar aos construtores, dir-lhes-ia que cegaram ao exagerar a potência de seus aparelhos; eles se lastimam que a aviação civil não se desenvolve, mas são eles mesmos que a tornam verdadeira e demasiadamente dispendiosa. Do motor de 50 cavalos passou-se ao de 70, 80, 100, 160 cavalos; eis que nos encontramos no de 200 cavalos! Aparelhos de 30.000 a 45.000 francos são excessivamente caros, não somente do ponto de vista do valor de compra, mas, sobretudo, se consideramos sua utilização. O quilômetro/“voo” custa valores exorbitantes; esses motores tão potentes são embebidos de petróleo e de óleo: a menor ascensão se torna uma prodigalidade! Se compreendemos muito bem que a aviação militar necessite de aparelhos que por sua força possam ascender a todo o momento, porque, para lutar, não se escolherá nem o dia, nem a hora, acredito ser um erro grave querer fazer, para a aviação civil, aparelhos de todas as formas. Neste momento, o aparelho civil deve ser considerado antes de tudo e, sobretudo, na área dos construtores, como um aparelho de turismo e de esporte ocasional. Por exemplo, os iates à vela de nossos rios ou de nossos portos, tão bons navegadores, tão ótimos veleiros, têm a pretensão de poder enfrentar o mar e o vento em todas as ocasiões? Eles esperam seu dia, a maré favorável, o vento propício, e, se as condições marítimas e atmosféricas não são aquelas esperadas, permanecem ancorados, abrigados no porto! A marinha de guerra necessita de navios que partam todos os dias, que partam a todo o momento. O sportsman, o turista e mesmo o comerciante não necessitam completamente de um navio que enfrente todas as dificuldades do mar e do ar. Igualmente para a aviação. Sempre buscando a realização do aeroplano para todos os dias e para qualquer momento, os construtores deveriam se empenhar para criar o aeroplano de esporte, de simples adesão, para belos dias, para o tempo bom, leve, barato. Veja o céu! Será que os pássaros permanecem no ninho quando o céu está contra eles? É o instinto deles que os faz ficar; quanto ao homem, a razão é o seu instinto. Desejo que os construtores franceses cheguem à fórmula que indico; eles prestarão um grande serviço à causa da aviação e a si mesmos, fornecendo a muitas pessoas, que desejariam se dar asas, a ocasião de adquiri-las, mas que renunciam ao turismo e ao esporte aéreos porque são dispendiosos, e não porque acham perigosos.
Assim relatou o Sr. Santos-Dumont. Agradeci a ele pelos detalhes que fornecera a respeito de si e da origem de sua extraordinária vocação, e mais ainda pelas opiniões que expusera sobre a aviação moderna.
Parece que os fatos lhe dão constantemente razão! Alguns dias após esta entrevista, o aviador Perreyon, que todos consideravam um piloto que sua ciência, sua experiência, seu sangue-frio protegiam-no de um acidente, faleceu na cidade de Buc em um acidente de aterrissagem, no momento em que os acidentes mortais se multiplicam na França e no estrangeiro, na aviação civil e militar.
Se alguns acidentes tinham sido comunicados com esta menção: “por uma causa desconhecida”, a maior parte era motivada por uma má aterrissagem. Devo recordar aqui o mais trágico de todos? Aquele ocorrido na cidade de Bethon, próximo de Epernay, com o tenente Briault e o soldado Brouillard, que, em um pouso infeliz, foram mortos carbonizados nas ferragens de seu aparelho em chamas?
A aviação francesa passa, do ponto de vista industrial, por um período difícil: ela tem como clientes apenas o as forças armadas da França e os governos estrangeiros, estes últimos pouco a pouco tentando realizar o próprio abastecimento ou buscando provimentos por outra via. É necessário que nossos construtores voltem seus esforços para a aviação civil, fazendo dela um esporte e um meio de turismo ocasional, excepcional, delicioso e vencedor.
As forças armadas alimentam o projeto – denegado, mas inevitável – de se tornar seu construtor. A partir de então, elas decidiram admitir na formação de suas esquadrilhas apenas três marcas de aparelhos, quatro no máximo. Hoje, uma dezena de marcas supre as forças armadas, e sua concorrência assegura o progresso da aviação. O dia em que a concorrência for limitada a quatro marcas oficiais, essa concorrência perderá sua intensidade e suas consequências fecundas serão quase nulas.
Sozinha, então, a aviação civil garantirá o futuro da conquista do ar.
É preciso pensar nela.
Frantz REICHEL
Tradução de Janaína Pinto Soares