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domingo, 26 de abril de 2015

Especial de Domingo

O único aviador brasileiro veterano da Segunda Guerra Mundial ainda vivo, aos 95 anos, o Major John Buyers concedeu entrevista, em dezembro de 2013, no Museu do Segundo Comando Aéreo Regional, no Recife (PE), reproduzida, em 2015, pela Agência Força Aérea, em comemoração aos 70 anos da vitória brasileira pelo Primeiro Grupo de Caça nos céus da Europa, na luta contra o nazifascismo.
Boa leitura.
Bom domingo!

Heróis Brasileiros


Um mineiro é o último aviador herói brasileiro da Segunda Grande Guerra

Nascido em Minas Gerais, mas filho de norte-americanos, o Major John Buyers participou da Segunda Guerra Mundial como oficial da Aviação do Exército dos Estados Unidos (USAAF). Por falar português fluentemente, foi designado para atuar como oficial de ligação entre o Comando dos EUA e o 1° Grupo de Aviação de Caça, o esquadrão de combate da Força Aérea Brasileira que se tornou o único da América Latina a participar da guerra na Europa, entre 1944 e 1945. Sua função seria apenas burocrática, mas ele foi voluntário para voar 21 missões de combate ao lado dos seus colegas da FAB. Duas delas aconteceram no dia 22 de abril de 1945, lembrado até hoje como o Dia da Aviação de Caça. Aos 95 anos, o Major John Buyers é o único aviador brasileiro veterano da Segunda Guerra Mundial ainda vivo. Em entrevista concedida em dezembro de 2013 no Museu do Segundo Comando Aéreo Regional, no Recife (PE), ele brinca: "sou o viúvo!". John Buyers lembra das missões nos caças P-47 Thunderbolt e da vida ao lado dos pilotos brasileiros. Mas o oficial americano não se refere a “eles”: apesar de ter passado o conflito em um uniforme dos EUA, o veterano não hesita em se referir aos brasileiros como “nós”. Confira abaixo a íntegra da entrevista:

É verdade que o senhor conheceu Santos Dumont?
Conheci. Meu Deus, como é que eu vou contar? Ele morava em Petrópolis e eu fui procurá-lo lá. Encontrei, conversei com ele um bocado. Recebeu-me muito bem. Foi uma aventura pra mim porque ele já era um homem velhinho. Não me conhecia, nunca me viu mais gordo. Aí então eu meti a cara e fui lá conversar com ele (risos). Mas foi muito bom. Não esqueço nunca a palestra que eu tive com ele. Eu tenho certeza que ele não se esqueceu de mim não. Eu não pilotava avião não, mas eu era maluco por aviação.

E a Carmem Miranda também?
Eu conheci Carmem. Ela estava passando e eu disse: “Ô Carmem, não quer tirar uma fotografia comigo não?”. E ela disse: “Vem cá, meu bem”. Aí chegou lá, me abraçou, e ela foi embora. Nunca mais vi. (risos).


Mas daquele tempo, sua maior lembrança é a participação na Segunda Guerra Mundial, não é?
Nem pergunta, porque foi uma época da minha vida que eu nunca, mas nunca vou esquecer. Porque fomos a uma guerra e foi matança pra aqui, matança pra ali... E o Brasil fez bonito, viu? O Brasil fez bonito na campanha lá. E eu tenho muito orgulho do meu grupo de caça. (lágrimas).

É verdade que inicialmente os americanos não acreditavam muito que o Brasil conseguiria ter um grupo de aviação de caça na guerra?
Eu penso que eles achavam que o Brasil talvez não pudesse, mas foi insistido. E o americano estava querendo pegar o Brasil pelo pé (risos) para ser um bom companheiro para ele. Então ele deu tudo, tudo o possível para esse Grupo de Caça. O americano deu de graça para nós, de graça. E nós fizemos bonito, muito bonito. Nunca pensaram que nós íamos conseguir isso.

O senhor era o Oficial de Ligação. Não tinha qualquer obrigação em voar missões de combate. Mesmo assim, voou 21 vezes ao lado dos brasileiros. Por que isso? Por que arriscou a própria vida mesmo sem precisar?
Eu estava em uma guerra. Eu queria participar da guerra. E eu estava com o grupo de caça… (sorriso) E eu pedi, eu entrava na frente. Mas levei muito tiro. Levei muito tiro. Meu avião voltou várias e várias vezes com buracos. Mas a gente foi pra frente.

Durante a guerra o senhor tinha 24, 25 anos. O que leva um jovem a querer participar da guerra?
É a aventura. Não tem nem dúvida. Foi uma aventura mesmo que nós tivemos lá. Mas nós corríamos o risco. Uns não conseguiram. Morreram, tiveram que saltar de paraquedas, foram parar em campo de prisioneiros. Outros ficaram escondidos lá no meio do mato até que terminasse a guerra. Então tem de tudo.

É verdade que o Tenente-Coronel Nero Moura estava preocupado com um “excesso de coragem” dos pilotos brasileiros?
Estava. Às vezes estavam exagerando um pouco. Mas isso é coisa da mocidade. Você tem um aviãozão cheio de metralhadoras e você não vai fazer nada contra o inimigo? Eles metiam mesmo pra frente para ganhar a guerra e ganhar experiência para o Brasil.

O senhor lembra das suas missões?
Lembro. A gente não esquece. Não sei como eu posso dizer para você. Eu tive sorte. Eu levei muito tiro, mas nenhum deles foi fatal. Não tive que saltar de paraquedas. E eu tenho muito orgulho do primeiro grupo de caça. Porque eles fizeram bonito. Ninguém pensava que o Brasil ia fazer o que fizemos. Mas eu procurava orientar também os pilotos brasileiros para eles não se exporem demais. Eu conversei com os pilotos americanos que estavam lá e eles me explicaram coisas, como fazia, como era e tal, e passava isso para o pessoal brasileiro.

O 1° Grupo de Caça voava o P-47, o “trator voador”. Dava confiança voar aquela aeronave em combate?
Ah, dava! Por que não? Ele era muito maneável. Foi um avião extraordinário. E nós tivemos muita sorte. Tem isso também. Eu acho que dos pilotos eu sou o último, não tem mais nenhum brasileiro. Eu sou o viúvo (risos).

Mais que colegas, amigos de muitos anos?
Ah sim. Isso você não consegue tirar da cabeça nem do coração.

Nero Moura foi um amigo em especial?
Sim, senhor. Um grande amigo e não esqueço nunca do Nero Moura. Eu, às vezes.... Não tem mais nenhum deles vivo. Todos já morreram. Eu sou o último. (choro) Eu perdi muitos amigos. Mas eu ganhei muitos.

Olhando essa maquete atrás do senhor a gente lembra que o Grupo de Caça precisou enfrentar chuva, lama, neve... Qual era o segredo para, mesmo assim, conseguir cumprir tantas missões? 
Eram os mecânicos. Os mecânicos foram muito bons. Foram muito bons mesmo. Eu não me lembro de nenhuma missão que tivesse voltado por um problema qualquer no motor ou falha do mecânico. Não existiu. Eles sabiam e eles queriam que nós fossemos e voltássemos. Era um encaixamento ali que eu não sei explicar, mas nós dependíamos dos mecânicos e os mecânicos dependiam de nós.


Depois de cumprir as missões, como era dormir no fim do dia?
Todo mundo dormia com sossego. Dormia com sossego e com o orgulho do que tinha feito naquele dia. É uma coisa que a gente não sabe explicar (sorriso).

Havia medo, também?
Medo? (risos) O cabelo ficava arrepiado, mas a gente ia mesmo. Ninguém ia voltar sem fazer a missão que tinha saído para fazer. Agora, tem uma vantagem, nossos pilotos eram de primeira. E nós tivemos um treinamento muito bom.

Além de dormir, o que dava para fazer para tentar relaxar?
Escrever cartas para casa. Eu escrevia para meu pai porque ele estava preocupado. Eu procurava mandar uma carta de dois em dois dias porque chegava lá e ele sabia que tava tudo bem. E assim eram os outros também.

O senhor contava tudo nas cartas ou procurava só deixar o seu pai mais tranquilo?
Não contava que levei tiro aqui, levei tiro ali. Escrevia uma carta de saudades. Muitos arranjaram namoradas lá, também, né?

E quem fazia mais sucesso, o brasileiro ou o americano?
Eu não sei dizer a você porque eu não fui procurar isso. Cada um fizesse como quisesse! É coisa lá deles mesmo. Eu tinha uma namorada aqui e eu escrevia carta para ela.

O 1° Grupo de Aviação de Caça combateu na Itália de outubro de 1944 até maio de 1945, no fim da guerra. Os pilotos que chegaram no início ficaram até o final, sem substituição. Tivemos pilotos com 80, 90 e até 100 missões. Ninguém pediu para ir embora?
Não. Isso não existiu. Nós estávamos orgulhosos daquilo que nós estávamos fazendo. E nós sabíamos que tínhamos que voltar para o Brasil, e de cabeça erguida. Não tivemos nenhum que fizesse uma missão e depois dissesse "não vou mais". Isso não existiu. Ele ia a primeira, e queria a segunda, a terceira, a quarta (risos).

Quando o senhor estava em uma missão, o que passava pela cabeça?
Cai fora pra não ser abatido!!! (risos).

Que tipo de alvo o senhor atacou?
Tudo o que você pode imaginar. Eu peguei vários. O inimigo precisava de munição. Então a gente procurava descobrir onde estava a munição dele e atacava aquele negócio. Eles ficavam sem meios de lutar. O alemão era bom mesmo. Mas houve um período em que eles estavam ficando sem munição. Então eles escondiam e nós descobrimos onde é que estava. A gente ia lá, metralhava e bum, explodia aquela porcaria. Eles que se danassem! Também tem outra coisa: eles pegaram tudo que tinham e botavam ali, às vezes, sem um treinamento muito bom. Então nós tivemos essa vantagem. Nós tivemos um preparo muito bom.

O senhor pensava sobre o inimigo? Sobre aqueles homens que combatiam pelo outro lado? 
Aquilo é uma guerra. Eles estavam lá para matar a gente e a gente estava lá para matar eles. É isso aí, né? Quanto mais inimigos você pudesse acabar...

Por outro lado, como era quando um brasileiro não voltava de uma missão?
O que é que podia fazer? O que é que a gente podia fazer? (silêncio) Nós chorávamos. Guerra é guerra. E a gente procurava não fazer o mesmo erro que ele fez. Às vezes era um erro que ele fez. A gente não fazia a missão do mesmo jeito que ele fez, aquele ataque. Mas nós tínhamos uma tropa muito boa. Éramos muito jovens e inventávamos ataques (risos). Nós atacávamos dessa altura do chão (eleva o braço na altura do ombro) e ele não tinha mais como procurar.

E como foi a alegria quando o Tenente Danilo Moura voltou depois de fugir durante 30 dias depois de ter sido abatido?
Ah! Ninguém dormiu naquela noite. Foi uma brincadeira tão grande. A gente se abraçava, rolava no chão (risos) (silêncio) (lágrimas). É isso a vida, né? A vida é assim. Mas você não sabe a história toda do Danilo. O Nero não tinha escrito para a família dele dizendo que o Danilo tinha sido abatido. Ele disse: “O que é que eu vou dizer? É meu irmão mais moço. E os meus pais vão ficar muito tristes”. Aí então eu disse: “Ô Nero, espera mais um pouquinho. Que diferença vai fazer? Se você escrever hoje, ou amanhã, ou depois de amanhã. Não faz diferença nenhuma. O fato é que nós não sabemos onde o Danilo está”.


O 1° Grupo de Aviação de Caça recebeu a Presidential Unit Citation, um reconhecimento direto da Presidência dos Estados Unidos. O que os brasileiros fizeram de especial?
Isso tem duas coisas. Uma é que o Brasil merecia. A outra é que os Estados Unidos não querem brigar com o Brasil de jeito nenhum, por nada. Nós somos grandes amigos. Os americanos são grandes amigos do Brasil. E até hoje, até hoje, os americanos falam sobre essa atuação do Primeiro Grupo de Caça, nosso brasileiro, e eles são muito agradecidos pelo trabalho que nós fizemos. O Brasil foi uma coisa que eles nunca pensaram que iria ser. O que é que o Brasil era? O Brasil era uma porcaria. Pilotos brasileiros fizeram um sucesso, eles mostraram que os brasileiros não são uns porcarias, uns m... qualquer.

Como é que foi quando o senhor soube que a guerra havia acabado?
(sorriso) Sabe que eu não me lembro? Foi uma festança danada. A gente atirava com o revólver pra cima. Bum bum bum pá pá pá rá rá. Fazia barulho, fazia muito barulho (risos).

O senhor voou B-17, B-25, T-6, P-47... Que aeronaves o senhor voou na guerra?
Pilotava. Mas na guerra, só o P-47.

Mas havia também um B-25 para missões de apoio, não? O senhor teria se afeiçoado muito a esse avião...
Desert Lil’ [Havia o costume, na época, de batizar as aeronaves com apelidos. Desert Lil’ era o nome do B-25 que cumpria missões de apoio para o 1° Grupo de Aviação de Caça]. Aquele era meu avião. Ninguém voava com ele.

Por que ele era bom?
Não! É porque eu não podia arrumar outro! Se um cara quebrasse o avião a gente não tinha outro.

Foi seu avião preferido?
Todo avião que você consegue pousar e não quebrar, é bom! (risos) O avião foi ótimo!

O que o senhor fez depois da guerra?
Me casei e fui trabalhar na usina de açúcar do meu sogro.

E sentia falta da guerra? A guerra deixa saudades?
Eu tenho lembranças boas, vamos assim dizer, porque eu consegui escapar. Não fui atingido de uma forma a ser ferido, nada disso. E quando eu voltei para o Brasil eu já escrevia para uma menina, aí eu me casei com ela.

Parou de voar?
Praticamente. Eu fiz muito correio aqui no Brasil. Fiz todo Brasil, tudo, tudo, tudo quanto era aeroporto por aqui. Depois plantei árvore. Plantei muita árvore. Hoje na minha idade não dá mais, eu olho para uma árvore e sei que a plantei, não sei quantos anos atrás, mas plantei.


E o senhor é feliz?
Sim! Felicíssimo. Porque estou vivo, tem umas mulheres maravilhosas aqui: a minha esposa e a minha filha. Eu sou um homem feliz. Há muitos anos eu fui ao Vaticano. Fui na Capela Sistina. E eles estavam ordenando oitocentas pessoas lá. E eu tinha ido só para ver. Aí eu tinha levado uma garrafa de guaraná para se tivesse sede. E eu dei essa garrafa de guaraná para o chefe deles, e ele veio e me batizou lá na Capela Sistina. Eu sigo o batismo daquele dia. Não vou nem para cá nem para lá, é aquele batismo. Sou feliz.

E qual o segredo para essa felicidade?
É você saber viver e obedecendo as leis de Deus que vai dar certo.

E para a saúde? Como manter a saúde até hoje?
Regular hours in clean living [vida regrada e sem excessos]. Se você seguir isso, você vai viver muitos anos.