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domingo, 4 de setembro de 2016

Especial de Domingo

O IPT NA AVIAÇÃO

Em 1894, era fundada a Escola Politécnica, em São Paulo, uma das primeiras escolas de engenharia do país. Desde 1891, o Congresso Legislativo do Estado registrava projetos de lei prevendo a criação de uma escola de engenharia. Em 1892, o então presidente da Câmara dos Deputados do Estado e futuro diretor da Escola, Antônio Francisco de Paula Souza, apresentava um projeto dispondo sobre a criação do Instituto Politécnico.

Francisco de Paula Souza - Fundador da Escola Politécnica - SP

A República havia sido proclamada. O país vivia um processo constituinte que desaguaria no estabelecimento do regime federativo e numa fase de grande autonomia dos estados. São Paulo vivia uma expansão acentuada da lavoura do café. Ferrovias atingiam regiões cafeeiras distantes da Capital, enquanto esta sofria um processo acelerado de urbanização. No entanto, o país importava a maioria dos bens que consumia, deixando inexploradas as imensas riquezas naturais que já sabia possuir. Contra esse estado de letargia e indigência intelectual, pronunciavam-se algumas lideranças que identificavam na industrialização e no desenvolvimento técnico as forças capazes de promover o desenvolvimento econômico. Entre esses homens figurava Paula Souza.
Em 1894, por ocasião da solenidade de criação da Escola Politécnica, Paula Souza revelava seu pensamento industrialista:

“Se os conhecimentos matemáticos e técnicos fossem mais divulgados entre nós, como o são os das ciências sociais e jurídicas, não assistiríamos hoje a essa curiosa anomalia de ver aquele mesmo povo que tão sábio quão pacificamente resolve os mais difíceis problemas sociais e políticos, como o da abolição da escravidão em 1889, importar os gêneros mais indispensáveis à vida, e até recorrer à industria estrangeira para obtenção dos mais simples artefatos e aparelhos necessários à defesa da Pátria, ameaçada de ruína e devastação.”

E ele continua:

“Sim senhores, se fossem comezinhos ao nosso povo os conhecimentos técnicos, teríamos, graças à reconhecida inteligência e natural perspicácia dos filhos desta terra, uma indústria variada, próspera e bem dirigida. Essas riquezas fabulosas, que existem ocultas no solo e subsolo, nas nossas extensas matas e campos, nos nossos caudalosos rios e impetuosos ribeiros, seriam convenientemente aproveitadas, em nosso lar encontraríamos facilmente o que hoje, com grande dispêndio necessitamos importar do estrangeiro!”

Cinco anos decorridos da fundação da Escola, nela surgia o Gabinete da Resistência de Materiais, origem do Instituto de Pesquisas Tecnológicas de São Paulo – IPT, uma das mais importantes instituições de pesquisa do país.
Em seus primeiros anos de existência, o Gabinete dedicou-se ao ensaio de materiais, especialmente daqueles voltados para a construção civil, tais como o cimento, os materiais cerâmicos e madeiras. De 1927, quando começaram a serem editados os boletins técnicos do IPT, até 1936, a maioria das publicações da instituição tratava de ensaios de materiais para a construção civil.

Em 1926 o Gabinete transformou-se em Laboratório de Ensaio de Materiais, perdendo sua feição essencialmente didática para aproximar-se da fisionomia de uma instituição de pesquisas.

O grande salão de máquinas do IPT

Quatro anos mais tarde era criada a Seção de Madeiras, com o objetivo de realizar estudos sistemáticos sobre as características físicas e mecânicas de nossas essências florestais. Até fins de 1933 já haviam sido estudadas cerca de 40 espécies e desse trabalho resultavam algumas aplicações, tais como produção de tacos e vernizes, além de madeira para emprego aeronáutico, em especial na construção de planadores.
Em 1934, era publicado o boletim técnico “Emprego de madeiras nacionais em aviação”, também apresentado ao 1º Congresso Nacional da Aeronáutica, de autoria de Frederico Brotero. Dirigindo a Seção de Madeiras do IPT, o interesse de Brotero pela aviação foi suscitado pela busca de aplicações para as madeiras brasileiras. No princípio da década de 30, a maioria das estruturas de aeronaves era de madeira. Brotero tornou-se conhecido nos meios técnicos pelo estudo de freijó, uma espécie que combinava pouco peso e grande resistência, característica que o tornava interessante para o emprego aeronáutico.
Gradativamente, o Instituto passou a se constituir numa referência necessária para todos quantos se interessavam pelo desenvolvimento da indústria aeronáutica no país. O envolvimento de Brotero pela aviação crescia constantemente.

Em 1938, ele uniu-se a Orthon Hoover para projetar uma aeronave de estrutura de madeira, para uma pessoa. O primeiro dos quatro protótipos de aeronave foi construído na Escola Politécnica e terminado em Rio Claro, ficando conhecido como Bichinho de Rio Claro.

IPT Bichinho exposto no Museu Aeroespacial


Hoover na aeronave Bichinho, projetada e construída no IPT


Mais tarde ganhou a denominação IPT-0. O aparelho trazia algumas inovações, entre elas asas dotadas de passagens aerodinâmicas hiper-sustentadoras no bordo de ataque. Esse modelo de asa passou a se constituir numa característica dos aviões do IPT.
O protótipo inicial foi dotado de um motor de 60 cavalos, importado. As nervuras das asas e da fuselagem eram de freijó. A cobertura era de contra-placado fabricado pela IPT. Em 1943, o IPT realizou um novo projeto da aeronave, para que ela pudesse contar com motores mais possantes de, respectivamente, 65, 75 e 80 cavalos. Foram então construídos no IPT outros três aparelhos. Todas aeronaves apresentavam excelentes condições de voo, e em 1940, Clay Presgrave do Amaral dava início às atividades aeronáuticas da Seção de Madeiras, dirigida por Brotero. Em 1948, a Seção de Aeronáutica foi elevada à condição de Divisão de Aeronáutica do IPT.

Oficina Aeronáutica do IPT


O primeiro projeto de aeronave, desenvolvido pela Seção de Aeronáutica do IPT, foi o de um planador para instrução primária, registrando como IPT-1 e batizado Gafanhoto. O aparelho era um monoplano de asa alta, de um lugar com revestimento de contra-placado fabricado pelo IPT. Visava o treinamento de pilotos e podia realizar voos de pequeno alcance. O meio de lançamento era o reboque de automóvel. Foi construído um protótipo, e o IPT publicou um folheto contendo instruções e desenhos técnicos para sua construção, tornando-os de domínio público. Os projetistas pretendiam “eliminar de forma mais completa possível materiais de importação”.

Planador Gafanhoto


Os planadores haviam sofrido um grande desenvolvimento na Alemanha, que os utilizara para contornar as restrições do Tratado de Versalhes que a proibia de manter uma força aérea. Nessa época, os planadores comumente utilizados no Brasil para instrução primária eram de fabricação alemã. Em 1937, o IPT iniciou a fabricação experimental de contra-placados, valendo-se de uma prensa improvisada. O material empregava pinho do Paraná e foi utilizado na construção, em 1938, do aparelho Bichinho. Tendo em vista os bons resultados apresentados e a existência de mercado, até então suprido por importações, o IPT instalou uma pequena unidade para produção de contra-placados, que começou a operar em fins de 1940.
O interesse do IPT pelo emprego de madeiras em aviação acontecia num momento em que a tendência mundial da tecnologia aeronáutica era a substituição da madeira por materiais metálicos. O Brasil ainda não contava com a grande siderurgia, nem com a produção de alumínio e dispunha de um parque metalúrgico bastante limitado. Por essa razão, Brotero defendia a continuidade das pesquisas aeronáuticas com madeira, que acreditava ser o único material de que o país poderia dispor para a construção aeronáutica durante algum tempo.
O planador IPT-2, batizado Aratinga, foi projetado para o treinamento primário de pilotos. Um único protótipo chegou a ser construído e voou, pela primeira vez, em julho de 1942. Era um aparelho de um único lugar, estrutura de madeira e cobertura de contra-placado fabricado pelo próprio IPT .

Planador Aratinga



O Instituto de Pesquisas Tecnológicas constituiu-se na base técnica sobre a qual surgiu a Companhia Aeronáutica Paulista. O Instituto concebeu duas aeronaves que vieram a ser fabricadas em série por essa empresa, além de projetar a famosa aeronave Paulistinha, uma cópia de um modelo norte-americano.

EAY 201 - Precursora do Paulistinha


O planador IPT-3, denominado Saracura, foi uma dessas aeronaves. Cópia do aparelho alemão Zoegling, a aeronave era destinada ao treinamento primário de pilotos. O IPT-3 voou pela primeira vez em setembro de 1942. Era um modelo simples, de estrutura de madeira e fácil manejo.

Planador Saracura


O IPT-4 foi projetado por Clay Presgrave do Amaral. Era um monomotor de asa baixa, para treinamento de pilotos. A estrutura era de madeira, com coberturas de chapas de contra-placado e tela. Era dotado de um motor norte-americano Franklin, de 90 cavalos. Clay do Amaral fez parte da primeira diretoria da Companhia Aeronáutica Paulista, e o IPT-4 tornou-se o CAP-1, denominado Planalto. Uma pequena série do avião foi fabricada pela empresa.

Aeronave Planalto

O modelo IPT-5, designado Jaraguá, era um planador experimental de dois lugares, de duplo comando, asas alongadas e de concepção moderna para a época. Voou pela primeira vez no final de 1941.
O modelo IPT-6, designado Stratus, foi projetado por João Lepper. Era um planador experimental, de competição, e voou pela primeira vez em 1944.

O protótipo IPT-7, designado Junior, foi projetado no início de 1945. Era um monomotor de dois lugares, estrutura de freijó, cobertura de contra-placado e tela plástica e motor Franklin norte-americano de 65 cavalos. Apenas o protótipo foi construído, chegando a ser homologado.

Protótipo do IPT-7/Junior

O IPT projetou ainda outras aeronaves, designadas pelos números 8, 9, 10, 11 e 15 mas que jamais chegaram a ser construídas.
O IPT-12, denominado Caboré, era um planador de alto rendimento, de uso esportivo.
O IPT-13 era um avião monomotor de dois lugares, de asa baixa, estrutura de freijó e cobertura de contra-placado de pinho, dotado de um motor Continental de 75 cavalos. Projetado, em 1949, por Silvio de Oliveira, apenas um protótipo foi construído e voou ao longo de cinco anos.
O modelo denominado IPT-14 era um planador de instrução de dois lugares. Ambos foram construídos e voaram durante alguns anos.
Anos mais tarde, no pós guerra, com o encerramento das atividades da CAP e de outras indústrias aeronáuticas, o IPT perdia o mercado para os projetos que desenvolvia. A Divisão de Aeronáutica realizava ensaios e projetos de aeronaves, buscando manter a equipe de técnicos no Instituto. Apesar de sua experiência, o grupo não foi absorvido pelo CTA e gradativamente o IPT abandonou as atividades aeronáuticas.
Os dois últimos projetos realizados pelo Instituto também não chegaram à produção industrial. O IPT-16 foi projetado por Joseph Kovacs e Silvio de Oliveira e era um avião monomotor, de um lugar, estrutura de madeira e motor Hirt de 160 cavalos. Começou a ser construído em 1949 e foi concluído apenas dez anos mais tarde, voando em setembro de 1959. Denominada Surubim, a aeronave tinha um excelente desempenho.
O IPT-17, último projeto realizado pelo Instituto, era um planador de um lugar, de estrutura de freijó e asas de perfil laminar. Apenas o protótipo foi construído e voou em 1960.
A Segunda Guerra Mundial assinala um período de crescimento da indústria aeronáutica no país. Foi também o momento mais significativo da trajetória do IPT na área aeronáutica, quando o Instituto projetou aeronaves que chegaram à produção em série, e quando registrou-se uma certa articulação entre a atividade de pesquisa e o processo industrial. Diversos protótipos projetados e construídos pelo IPT voaram anos seguidos, demonstrando a qualidade dos trabalhos que se realizavam no Instituto.

Fonte: www.museutec.org.br/Vencendo o Azul