Anualmente, especialmente neste mês, publicamos conteúdo sobre o pioneiro avião São Paulo e o seu inventor, naturalizado brasileiro, Dimitri Sensaud de Lavaud. Em janeiro de 1910 ele tornava-se o primeiro piloto do continente sul-americano a levantar voo numa máquina mais pesada do que o ar, construída com projeto, mão de obra e matéria-prima totalmente brasileiras.
Boa leitura.
Bom domingo!
O AVIÃO SÃO PAULO
Dimitri Sensaud de Lavaud (1882-1947) inventor e engenheiro de ascendência francesa, nascido na Espanha, naturalizado brasileiro, construiu o primeiro avião nacional. Filho do casamento de um francês com uma russa, antes de se mudar para o Brasil, viveu na Suíça, Turquia e Grécia.
Em Osasco desde 1898, a família Lavaud se instalou no chalé Bricola, construído menos de uma década antes pelo banqueiro Giovanni Bricola, no alto de um morro em uma área então distante do centro urbano.
Esta residência, onde hoje está instalado o museu “Dimitri Sensaud de Lavaud”, nos remete a um passado que a glorifica. É um casarão muito luxuoso para a época.
A memória do primeiro proprietário está presente nas portas de entrada e nas janelas que dão para o fundo do casarão com as iniciais do seu nome em metal. Giovanni Bricola residia em São Paulo e o utilizava como casa de campo. Na época de sua inauguração era cercado de árvores frutíferas entre elas muitas pereiras, que perduraram até o início dos anos sessenta.
A família Sensaud de Lavaud foi a segunda a residir ali, onde Dimitri se dedicou ao ambicioso projeto de construção de um avião. Seu pai comprou uma olaria e, em seguida, tornou-se sócio de indústrias de cerâmica da região.
Ainda adolescente, Dimitri Lavaud já se dedicava a leitura de livros técnicos, construir barcos a vela e a jogar xadrez.
Em 1903 casa-se com a brasileira Bertha Rachoud.
Aos 26 anos, iniciou os projetos e cálculos para a realização de seu sonho: projetar e construir um avião. O aeroplano São Paulo, cujo esqueleto media 10,2 metros de comprimento por 10 metros de envergadura, ficou pronto em fins de 1909, e todas as suas peças foram feitas no Brasil.
"Ele era nosso Thomas Edison, um homem fantástico", compara o engenheiro civil Pierre Arthur Camps, citando o célebre inventor norte-americano.
Camps, cujo avô era irmão da sogra de Lavaud, sempre foi um admirador da história do aviador.
Em 2007, construiu uma réplica do São Paulo, doada ao Museu Asas de Um Sonho, atualmente fechado, mas que foi mantido pela companhia aérea TAM na cidade de São Carlos, interior do Estado de São Paulo. "Levei um ano para construir o avião, com base em desenhos da época" , recorda-se. "Precisei reprojetá-lo."
Dimitri Sensaud de Lavaud era aficionado por engenharia mecânica e encomendara na Europa dezenas de publicações científicas. Muito curioso, Dimitri pesquisava tudo sobre aviação.
É provável que tenha conhecido Santos Dumont, pois Victor Brecheret tinha uma casa no bairro de São Francisco, que faz divisa com Osasco, onde recebera a visita de Dumont. Em Osasco, naquela época, havia muitas chácaras. Os modernistas, Oswald e Mario de Andrade e Tarsila do Amaral, frequentemente passavam os finais de semana no bairro paulistano.
Dimitri já era casado quando em 1909, carregando seus rascunhos, se dirigiu à oficina Graiy Martins, que se localizava em frente à estação Júlio Prestes, em São Paulo. Procurava um mecânico habilidoso, capaz de transportar para o metal o seu projeto do motor.
Indicaram-lhe Augusto Fonseca, um mecânico experiente, mas como este cobrou muito caro pelo trabalho, ele acertou com Lourenço Pellegatti, um jovem de dezessete anos que, apesar da pouca idade, já se destacava como um bom profissional.
No domingo seguinte, Pellegatti, que morava na Lapa, foi de bicicleta ao chalé onde moravam os pais do amigo. E, já naquele domingo, os dois se entregaram de corpo e alma à construção do avião. Era tanto o entusiasmo que o jovem mecânico não voltou para casa, deixando os pais apreensivos.
Dias depois, seu irmão mais velho o localizava em Osasco, tão preocupado com os rumos da construção do avião que não se dera conta da preocupação que seu desaparecimento provocaria nos familiares.
O inventor continuava seus estudos e, muitas vezes, acordava o mecânico em plena madrugada, para mostrar-lhe alguma nova descoberta no projeto em andamento. Quando Pellegatti discordava dele, ofendia-o, com o carregado sotaque francês que adquirira em família. Mas, logo depois, pedia desculpas ao reconhecer que o amigo mecânico estava com a razão.
O comendador Evaristhe Sensaud de Lavaud, pai de Dimitri, possuía uma oficina mecânica muito bem montada, na Cerâmica Osasco, de sua propriedade. No entanto, as peças requeriam a utilização de tornos muito delicados, que não existiam em sua oficina.
Para isso, o inventor recorreu à oficina de reparos de papelão Sturlini–Matarazzo, localizada na Rua da Carteira, em Osasco, assim denominada porque na época ali se fabricavam carteiras. Atualmente, essa rua se chama Narciso Sturlini.
Ali realizou a maior parte do trabalho. Depois os dois se transferiram para a “Garagens Reunidas”, na Rua Florêncio de Abreu, centro de São Paulo, onde concluíram a construção do aparelho.A montagem final aconteceu em Osasco.
Dimitri e Pellegatti realizaram algumas experiências com o motor, mas foram todas frustradas. Desiludidos, abandonaram o projeto por mais de um mês. Algumas peças dos cilindros eram muito delicadas e precisaram ser substituídas para que o motor funcionasse de forma satisfatória.
Durante vários dias, novos testes e, depois de um trabalho exaustivo tanto na colocação como na regulagem dessas peças, conseguiram alguns resultados positivos.
No dia três de janeiro de 1910, Sensaud de Lavaud, Lourenço Pellegatti e outros auxiliares que, entusiasmados, haviam se associado aos dois naquela tarefa, viram finalmente o motor funcionar ininterruptamente por duas horas.
Finalmente, em 7 de janeiro, o piloto Dimitri Sensaud de Lavaud, calmo e sorridente, dá sinal para que as pessoas se afastem, deixando o caminho livre para sua passagem. Partindo muito rápido, o avião levanta voo. Deslizando 70 metros sobre o terreno da rampa, que atualmente dá visão para a Avenida João Batista, Dimitri chega a uma altura de 3 a 4 metros do chão. Percorreu cerca de 105 metros em 6 segundos e 18 décimos.
De repente o motor parou, o que causou uma aterrissagem brusca, danificando as rodas dianteiras. Dimitri, que nada sofreu, sai do avião indignado, mesmo enquanto o público o aclamava. Tentando explicar ao público que pretendia ter voado mais de 10 segundos, acabou falando com ele mesmo já que as pessoas não deram ouvidos.
Não era para menos, afinal, naquele instante, tornava-se o primeiro piloto do continente sul-americano a levantar voo numa máquina mais pesada do que o ar, construída com projeto, mão de obra e matéria-prima totalmente brasileiras.
No dia seguinte, a história foi contada pelo O Estado de São Paulo, sem economia de adjetivos, e a foto do aviador ficou exposta na vitrine da sede do jornal.
Assim, foi inaugurada a aviação em toda a América do Sul e Dimitri mostrou que sonhos poderiam se transformar em realidade. Ele iria tentar mais três voos no Brasil com duas aeronaves diferentes – sem sucesso.
Uma invenção casual, no entanto, transformou sua vida. Ao tentar consertar o primeiro avião, num golpe de sorte, Lavaud descobriu uma forma de fabricar tubos em larga escala. A invenção foi patenteada, e ele criou a Companhia Brasileira de Metalurgia.
Em 1916, trocou o Brasil pelo Canadá. Na década de 20, mudou-se para a França - onde se estabeleceu até a sua morte, em 1947.
Durante a Segunda Guerra Mundial, chegou a ser preso, a mando dos alemães, para que contribuísse com conhecimento tecnológico. A embaixada brasileira na França atuou por sua libertação.
Além de aviador, Dimitri foi um inventor prolífico e um personagem importante do Século XX. Com mais de mil patentes registradas, ele revolucionou a indústria mundial de tubos metálicos e trouxe inovações para outras áreas, como a automobilística e a própria indústria da aviação.
Em Paris, ele fabricou o Sensaud de Lavaud, um carro com câmbio automático, invenção que só iria se popularizar nos automóveis em fins do Século XX.
Fontes: Estadão / Museu TAM
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