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sábado, 8 de abril de 2023

Biblioteca Ninja

Livros que resgatam a história da aviação em Ubatuba (SP)

Por Arnaldo Chieus * 


As criações da Biblioteca Hans Staden e do Instituto Salerno-Chieus, no Colégio Dominique, em Ubatuba (SP), proporcionaram a instalação do Núcleo Infantojuvenil de Aviação (NINJA), com trabalhos que inspiraram a publicação de quatro livros: um sobre a travessia do Oceano Atlântico pelo hidroavião Jahú, em 1927; outro sobre a história da aviação em Ubatuba, entre 1869 e 2017; um terceiro sobre a teoria e os projetos de aeronavegação do ubatubense Gastão Madeira, pioneiro da atividade aérea na virada do século XIX para XX; e, finalmente, um a respeito da grande viagem aérea desde o Chile até o Brasil, em 1922, da qual resultou o primeiro pouso de avião em Ubatuba. Esta é a abordagem, a seguir, compondo uma resenha dos quatro livros editados pelo Instituto Salerno-Chieus. 

Um colégio, uma biblioteca, um instituto e quatro livros sobre aviação 
A Biblioteca Hans Staden, no Colégio Dominique, em Ubatuba (SP), desde sua criação em agosto de 1989, tinha por um de seus principais objetivos o desenvolvimento de um programa de incentivo à leitura. Não apenas no enfoque curricular, mas, também, buscando e tentando objetivar entre os alunos o interesse por conhecimentos extracurriculares. Esse despertar para a leitura proporcionou condições de criar subsídios extracurriculares que viessem a interagir com o público alvo, que, em princípio, eram os alunos e professores. Daí surgiu a primeira série de publicações voltadas para esse público alvo.

O primeiro trabalho publicado foi a “Apostila de Folclore”, um trabalho de pesquisa e compilação com vistas no complemento extracurricular, apresentando de forma singela as linhas básicas do folclore e seu intercâmbio entre a sabedoria e a arte popular. As atividades curriculares tiveram sequência na Biblioteca Hans Staden. Porém, a série de apostilas ficou em compasso de espera de novos títulos, o que não ocorreu. Se o tempo passou, nossos sonhos não nos deixaram. E somente a partir do surgimento do ISC (Instituto Salerno-Chieus) e do NINJA (Núcleo Infantojuvenil de Aviação) uma nova geração de sonhadores se juntou aos nossos objetivos e novos projetos se tornaram realidade. 

Documentação e aviação 
Nesse período inicial foram muitas as idas e vindas até a consolidação de uma equipe mais objetiva. Iniciamos uma nova fase de publicações e criamos alguns Blogs, para divulgar novos projetos. Daí surgiu o Núcleo de Documentação Luiz Ernesto Kawall (Doc-LEK), pelo qual passou-se a divulgar a obra desse jornalista e memorialista, criador do Museu do Bairro do Tenório, em Ubatuba, um dos fundadores do Museu da Imagem e do Som, de São Paulo, e de tantos outros empreendimentos culturais. Associado ao Blog, e a partir dele, deu-se corpo a novas publicações e mais colaboradores foram se associando, trazendo ideias e projetos. De um grupo entusiasta sobre aviação surgiu o NINJA (Núcleo Infantojuvenil de Aviação), objetivando a difusão da cultura aeronáutica entre crianças e jovens. E, a partir do NINJA, o grupo deu início a uma pesquisa mais aprofundada sobre a aviação em Ubatuba, única cidade do Litoral Norte do Estado de São Paulo a dispor de um aeroporto que atende às normas de segurança aeronáutica. 

Cultura aeronáutica 
Com a criação do Conselho Gestor do Instituto Salerno-Chieus e do grupamento de voluntários do Núcleo InfantoJuvenil de Aviação se objetivou a difusão da cultura aeronáutica entre crianças e jovens. À época já estava em curso uma nova e dinâmica gestão no Aeroporto Gastão Madeira, a mais importante referência de pista para aeronaves no litoral norte de São Paulo. O aeroporto Gastão Madeira tem o atual formato desde a década de 1960, época em que experimentou uma grande reforma, a pedido do então prefeito Francisco Matarazzo Sobrinho. Porém, já bem antes, nas décadas de 1920 e 1930 várias foram as aeronaves que pousavam em Ubatuba e usavam uma pista de pouso alternativo, junto à praia defronte à cidade. 

Antoine de Saint-Exupéry e Leon Antoine 
Muito comentado foi o pouso, em Ubatuba, do Latécoère da Aéropostale (atual Air France), em junho de 1933, pilotado por Leon Antoine que, à época, fora confundido com Antoine de Saint-Exupéry. Essa história foi esclarecida por meio das pesquisas do jornalista Luiz Ernesto Kawall, que localizou o verdadeiro piloto daquela aeronave. Ambos, Leon Antoine e Saint-Exupéry, faziam à época voos na mesma rota e eram amigos. Leon Antoine, após se desligar da aviação comercial, passou a viver no Brasil, residindo na região serrana do Rio de Janeiro. No seu retorno a Ubatuba, confirmou a história daquele pouso e de como fora recepcionado pela cidade à época.

Livros sobre a aviação em Ubatuba e Gastão Madeira 
Essas e outras histórias são contadas no livro “Sobre o Mar de Iperoig”, de autoria de Celso de Almeida Jr., Celso Teixeira Leite e Cesar Rodrigues, lançado pelo selo do Instituto Salerno-Chieus. O livro traz, ainda, as histórias do piloto Jean Pierre Patural, da Aéropostale, dos voos semanais da VASP e da Companhia Akrobátika e seus aviões Sukhoi. Essas histórias e tantas outras mais que o livro nos proporciona conhecer, representam uma significativa contribuição à preservação da memória local. 
Seguindo essa mesma linguagem surgiu o livro Voando Além do Tempo – o pensar de Gastão Madeira, do jornalista e pesquisador Cesar Rodrigues, relatando o pioneirismo de Gastão Madeira na aviação. Natural de Ubatuba, desde o início da adolescência Gastão Galhardo Madeira demonstrou vocação para pesquisas científicas. Gastão Madeira foi reconhecido pelos que conhecem a história da aviação mundial. Em 1927, viu o seu nome figurar, ao lado de Bartolomeu de Gusmão, Santos Dumont, Edu Chaves, entre outros, pelos feitos na aviação, na placa em ouro e brilhantes comemorativa da travessia do Atlântico pelo hidroavião Jahú. O livro reproduz na íntegra os importantes estudos desse pioneiro da aviação, numa época de transição entre o emprego de balões e o desenvolvimento de tecnologias capazes de dar condições de voo às aeronaves mais pesadas que o ar. E foi partindo do estudo do voo dos pássaros que ele conseguiu explicar a dirigibilidade dos balões e como um objeto mais pesado que o ar fosse capaz de vencer a força da gravidade. Seus estudos foram pioneiros no desenvolvimento da segurança do voo. Em um de seus inúmeros inventos, o Aviplano, idealizou um dispositivo estabilizador, capaz de permitir o controle da aeronave no caso de falha do motor ou perda da hélice. O livro Voando Além do Tempo foi lançado em Ubatuba em março de 2019, ano em que se comemorou o sesquicentenário do inventor ubatubense e precursor teórico de Santos Dumont. 

Livro aborda a travessia aérea do Atlântico 
Vou ali. Já volto: o voo transatlântico do avião Jahú, outro livro com o selo Salerno-Chieus, de Cesar Rodrigues, relata os feitos da primeira equipe de aeronautas genuinamente brasileiros a fazer a travessia aérea do Atlântico, em 1927. Os anos de 1920 foi a era das grandes travessias aéreas, um período pós-guerra marcado pelos desbravadores aéreos assumindo desafios e os reides dominaram a atenção de muita gente. E nessa época a aviação também começou a se evidenciar. E assim ocorreu o pioneirismo de Edu Chaves na rota Rio de Janeiro-Buenos Aires (1920) e seguiram-se muitos outros, entre os quais destacamos o raid Santiago-Rio de Janeiro (1922), sob o comando do capitão Diego Aracena, resultando no primeiro pouso de um avião em Ubatuba.
Hidroavião Jahú
Sob o comando do piloto João Ribeiro de Barros, natural de Jaú, SP, o voo do hidroavião Jahú teve início em 13 de outubro de 1926 em Sesto Caldene, próximo de Gênova, na Itália. O hidroavião escolhido para a travessia foi o Savoia Marchett S-55, rebatizado como “Jahú” em homenagem à cidade onde nasceu o piloto e comandante João Ribeiro de Barros. A travessia foi tida como um dos feitos extraordinários para as condições técnicas daquela época. E o Jahú, durante seu reide, desceu em diversos pontos da costa brasileira pousando em Salvador, BA, no dia 25 de junho; no Rio de Janeiro, em 5 de julho; em Santos (SP), no dia 29 de julho; e, finalmente, na represa de Santo Amaro, hoje Guarapiranga, em São Paulo (SP), em primeiro de agosto de 1927. O livro também relata o amplo e minucioso trabalho de restauro da aeronave, suas atuais condições e a futura disposição para ser exibida em algum museu aeronáutico. Atualmente, o hidroavião Jahú se encontra hangarado no Museu da TAM, em São Carlos, SP, mantendo-se sob a responsabilidade da Fundação Santos Dumont. “Vou ali. Já volto” é um livro que relata uma história emocionante, digna dos pioneiros da aviação internacional num feito sob o comando de bravos aviadores brasileiros. O livro é ilustrado com fotos da época dos fatos e do hidroavião Jahú, os detalhes do seu restauro e como se encontra atualmente no hangar da TAM (Museu Asas de um Sonho). E traz, ainda, uma vasta referência bibliográfica sobre o assunto.

A jornada aérea do Chile ao Brasil, de 1922, em livro
No capítulo 2 do livro Sobre o Mar de Iperoig há um relato, de forma abreviada, da primeira aterrissagem de uma aeronave em Ubatuba, ocorrida em 1922. Fruto de uma pesquisa mais apurada, esse assunto veio a ser desenvolvido por Cesar Rodrigues no seu novo livro A Jornada Aérea: dos Andes ao Atlântico, publicado pelo selo Salerno-Chieus, em novembro de 2022.
O livro relata o raid aéreo iniciado em Santiago/Chile com destino ao Rio de Janeiro, então capital federal, como forma de demonstrar as aptidões dos pilotos chilenos e executar uma missão diplomática e saudar o país irmão, o Brasil, pela passagem do centenário de sua independência. A iniciativa partiu do Serviço Aéreo do Exército chileno, com o objetivo de levar ao Brasil uma mensagem do presidente chileno, por ocasião das comemorações do centenário da proclamação da independência do Brasil.
Ao centro, Aracena e Santos Dumont
O raid foi composto por duas aeronaves do tipo De Havilland DH-9 Airco: o 96 “Talca”, com os tripulantes Capitão Baraona tendo como mecânico o cabo Manuel Barahona; e o de matrícula 92, denominado “El Ferroviario”, tendo como piloto o capitão Diego Aracena e na função de mecânico o engenheiro inglês Arthur Richard Seabrook, selecionados para a missão. Ao capitão Aracena, comandante daquele raid, foi confiada uma carta do então presidente do Chile, Arturo Alessandri, com saudação ao povo brasileiro, a ser entregue ao presidente brasileiro da época, Epitácio Pessoa. 

Perigosa viagem
Ao longo do livro é relatada a perigosa jornada, verdadeira façanha dos pilotos e as dificuldades no enfrentamento de situações meteorológicas e geográficas muito adversas; o sobrevoo da Cordilheira dos Andes, as baixíssimas temperaturas enfrentadas pelos pilotos, provocando avarias nas aeronaves e congelamento com princípio de gangrena nos pés do capitão Aracena, entre muitos outros incidentes ali relatados. O primeiro acidente ocorreu na aterrissagem do Talca em Castellanos, na Argentina. Ao colidir com um poste de ferro a aeronave perdeu o trem de pouso o que impediu sua sequência no raid. A missão chilena continuou a jornada aérea com apenas uma aeronave, o biplano El Ferroviario sob o comando do capitão Diego Aracena e seu mecânico. Afinal, estava a caminho de seu destino, a cidade do Rio de Janeiro e com uma missão a cumprir: entregar ao presidente Epitácio Pessoa a mensagem que lhe encaminhava o presidente chileno. Pousaram em Buenos Aires, onde foram recebidos festivamente e prosseguiram até Montevidéu. Já era 6 de setembro de 1922. Não chegariam a tempo das comemorações da independência no Rio de Janeiro. Tentariam, ao menos, alcançar terras brasileiras, no 7 de setembro. Porém, as más condições meteorológicas não permitiram e eles pousaram, ainda mais uma vez, fora do território brasileiro. Diversos foram os pousos do “El Ferroviario” necessários tanto para reabastecimento, quanto por falhas mecânicas ou imprevistos meteorológicos. Em solo brasileiro, o avião do Capitão Aracena pousou em Pelotas, Porto Alegre - onde foi recebido efusivamente- e, posteriormente, em Torres, onde passou três dias, retido pelo mau tempo. Em seguida Florianópolis, também efusivamente recepcionado. Daí pousou em Iguape para reabastecimento e Praia Grande, também em virtude de combustível. Em Santos, pousou na praia do Gonzaga, onde ficou hospedado para pernoite. 

Pouso pioneiro em Ubatuba
Capitão Diego Aracena
Ao decolar de Santos o capitão Diego Aracena dispunha de autonomia de combustível para chegar ao seu destino final, a cidade do Rio de Janeiro. Porém, mais uma vez, o tempo mostrou-se adverso o que fez o capitão Aracena aproximar-se da costa e buscar local para um pouso alternativo. Avistando a cidade de Ubatuba, escolheu uma faixa de vegetação rasteira, na orla da praia do Itaguá para o pouso. Por uma infelicidade, na corrida para desacelerar o avião, a roda direita atingiu uma fenda oculta na grama, o que fez o avião virar provocando avaria nas rodas e na asa. A tripulação saiu ilesa, mas o avião não pode continuar sua jornada. Por coincidência, esse pouso forçado do El Ferroviario nas areias da praia do Itaguá ocorreu num 14 de setembro, data das comemorações do armistício entre os colonos portugueses e os chefes índios, habitantes da localidade, no primeiro século da colonização do Brasil. Em face da gravidade da avaria mecânica, não houve como repará-lo, pois não se dispunha de peças. Impossibilitados de continuarem a jornada aérea, serviram-se dos serviços do telégrafo de Ubatuba, para informarem às autoridades chilenas, solicitando remoção por via marítima. O governo brasileiro destacou o navio contratorpedeiro Amazonas para resgatá-los e levá-los ao Rio de Janeiro, onde puderam, finalmente, entregar a carta nas mãos do então presidente brasileiro Epitácio Pessoa. Para efetuar o resgate e traslado do avião El Ferroviario foi destacado o contratorpedeiro Alagoas. O avião foi levado para o Rio de Janeiro e reparado no Arsenal da Marinha e colocado em condições de ser embarcado para retorno ao Chile. De volta ao Chile, o DH-9 El Ferroviario integrou, em 1924, uma esquadrilha de sete aviões, empreendendo um reide de Santiago até a cidade de Tacna. Todo o livro também não deixa de ser uma singela homenagem ao grande herói deste feito: Diego Aracena Aguilar. Sem nos esquecermos do mecânico de bordo, engenheiro Arturo Seabrook, e o idealizador do reide em homenagem ao centenário da independência, Ernesto Ried. A Jornada Aérea: dos Andes ao Atlântico, de Cesar Rodrigues, vem acrescentar novos e substanciosos elementos à história e cultura de Ubatuba. Esse árduo trabalho de pesquisa é o corolário de sua proposição inicial: “a história só existe se for lembrada”. 

*Arnaldo Chieus é professor, advogado, entusiasta da aviação e membro do Conselho Gestor do Instituto Salerno-Chieus.

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