NINJA - Saiba mais:

domingo, 10 de setembro de 2023

Especial de Domingo

Do Ideias em Destaque, nº 47, periódico do INCAER - Instituto Histórico-Cultural da Aeronáutica, selecionamos, novamente, o texto Pensamento brasileiro e a importância da cultura aeronáutica, de Araken Hipólito da Costa.
Boa leitura.
Bom domingo!

Pensamento brasileiro e a importância da cultura aeronáutica

Texto de Araken Hipólito da Costa

A grande questão do pensamento brasileiro é querer saber quem é o “Ser Nacional” e que “Nação” é esta. Os estudos para responder a estas perguntas evidenciam a importância da cultura como sustentáculo da formação do homem brasileiro, bem como da identidade nacional, tendo em vista que a cultura representa criação espiritual de um povo, entendida como as ideias e os pensamentos filosóficos, religiosos, científicos e artísticos que geram os valores nacionais e indicam um caminho para a Nação. O termo civilização, por sua vez, traduz os bens materiais que permitem o bem-estar da sociedade. Sem sombra de dúvida, é possível dizer que o pensamento brasileiro nasceu, propriamente, no século XVIII, com as ideias de Sebastião José de Carvalho e Melo (1699-1782), o Marquês de Pombal, que pretendeu efetivar uma ruptura radical com a tradição da cultura portuguesa. 
Marques de Pombal
Ele procurava transformar o chamado “Saber da Salvação”, no ensino da Universidade de Coimbra, em um saber, de fato, científico. Estes primeiros parâmetros, somados à intenção de formar um Império além-mar, com a língua portuguesa e instituições jurídicas, acabaram por orientar o desenvolvimento das instruções estratégicas do “Novo Mundo”. Outro aspecto relevante a ser destacado foi o encontro das culturas em novo território. Chegando a estas terras, o conquistador português já encontrou os indígenas, tendo incorporado ao território, logo depois, o trabalho escravo do negro africano. As peculiaridades de cada uma dessas etnias, somadas, gerou uma verdadeira “miscigenação cultural”, que hoje perfaz concretamente a nossa cultura.
Além dessa experiência singular e bela da miscigenação, dois fatores muito importantes alicerçaram as bases da nascente civilização: primeiramente foi a determinação de se manter um território indiviso e, depois, foi a necessidade de se preservar a unidade da língua trazida pelo colonizador. Quanto à formação do homem brasileiro, constatamos que os homens portugueses chegaram ao Brasil praticamente desacompanhados, enquanto que os escravos chegavam, em média, à proporção de três homens para uma mulher. A miscigenação dessas raças com as mulheres indígenas resultou em um povo com sistema imunológico mais resistente. Assim, o nosso país teve um significativo aumento demográfico, sendo o “útero indígena” a grande mãe da nação brasileira. Embora exista considerável volume de obras sobre o processo de formação histórica da nacionalidade brasileira, esses estudos não nos esclarecem totalmente. Indicam que a consciência clara do “Ser Brasileiro” surgiu na terceira geração aqui nascida. A formação do Brasil e, consequentemente, a do brasileiro sofreu influências do autoritarismo político e intelectual português, notadamente na criação do Estado, aliás, como demonstrou o fato histórico da Independência, quando nos tornamos Império antes de nos tornarmos nação.
Este autoritarismo criou o Estado Forte, que permanece até os dias atuais, oscilando entre governos condutores e governos populistas e mantendo-se no poder uns, pela força e outros, por políticas questionáveis. Esta situação é agravada por não existir uma Filosofia Política Nacional, a fim de ordenar o Estado. O Estado interfere como indutor da economia como modelo corporativista – nem liberal nem coletivista – dificultando a força empresarial desde os primórdios, como o ocorrido com o Visconde de Mauá.
Visconde de Mauá
O processo de formação do Estado Moderno foi caracterizado pela unidade territorial, unidade das Forças Armadas, unidade de soberania e unidade de governo. Paralelamente, aconteceu a adoção das línguas nacionais na produção nacional. O Estado Português se organizou ao longo do processo de expulsão dos mouros e de afirmação da independência em relação a Castela, processo iniciado por D. Afonso Henriques em 1128, e que ficou virtualmente concluído com a ascensão ao trono da Casa de Avis, em 1385. Outro aspecto fundamental na formação do Estado Moderno foi o nascimento das filosofias nacionais, não em oposição à universal, mas como reflexões e investigações suscitadas por problemas filosóficos que marcaram as distintas traduções nacionais. Podemos demonstrar, como exemplos: a racionalidade de René Descartes (1596–1650) o qual colocou a razão humana como a instância legítima da verdade. Sua filosofia lançou as bases para a construção da nação francesa. Por outro lado, o empirismo de John Locke (1632–1704), além de realçar a importância da experiência na elaboração do conhecimento humano, alicerçou o liberalismo e a construção cultural da nação inglesa. O Criticismo de Kant (1724–1804) representou um esforço em avaliar os alcances da razão humana, propondo que o problema central de toda crítica é o juízo. A revolução copernicana de Kant trouxe os arcabouços para a formação política da Alemanha. Já o pragmatismo de William James (1842–1919) conferiu um papel determinante à ação e à prática na definição da verdade, que é a expressão fiel do modo de pensar e agir do povo americano.No Brasil, a partir da Escola de Recife (Séc. XIX), em Pernambuco, iniciou-se, com Tobias Barreto, uma corrente filosófica nitidamente brasileira, o “culturalismo”.
Tobias Barreto
Tobias Barreto afirmou que é pela cultura que o homem vai se diferenciar dos demais entes naturais. Destacou-se, portanto, da natureza com esta faculdade que lhe é própria e, a partir daí, observou o mundo e procurou dar-lhe sentido, desenvolvendo sempre as formas do conhecimento que brotam e evoluem ao longo da história. Esta corrente sugeriu que o homem, através das potencialidades da cultura, viabilizasse a necessária integração com o mundo científico. Tal pensamento permeou a construção do pensamento brasileiro, unindo matrizes do positivismo, do liberalismo e do idealismo Kantiano ao âmbito da moralidade, alicerçada, por sua vez, a partir de fundamentos oriundos do cristianismo. Dessa inter-relação de correntes, nasceu o Pensamento Filosófico Brasileiro. A formação do Estado Moderno exigiu a unidade das Forças Armadas. No Brasil, a Marinha nasceu com a chegada da corte de D. João VI, em 1808. Com a criação da Real Academia Militar, em 1810, nasceu o Exército. O currículo de modelo pombalino é meramente profissional, de cunho científico, não contemplando nenhuma abertura para temas filosóficos ou ético-políticos, destinando-se à formação de engenheiros e de oficiais do Exército. Após a Guerra do Paraguai (1865–1870) surgiu um novo Exército e uma nova Marinha, que, somados ao positivismo inoculado na Escola Militar da Praia Vermelha, pelas mãos de Benjamim Constant, compõem o pensamento militar brasileiro. 
Benjamin Constant
Augusto Comte (1798–1857), embriagado com o desenvolvimento da ciência, da tecnologia e da indústria daquela época, desenvolveu o positivismo, primado na ciência e no entusiasmo de que a ordem na sociedade promoveria o progresso. No positivismo de Comte, a filosofia é uma espécie de guardiã das ciências, tirando o seu aspecto crítico e metafísico. Desta forma, o Pensamento Militar Brasileiro, apoiado no positivismo, idealizou a doutrina da Escola Superior de Guerra (ESG) e planejou o desenvolvimento, a segurança e a integração do território brasileiro e, ao mesmo tempo, as condições do desenvolvimento tecnológico brasileiro. Dentro deste contexto, a cultura aeronáutica faz parte da cultura nacional, mormente pela sua força na formação da integração e da identidade nacional. A exemplo da sua importância, destacamos alguns momentos históricos:

• A participação da Força Aérea Brasileira, com o 1° Grupo de Aviação de Caça e a 2ª Elo durante a 2ª Guerra Mundial, nos céus da Itália, onde combateu bravamente os regimes totalitários.

• O CAN (Correio Aéreo Nacional) que permitiu integrar núcleos de populações indígenas e caboclas perdidas na vastidão do território nacional.

• O ITA (Instituto Tecnológico da Aeronáutica), modelar complexo científico-tecnológico, permitindo a criação e o desenvolvimento da indústria aeronáutica.

• A COMARA (Comissão de Aeroportos da Região Amazônica) implantando cerca de 150 aeródromos pavimentados, numa extensão de terras correspondente a 60% do território nacional.

• O INCAER (Instituto Histórico-Cultural da Aeronáutica) é a instituição central do sistema da cultura da Aeronáutica, que tem a finalidade de pesquisar, desenvolver, divulgar, preservar, controlar e estimular as atividades referentes à memória e à cultura da aeronáutica brasileira.

• O DECEA (Departamento de Controle do Espaço Aéreo), configurando o controle e a vigilância do espaço aéreo.

• A UNIFA (Universidade da Força Aérea), com a criação do mestrado em Ciências Aeronáuticas, em 2004, permitiu que o pensamento aeronáutico intercambiasse com o mundo acadêmico.

Outro segmento vital para se entender o Pensamento Brasileiro é encontrado nas artes, que são uma manifestação do espírito, em que se insere a cultura popular brasileira, a qual traduz a sensibilidade da alma nacional. A cultura popular é aquela que sofre menos a influência do mundo globalizado, por isto, a sua valorização é um poderoso instrumento de afirmação da identidade nacional. A nossa cultura popular, fortemente inspirada no folclore, é de base essencialmente lusitana, embora o indígena e o negro, evidentemente, tenham dosado essa formação, contribuindo com seus rituais, seus cantos, suas músicas e suas danças. A cara do Brasil de hoje é dotada de múltiplas facetas culturais, entre outras, da alegria negra do samba, do sentimento de liberdade e de vida comunitária dos ritmos e danças indígenas, além da nostalgia portuguesa do fado. A literatura brasileira é um manancial de informações sobre o “Ser Nacional”, da formação da sociedade, das suas manifestações culturais, da manutenção e divulgação da língua pátria e partícipe da identidade nacional. Destacamos: José de Alencar (1829–1877), sobre o índio; Euclides de Cunha (1866–1909), a psicologia do sertanejo e dos costumes; Câmara Cascudo (1898–1986), folclore e etnografia; Gilberto Freyre (1900–1987), formação do brasileiro e Sérgio Buarque de Holanda, Darcy Ribeiro, dentre outros, com suas visões de Brasil. Ponto marcante para a nossa literatura foi a criação da Academia Brasileira de Letras (ABL), em 1896, e a figura ímpar de Machado de Assis (1839–1908), com um extraordinário legado à nossa brasilidade.
Machado de Assis
Um exemplar desta intenção é seu artigo “Instinto de Nacionalidade”. Desdobramentos da nossa literatura são encontrados na Semana de Arte Moderna, idealizada pela elite intelectual e artística paulista, em 1922, 100 anos depois da Independência. Questionava a identidade nacional do ser brasileiro e, também, procurava desligar-se das influências artísticas europeias, especialmente a francesa, na tentativa de encontrar as raízes nacionais. No pensamento antropofágico de Oswald de Andrade, brinca-se que todos aqueles que desembarcassem no Porto de Santos, no litoral de São Paulo, necessitariam da vacina antropofágica, transformando-se e adotando os sentimentos da brasilidade. Embora a pintura portuguesa não representasse uma tradição pictórica em termos absolutos, como a espanhola e a francesa, na Semana de Arte Moderna, surgiu a obra Abaporu, de Tarsila do Amaral.
Abaporu
Posteriormente à construção do MASP, em 1947, as bienais, a partir de 1950, a explosão dos modernistas a Hélio Oiticica, propiciaram, hoje, o reconhecimento internacional da estética brasileira. No mundo das imagens, como as artes plásticas, o cinema nacional iniciou com a fundação, no Rio de Janeiro, em 1941, da Atlântida Filmes, apresentando as chanchadas, de gosto popular e com o cunho nitidamente brasileiro. Em São Paulo, no ano de 1950, surgiu a Companhia Cinematográfica Vera Cruz, na qual foi produzido o filme O Cangaceiro, em 1953, com diálogos de Rachel de Queiroz, premiado no Festival Internacional de Cannes. Em 1969, Joaquim Pedro de Andrade levou para a tela o personagem Macunaíma, de Mário de Andrade. E, logo a seguir, apareceu o Cinema Novo em que Glauber Rocha despontou. A arquitetura anterior das casas portuguesas, aquedutos, passando pelas esplendorosas igrejas barrocas, chegou à modernidade brasileira, com a construção de Brasília. Nessa mesma Semana de Arte Moderna, a música de Carlos Gomes e Villa-Lobos encarnou o espírito brasileiro e se projetou no campo internacional.
Heitor Villa-Lobos
A riqueza musical transpirou das alegrias e tristezas do nosso povo, por meio de representantes de uma legião de compositores, tais como: Noel Rosa, Pixinguinha, Luiz Gonzaga, Ernesto Nazaré, Tom Jobim e tantos outros, manifestando-se no choro, no frevo, no forró, no samba, na bossa nova e no tropicalismo. O terceiro segmento formador do pensamento brasileiro foi o religioso. A nossa catequese foi com os jesuítas.
José de Anchieta
O catolicismo firmou-se e tornou o Brasil o maior país católico do mundo. Temos uma característica devocional da nossa fé que produz multidões nas peregrinações a Aparecida, em São Paulo; a Juazeiro, no Ceará, para visitar o monumento ao Padre Cícero, e ao Círio de Nazaré, em Belém do Pará. A filosofia social no Brasil norteia-se pela busca do bem comum dos cidadãos, alicerçados pela orientação da filosofia tomista. Os valores nacionais fundamentam-se na ética cristã e nos valores absolutos do cristianismo como: verdade, bondade, justiça, sabedoria e amor, os quais estão na base da ação prática de nosso povo e do desejo que temos de uma nação mais justa e plenamente cristã. Tais valores repudiam, em sua essência, todas as formas de materialismo e totalitarismo, típicas de regimes fascistas e comunistas. Como anjos anunciadores, a Comunicação Nacional consolidou a língua portuguesa, moldou a unidade nacional e, sobretudo, tornou pública a alma nacional.
Hipólito da Costa
O primeiro jornal brasileiro, criado em 1808, foi o Correio Braziliense, de Hipólito da Costa, editado em Londres, sendo o Jornal do Commércio, de 1827, o mais antigo em circulação. Embora Roquete Pinto seja o pioneiro da radiodifusão, em 1936, foi a Rádio Nacional que se firmou como o maior veículo de comunicação até os anos 1960. Em 1950, Chateaubriand criou a TV Tupi. Mas, a partir de 1965, a TV Globo, de Roberto Marinho, aproveitou a linguagem estética das artes plásticas, do cinema e da ópera brasileira. O carnaval e as danças do nosso folclore, somados ao conteúdo do rádio, transformaram-na em um veículo nacional, impondo uma forma de pensar, através de suas novelas, jornalismo etc. Recentemente, a TV Globo ampliou sua área de atuação, levando a língua portuguesa a mais de 280 milhões de pessoas. Nas análises realizadas pelo Grupo de Estudos, observamos que o homem é um Ser Cultural na visão ética; vimos que é livre na visão ontológica e que é espírito e a imagem de Deus. Analisando a trajetória do Ser Brasileiro, mostrou-se a superação dos conflitos nos momentos cruciais da nossa história. Essa superação delineou, também, a formação do espírito do brasileiro tão bem sintetizado por Ribeiro Couto (1898–1963), membro da Academia Brasileira de Letras, como sendo “homem cordial”.
Ribeiro Couto
Do homem cordial, há uma projeção para o círculo familiar e o Estado. O pensamento nacional é, em suma, erigido pelo seu valor universal. Nisto reside sua força e presença junto aos outros povos. Assim sendo, a alma cordial de nosso povo tem sido, no transcurso do tempo, um exemplo de diplomacia, tolerância e entendimento para todas as culturas, os credos e os povos. O Brasil nasceu de um projeto português de universalidade de viver em paz com todos os povos. Um padrão de instituição brasileira capaz de mostrar a maneira de ser de um povo cordial foi o Itamaraty. Barão do Rio Branco (1845–1912), exemplo da nossa diplomacia, com seu profissionalismo apolítico e convivência pacífica entre nações, deixou um legado como ensinamento, conceitos, exemplos, princípios e valores.
Barão do Rio Branco
Assim, estudar o pensamento brasileiro nos permite tomar consciência, gradativamente, do que é, de fato, “ser brasileiro”, além de nos estimular a preservar a cultura e os valores nacionais, partes singulares da nossa brasilidade, daquilo que nos constitui como nação e, sobretudo, a necessidade de elaborar o entendimento de que a nação deve prevalecer sobre o Estado. Mas ainda há muitos mistérios a serem desvendados no carimbó, no bumba meu boi e no samba deste povo que dança e é feliz na Terra de Santa Cruz.

Autor: Araken Hipólito da Costa. Coronel-Aviador Reformado, graduado em Arquitetura e Urbanismo, Diretor do Departamento Cultural do Clube de Aeronáutica e Conselheiro do INCAER.

Imagens: Google

Fonte: INCAER  

Ninja-Brasil: versão para a web