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domingo, 7 de abril de 2013

Especial de Domingo

Da coletânea Ideias em Destaque, publicação do INCAER - Instituto Histórico-Cultural da Aeronáutica, selecionamos o texto a seguir, do Maj Brig Ar da Reserva Wilmar Terroso Freitas. 
Boa leitura. 
Bom domingo!

Um voo que passou... 
uma saudade que ficou: 
a última missão do T-6D 1545
Naquela manhã do dia 28 de fevereiro de 1975, decolaram, da Base Aérea de Belém, para uma longa viagem, os NA T-6G FAB 1557 e T-6D FAB 1545, pilotados pelo Tenente-Aviador Jair Kisiolar dos Santos e por mim, tendo, como mecânico, o Segundo-Sargento Isaías. O T-6G do líder possuía instrumentos de comunicações e navegação, mas o T-6D – onde eu voava solo, pois o mecânico estava no avião do líder – tinha apenas um equipamento de comunicação em VHF (Very Hight Frequency), motivo pelo qual eu iria voando na ala do avião líder, como sempre foi comum fazê-lo, tanto em voos de instrução, como no emprego operacional de armamento ar-solo. Seria um voo silencioso, pois eu não tinha um mecânico com quem falar de vez em quando, nem sinais de radionavegação ou broadcasting para sintonizar e ouvir, pela ausência do equipamento de navegação a bordo do 1545. Além disso, aquela não seria uma viagem normal, de rotina: seria uma viagem sem volta, pois as aeronaves NA T-6 Texan estavam sendo desativadas e deveriam ser entregues ao Parque de Material Aeronáutico de Lagoa Santa – MG (PAMA LS), responsável pelo apoio e pelo recolhimento daquele tipo de aeronave. Eram os dois últimos exemplares do Primeiro Esquadrão Misto de Reconhecimento e Ataque (1º EMRA) em seu derradeiro voo. Aqueles dois valorosos T-6 (T-meia), agora “aposentados”, voaram por muitos anos, sobre as coxilhas e serras do Rio Grande do Sul, quando estavam no Primeiro Esquadrão de Reconhecimento e Ataque (1º ERA) na Base Aérea de Canoas – RS, até serem transferidos para a Base Aérea de Belém, ao início de 1973, como equipamentos fundadores do 1º EMRA (Esquadrão Falcão). Nos dois últimos anos (1973 e 1974), os T-6 sobrepujavam os naturais ruídos e harmoniosos sons da imensa selva amazônica, com o ronco dos seus possantes motores Pratt & Whitney R-1340-AN1 de nove cilindros radiais, arrefecidos a ar. Para o jovem Tenente, os longos voos, geralmente a baixa altitude, sobre a floresta, tendo, como referência, apenas o sinuoso caminho dos rios, as escassas ilhas e os lugarejos ribeirinhos, geravam uma sensação de liberdade e de poder, reforçados pela solidão da cabine e pela espetacular Amazônia que “desfilava” sob as nossas asas, mostrando-se intocada, imensa e bela. Após decolar na ala e ir para a posição de Ataque Dois¹ , já na proa de Marabá, primeira escala prevista, e ainda sem ter a noção clara de que aquela seria uma missão histórica em minha caderneta de voo, refleti, “com meus botões”, que aquele T-6... 

– não mais se faria ouvir estridente, no ronco do passo mínimo, durante um barril² por fora; 

– não mais abriria passagem, altivo, entre os rosados flamingos das matas de Igapó, ou espantaria os búfalos de Marajó; 

– não mais mergulharia, veloz e certeiro, como um Falcão, sobre o seu alvo, em missões de bombardeio ou de lançamento de foguetes, no estande de Igarapé-Açu³;

– não mais alegraria as populações ribeirinhas com suas evoluções rasantes, às margens do Rio Mar;

– não mais teria, ou seria, um ala fiel, inseparável, como neste derradeiro voo; 

– não mais voaria... estava desativado!  

Cerca de 15.000 unidades de T-6 foram produzidas, em diversas versões, sendo 81 montadas no Brasil pela Fábrica de Aviões de Lagoa Santa – MG, entre 1945 e 1952. Essas aeronaves voaram até 1974, nos Esquadrões e até 1976, na Esquadrilha da Fumaça. O 1º EMRA teve dias gloriosos com o T-6. Jamais esqueceremos as formaturas de quatro aviões nas demonstrações aéreas em Belém. Meus quatro amigos, “vestindo” aquela “máquina” tão conhecida e respeitada por inúmeras gerações de “aviadores à moda antiga”, formavam um time de vibradores e exímios pilotos, que chegou a ser chamado de “Funorte”, uma referência muito elogiosa à Esquadrilha da Fumaça. No seu portfolio, constavam Looping, Barril, Desfolhado, Rasante e evoluções isoladas, com precisão profissional. Desde o início, em Canoas, em 1971, eu estabeleci uma relação de respeito mútuo com o T-6: ele nunca me deu uma pane de motor e eu nunca lhe dei um “cavalo de pau”(4) Após escalas em Marabá – PA, Porto Nacional – TO e Brasília – DF, chegamos ao Parque de Material de Lagoa Santa, em 1º de fevereiro de 1975, para a entrega das aeronaves. Terrificante – um termo forte, mas é o que eu lembro e registrei na ocasião – foi para mim e o seria também para o 1545, se ele tivesse sentimentos, a imagem do estacionamento de aviões recolhidos no Parque. As várias dezenas de “esqueletos” e “mutilados” restos de T-6, estranhamente bem alinhados, como túmulos em um cemitério a campo aberto, deram-me uma visão de solidão e de abandono. Imaginei o 1545 entre eles, no dia seguinte, sem nenhum destaque, “depenado”, destituído de sua imponência, com o seu motor silenciado para sempre... a hélice muda, parada... acredito que o 1545 choraria com tristeza e mágoa... se ele tivesse uma alma. Como eu tenho alma, fiquei muito triste por nós dois. Ao retornar a Belém, verifiquei, na minha caderneta de voo, que meu primeiro voo naquela Base, em 16 de fevereiro de 1973, tinha sido no T-6 1545, o mesmo que pilotaria dois anos depois, em derradeiro voo para nós dois. Naquela ocasião, escrevi o texto que agora torno público. Não mais voaria o FAB 1545; e eu não mais voaria em um NA T-6 Texan.

1 . Situação em que a aeronave mantém sua posição relativa na ala do líder, com o dobro do afastamento, para tornar o voo mais confortável em longos deslocamentos.

2 . Tounneaux Barril: manobra na qual a aeronave gira lentamente no eixo longitudinal, traçando uma trajetória circular em relação ao horizonte natural, com meio círculo acima e outro, abaixo do horizonte. Por fora é a posição na ala quando o líder faz o tounneaux girando para o lado oposto de onde está o ala, que fará uma trajetória ligeiramente maior do que a do líder, demandando um pouco mais de potência do motor do ala. 

3 . Estande concebido, especialmente, para treinamento do 1º EMRA, com trabalho dos oficiais e graduados do seu efetivo.

 4. Situação durante o pouso, em que a aeronave gira sem controle, em torno de um de seus trens de pouso, geralmente, saindo pela lateral da pista. 

Autor: Wilmar Terroso Freitas 

Fonte: Ideias em Destaque - INCAER