Do portal do Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial selecionamos o registro de ações que contribuíram decisivamente para o desenvolvimento da indústria aeronáutica brasileira. Confira na fonte (DCTA) a história completa.
Boa leitura.
Bom domingo!
Uma ideia ambiciosa
Durante o ano de 1941, tanto o Dr. Joaquim Pedro Salgado Filho (primeiro Ministro da Aeronáutica) como o então Contra-Almirante Armando Figueira Trompowsky de Almeida (Diretor de Aeronáutica Naval) tinham, pessoalmente, plena convicção de que, para se desincumbir de sua atribuição mista, civil e militar, o Ministério da Aeronáutica dependeria, essencialmente, dos modernos avanços e do desenvolvimento da tecnologia aeronáutica no país. Esta premissa não foi bem compreendida e nem assimilada, em toda a sua extensão, por setores representativos da aviação civil e militar, inclusive no campo do transporte aéreo comercial. Contudo, após dois anos de atividades, já com maior convencimento da situação, mercê do envolvimento do país na Segunda Guerra Mundial, o Ministério da Aeronáutica sentiu a necessidade de montar uma sólida base técnica.
Assim, começava a ser reconhecido que não era mais possível a existência de órgãos de coordenação de grandes atividades operacionais ou mesmo produtivas, sem o país contar com locais de formação de pessoal especializado em técnicas de aviação e de equipamentos.
Na opinião do Ministro Salgado Filho, o órgão próprio para executar um programa de desenvolvimento científico e tecnológico dentro do Ministério da Aeronáutica seria, em princípio, a Diretoria de Tecnologia Aeronáutica, prevista no Ato de regulamentação do Ministério (Decreto-Lei nº 3.730, de 18 de outubro de 1941, efetivada como Subdiretoria de Material pelo Decreto nº 8.465, de 26 de dezembro de 1941). Foi indicado para assumir aquela Subdiretoria o Ten.-Cel.-Av. (Eng.) Casimiro Montenegro Filho, oficial já consciente da evolução da ciência e da tecnologia aeronáutica. Conhecia bem o meio aeronáutico e, portanto, estava familiarizado com seus problemas. Montenegro vinha considerando a ideia de transformar a Subdiretoria numa organização de maior vulto, capaz de levar a termo as pesquisas que incentivassem o desenvolvimento das indústrias de construção aeronáutica e de transporte aéreo.
A criação de uma escola de engenharia aeronáutica importava na necessidade de construção de laboratórios e oficinas de elevado custo, mas imprescindíveis ao ensino superior. Esses laboratórios poderiam servir à pesquisa e ao ensino universitário, bem como aos exames, testes, vistorias e demais atividades técnicas de interesse da Força Aérea Brasileira (FAB), atendendo-se às necessidades dos diferentes setores da atividade aeronáutica, em especial da pesquisa básica e científica.
Em 1945, Montenegro vai aos EUA, com o Cel.-Av. (Eng.) Telles Ribeiro, o Cel.-Av. Faria Lima e mais um grupo de Oficiais da FAB em visita a diversas Bases Aéreas Americanas. Lá, são procurados pelo Maj.-Av. Oswaldo Nascimento Leal, que realizava o curso de Engenharia Aeronáutica no Massachussets Institute of Technology (MIT). Este sugere a Montenegro que fosse a Boston para conhecer o MIT e trocar ideias com o Prof. Richard H. Smith, chefe do Departamento de Aeronáutica daquele instituto, antes que Montenegro tomasse qualquer decisão sobre o tipo e modelo de instituição científica e tecnológica a ser submetida ao Estado-Maior e à consideração do Exmo. Sr. Ministro.
Consideradas as premissas, ponderou o Maj. Leal:
"Wright Field é uma grande unidade de operação tipicamente militar, exclusiva da Força Aérea do Exército dos EUA, mais de caráter técnico normativo, de ensaios e de controle de produtos e material fornecido àquela Força Aérea, e, como tal, poderia servir unicamente como modelo para ampliação das funções do antigo Serviço Técnico da Aviação do Exército, que, após a criação do Ministério da Aeronáutica, estava subordinado à Subdiretoria."
Entendia o Maj. Leal que o que se fazia necessário, no Brasil, era uma escola de alto nível para a formação de engenheiros aeronáuticos, voltada para a aviação, civil e militar, e não apenas para cuidar de assuntos da Força Aérea.
Um dos principais objetivos seria elevar a ciência e a tecnologia aeronáutica ao mais alto nível em relação aos das nações mais avançadas, de modo a se obter a consolidação de uma indústria aeronáutica capaz de poder competir com os adiantados países estrangeiros. Todavia, essa não era a única necessidade a suprir. Seria imperiosa a formação de engenheiros para atender, também, o que os americanos chamavam de "spin-off", ou seja, o usufruto de benefícios indiretos que a indústria aeronáutica poderia trazer às indústrias correlatas, como o controle de qualidade de produtos e material de aplicação no campo aeronáutico, à homologação de projetos e protótipos e à otimização de operação de empresas do transporte aéreo comercial, incluindo-se as exigências de segurança técnica sobre a aviação civil em geral, etc.
A criação de uma instituição desse gênero era, há anos, uma aspiração do Prof. Smith, e uma necessidade real, no Brasil, para o Cel. Montenegro. Assim, no encontro que tiveram, ambos viram aumentar as possibilidades de concretização de seus ideais.
Como decorrência do entendimento, o Prof. Smith chega ao Rio de Janeiro, no mesmo ano (1945), dando início imediato ao seu trabalho, junto com o Cel. Montenegro. Como primeiro passo, ele foi levado para conhecer os quatro locais que melhores condições ofereciam para a instalação do futuro Centro da Aeronáutica: Campinas, São José dos Campos, Taubaté e Guaratinguetá, os três últimos no Vale do Paraíba, zona sudoeste do Estado de São Paulo.
Em agosto de 1945, ficou definido o Plano Geral do Centro, considerando-se o MIT como modelo para a organização do futuro Centro Técnico do Ministério da Aeronáutica.
O plano foi acolhido pelo Brigadeiro-do-Ar Trompowsky, que assim se manifestou:
"O Plano elaborado representa um grande passo para o desenvolvimento de uma aviação genuinamente nacional. Preconiza a criação de Escolas de Engenharia e seus respectivos laboratórios de alta qualidade e prestígio nos diversos campos especializados. Detalha um plano progressivo de desenvolvimento de um Instituto de Pesquisas, com todo o seu equipamento perfeitamente exequível, dada a maneira inteligente com que foi enquadrado dentro de nossas possibilidades. Este Estado-Maior está de pleno acordo com as ideias básicas do plano."
O Brig. Trompowsky, ciente da necessidade e oportunidade do empreendimento, apresentou ao Excelentíssimo Senhor Presidente da República, Dr. José Linhares, em despacho pessoal, o plano de criação do CTA, objeto da Exposição de Motivos GS-20, de 16 de novembro de 1945, que foi imediatamente aprovado.
O plano estabelecia que o Centro Técnico seria constituído, como já vimos, por dois institutos científicos coordenados, tecnicamente autônomos - um para o ensino técnico superior (ITA) e um para pesquisa e cooperação com a indústria de construção aeronáutica, com a aviação militar e com a aviação comercial (IPD).
O primeiro Instituto criado, o ITA, de início teria a seu cargo, nos limites de suas possibilidades, todas as atividades do Centro.
Do ITA se desenvolveriam, gradualmente, os serviços do outro Instituto. Assim, quando as possibilidades materiais e as necessidades de serviço justificassem a criação do segundo Instituto, a este seriam dadas todas as atribuições, até então conferidas ao ITA, de colaboração com a aviação militar, comercial e com a indústria aeronáutica.
A conferência do professor Richard H. Smith
O Prof. RICHARD H. SMITH era chefe do Departamento de Aeronáutica do Massachussets Institute of Technology
* Trechos da Conferência do Prof. Richard H. Smith - BRASlL, FUTURA POTÊNCIA AÉREA (Conferência realizada em 26 set 45, no Auditório do Ministério da Educação - RJ, a convite do Instituto Brasileiro de Aeronáutica).
"O convite que me foi dirigido, para fazer a primeira conferência anual desta nova sociedade profissional de aeronáutica, é uma alta honra que muito me lisonjeou. Sinto, contudo, que a minha responsabilidade é muito grande, porque o Brasil, entrando neste momento numa fase de sua história da aviação, está tão ávido de obter ensinamentos e conselhos, como base da sua orientação nacional, e o que eu disser hoje aqui poderá vir a ser aceito, influenciando, deste modo, todo o futuro do país. Não sendo esta a minha intenção, espero, sinceramente, que não me mereçam maior valor do que o real, às sugestões que aqui farei. Dar-me-ei por satisfeito se, porém, elas tiverem a mesma ação dos catalizadores, estimulando o Brasil a resolver seus próprios problemas e a escolher sua própria política aérea, a ser seguida na importantíssima era da aviação que se aproxima.
O futuro período, de cerca de vinte anos, será de valor estratégico excepcional para a aviação brasileira, e, provavelmente, será lembrado, nos tempos que se seguirem, como o período áureo da sua história da aviação. Para outros países, como a França e os EUA, por exemplo, essa será apenas a terceira fase de seu desenvolvimento aéreo.
Em compensação, os países que tiveram seu desenvolvimento aéreo na primeira e na segunda fase levam as seguintes desvantagens em relação aos que se desenvolverem na terceira fase:
a) os laboratórios não são de construção muito recente, não correspondendo, portanto, às necessidades da terceira fase que ora se inicia;
b) grande parte do equipamento mais dispendioso, principalmente os túneis aerodinâmicos, tornar-se-á, provavelmente, obsoleto;
c) as indústrias aeronáuticas, por maior que sejam, estão dispersas, por razões estratégicas, tornando muito elevado o custo dessa produção pós-guerra; e
d) suas linhas aéreas não poderão fugir ao aproveitamento, no período de paz, do material obsoleto da guerra, em virtude de motores, aviões de transporte e de bombardeio serem muito abundantes e baratos.
Há, assim, vantagens e bem importantes, para uma nova potência aérea, como o Brasil, que se candidata ao maior desenvolvimento aéreo somente no início da terceira fase:
a) todos os laboratórios nacionais de aeronáutica podem ser construídos e concentrados num único grande centro de pesquisas e treinamento;
b) sua indústria aeronáutica pode ter a liberdade de escolher o local mais apropriado para suas instalações;
c) suas linhas aéreas podem ser equipadas com tipos nacionais de aviões modernos, logo que for possível produzir seus próprios modelos, projetados de acordo com suas necessidades; e
d) poderão ser evitadas, igualmente, as pesadas perdas econômicas, os grandes deslocamentos de operários e a distorção dispendiosa da indústria aeronáutica.
Uma nova potência aérea como o Brasil tem, todavia, a vulnerabilidade de ser levada a comprar grandes quantidades de material de guerra, oferecido por vendedores estrangeiros a preços verdadeiramente atrativos, com o argumento de que sua obsolescência seria inteiramente compensada por seu baixo custo. Fora disso, porém, creio que este país seguirá melhor política não adquirindo material aeronáutico de guerra, senão para as suas necessidades imediatas, mesmo que este lhe seja oferecido de graça.
A política do Brasil em aceitar tal espécie de material, com o fundamento de ser barato ou de graça, é enganosa, por diversas razões:
a) ficaria de posse de grande quantidade de material antiquado, caro de ser mantido e dispendioso de ser operado;
b) estaria sempre na dependência de um país estrangeiro; e
c) tal situação acarretaria o retardo do desenvolvimento da indústria aeronáutica brasileira, impedindo, talvez, mesmo a sua independência, não podendo enfrentar a concorrência de países mais fortes.
Acredito, em resumo, que tal política importará em nada mais do que trocar o futuro da aviação do Brasil, como produtor independente de aviões e operador de linhas aéreas internacionais, por um lote obsoleto de aviões de guerra. Este seria, na minha opinião, um péssimo negócio para o Brasil, razão porque espero que este país possa evitá-lo.
Embora correndo o risco de ser desmentido, por acontecimentos futuros, permitam-me expor minha opinião sobre as modificações muito importantes que prevejo para esta terceira fase e sobre a posição do Brasil em relação às mesmas.
Três grandes potências industriais e comerciais, de acordo com as condições de paz, terão destruídas suas indústrias aeronáuticas. Suas linhas de navegação aérea passarão ao domínio das nações vencedoras.
Embora essas três nações estivessem entre os maiores países industriais do mundo, precisavam importar petróleo, sendo as que mais aperfeiçoaram a técnica da economia desse combustível.
É provável que não seja permitido às três nações que economizaram petróleo fabricar ou mesmo ceder os direitos de fabricação dos seus motores durante a terceira fase aérea.
Nessa fase, a tendência geral da aeronáutica, em consequência da vitória das nações ricas em petróleo, será a de obter, de preferência, melhores performances, usando motores mais possantes, mesmo com menor economia de combustível.
Outra consequência interessante do desaparecimento da Alemanha, da Itália e do Japão como potências industriais de aeronáutica, que talvez lhes tenha passado despercebida é que a indústria aeronáutica mundial perdeu três dos países mais fortes, dentre os que adotaram o sistema métrico, e ganhou, em seu lugar, três dos países mais fracos que usam o sistema inglês: a China, a Austrália e o Canadá. Causou-me surpresa verificar que as indústrias brasileiras estão familiarizadas com ambos os sistemas, e que a adoção, no futuro, de quaisquer dos dois não lhes causará maiores embaraços.
A superioridade reconhecida dessa nação (Alemanha), em pesquisas e no aperfeiçoamento da engenharia aeronáutica, perdurou até 1933, e, com a ascensão de Hitler, foi desaparecendo, gradativamente, nos dez anos seguintes, passando primeiro para os EUA e finalmente para a Inglaterra.
Os melhores livros e revistas e os mais adiantados relatórios sobre pesquisas e desenvolvimento da aeronáutica serão editados, nos próximos vinte anos, em inglês e em russo. Em determinadas especialidades, como mecânica supersônica dos fluidos, metalurgia e fundição de magnésio, poderá manter-se em primeiro lugar ainda por algum tempo. Se tal liderança puder ser conservada, os melhores trabalhos nesse campo continuarão a ser publicados em alemão.
Penaliza-se imaginar que os estudantes brasileiros de aeronáutica precisarão conhecer os idiomas russo e inglês, se quiserem acompanhar, nos próximos vinte anos, o desenvolvimento aéreo mundial.
Desejo acentuar aqui que Natal-RN, situada nesse ponto do extremo oriente da costa brasileira, é o trunfo que o Brasil tem nas mãos para entrar na competição pelo comércio aéreo do futuro.
Como nenhum país poderá possuir indústria e comércio equivalentes aos de outras mais adiantadas, enquanto for subordinado à engenharia e às outras profissões correlatas dessas nações, o Brasil só poderá tornar-se independente das outras nações competidoras no comércio aéreo pela criação de escolas superiores nos campos da engenharia aeronáutica, aerologia, comércio aéreo e fabricação de aviões, e pela instalação, para essas especialidades, de laboratórios próprios de alto padrão científico.
A partir daí, sob a orientação dessas instituições, o Brasil deverá desenvolver e fabricar tipos de aviões genuinamente brasileiros, e organizar linhas de navegação e aeroportos terminais brasileiros, perfeitamente aparelhados.
Uma rede de linhas de transporte aéreo bem distribuída, abrangendo todo o território brasileiro, revolucionaria por completo o sistema econômico, agrícola e industrial do país. Tal sistema de transporte tornaria acessível o interior do país, mesmo as longínquas regiões amazônicas da borracha.
Penso que as linhas aéreas serão para o Brasil o que são as estradas de rodagem e de ferro para a América e para a Europa.
Muitos dos novos núcleos de população agrupar-se-ão na estrutura econômica e política do Brasil, em lugar bem diferente do que ocupariam, se já existisse, no Brasil, uma organização básica de transporte, com estradas de ferro e de rodagem densas e poderosas.
A quarta alteração da era aeronáutica, que ora se aproxima e que prevejo, é uma consequência lógica da terceira. A menos que o Brasil se descuide, o que creio não ocorrerá; espero vê-lo erguer-se ao poder como uma nação de comércio aéreo, e tornar-se o país mais importante em transporte barato de carga e misto de carga e passageiro, no hemisfério ocidental.
No fato de serem as aviações comerciais americana e brasileira fundamentalmente complementares, não competidoras, para os EUA não é de interesse vital desenvolver, em grande escala, aviões de transporte ou linhas aéreas de carga dentro de seu próprio país.
Este país necessita, essencialmente, de aviões muito eficientes, de baixo custo, para o transporte barato de carga e passageiros, e, como as viagens não precisarão ser rápidas e nem frequentes, tais aviões não seriam provavelmente do tipo DC-3.
É erro fundamental para o Brasil, no meu entender, usar indiscriminadamente qualquer tipo de avião estrangeiro nas linhas aéreas brasileiras, apenas porque elas deram bons resultados nos EUA ou na Europa.
Parece-me, pois, que a orientação da indústria aeronáutica e da aviação comercial do Brasil será a da especialização em aviões de carga e de passageiros, para linhas aéreas muito econômicas, tanto para seu serviço de transporte nacional como para o internacional.
O transporte aéreo de carga será, para o Brasil, um negócio bom e lucrativo, que não pesará muito ao Tesouro Nacional.
O Brasil precisa criar suas escolas e seus laboratórios profissionais de aeronáutica, para poder sobrepujar os seus concorrentes na construção dos mais eficientes motores e aviões de carga."
Fonte: DCTA