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Voar é um desejo que começa em criança!

domingo, 14 de dezembro de 2014

Especial de Domingo

Selecionamos mais uma publicação do imperdível Aeromagia.
Boa leitura.
Bom domingo!

Por que pilotos de planador se tornam mais inteligentes?

Texto: Jean Gabriel CHARRIER*
Fonte: Aeromagia

Só faltava essa! Quer dizer que existem pilotos mais ‘inteligentes’ do que outros? E pior ainda, são pilotos que voam em aeronaves que não chegam a 500 quilos, com três instrumentos no painel, enquanto no meu Airbus eu tenho vinte vezes mais do que isso? Eles decolam com apenas um mapa debaixo do braço enquanto eu tenho uma maleta de 10 quilos de papéis para poder atravessar o Atlântico – isso sem falar no restante de material que fica no avião! E é certeza que, enquanto eu preciso me preocupar em colocar tudo em dia, conferir os procedimentos, e tantas coisas mais, eles devem ficar tranquilamente fazendo churrasco ao relento, atrás do hangar. E nem falo da preparação deles antes de voar! Bom, ok, reconheço que eles administram melhor as possibilidades da pressão atmosférica em relação à umidade e temperatura do ar, mas com relação ao resto…. Quero explicações!!

Bom, vamos apresentar o porquê do fato dos pilotos de planadores serem mais inteligentes do que pilotos de ultraleve, de helicóptero, de aviação comercial….e sobretudo, vamos mostrar porque o voo a vela torna eles assim.

A inteligência e a performance
Por trás desse conceito de inteligência, é a performance que nos interessa, mas de qual performance falamos? Para responder, faremos uma pequena ‘manobra’ para comparar a perfomance esportiva de um piloto de planador com a perfomance da segurança de todos os outros pilotos, quaisquer que sejam suas atividades. Essa comparação é possível porque o piloto de planador, para voar rápido ou por longas horas sem perder a segurança, deve possuir as mesmas competências e as mesmas capacidades dos outros pilotos.

Competências, decisões e a segurança
Quais são os fatores contribuintes mais comuns nos acidentes aéreos? São más decisões que se originam em más representações, ou em representações incompletas, da realidade que envolve o piloto, bem como da sua complexidade. Se você tomar somente decisões acertadas, sempre se dará bem nos voos. Ou, na pior das hipóteses, simplesmente decidirá não voar, ou fazer meia volta, ou colocar uns galões de combustível a mais por garantia. Dessa forma, aquele que tomar as melhores decisões em seu planador ganhará o campeonato, e, se for um piloto de Airbus, ele chegará sem sustos ao seu destino, mesmo em condições extremas.

Para refletir:
A ‘inteligência’ de um piloto consiste em:

1) obter informações;

2) interpretar o que elas significam e utilizá-las para compor a situação;

3) utilizar as informações obtidas para tomar a melhor decisão.

Se há uma nuvem se formando sobre uma montanha, eu planejo passar pelo lado onde tenho menos risco de ser levado para dentro dela, e consequentemente, para perto da montanha. A meteorologia prevê uma probabilidade de ventos numa cidade, e em outra cidade a situação está parecida, mas com uma probabilidade ainda mais forte. Então já decolo com combustível adicional, prevendo a possibilidade de alternar.

Inteligência em relação ao tempo
Os dois últimos exemplos demonstram que a inteligência não serve para nada se você não se utiliza das informações que recolheu para preparar suas decisões. Ora, as decisões que você irá tomar não são as mesmas se elas dizem respeito à gestão de sua máquina: sistemas, pilotagem, ou mesmo a gestão do seu ambiente de voo, com sua meteorologia favorável ou não. Se você já projeta sua mente para longe dentro do tempo, você terá a tática e a estratégia, envolvendo elementos desconhecidos e condicionais: se…. então… mas talvez… portanto… e se… Um campeão de voo à vela enxerga longe, e encara muitas hipóteses.


Pensar correto e rápido
O piloto de planador que deseja chegar primeiro deve às vezes tomar decisões muito rapidamente. Estou no nível de cruzeiro e avanço bem, então vejamos como está adiante: avalio a altura da base das nuvens, algumas com formato de cumulus… Há um caminho que parece agradável à direita, mas ele irá me distanciar da rota. Eu preciso decidir agora. Estimo uma alteração de rota de 30 graus, o vento está vindo ligeiramente do sul, então provavelmente vou ficar para trás….melhor ir pela esquerda. Ou então…chego em uma cidade pelo norte, não está um dia de tempo bom. O tráfego está congestionado, vento de cauda, e o controlador me pergunta: “Você pode curvar à direita dentro de 3 milhas, para iniciar a trajetória de descida?” Droga, ainda estou longe! Eu estou a 20 mn ao norte do terreno, me faltam ainda 15 mn até a final, estou a 4500 ft, mais 1500 ft de altitude do terreno, posso perder então 5000 ft na base…. É um pouco apertado…. Bom, vamos até lá… bolinha e cordinha centralizadas, de qualquer maneira já é alguma coisa…

Pensar correto, de forma rápida e frequente
Os piloto de planador não são os únicos que precisam refletir; outras pessoas imersas em suas pesquisas dividiram a atividade mental do piloto em seis níveis crescentes de exigência. Os três primeiros níveis correspondem basicamente em “fazer como de costume”. Para tal cidade, tal rota, tal nível de voo, tal quantidade de combustível. Nos três últimos níveis é necessário refletir, com o mais alto nível que concerne a situações complexas, som soluções evidentes. E nesse caso, os neurônios devem se agitar bastante para voar rápido ou para voar em total segurança. Ora, é fato que quanto mais se exige dos neurônios de forma frequente, mais o pensamento se torna fácil, e quanto menos exigirmos dos neurônios, mais lentos eles ficarão. Para exprimir isso de outra forma, quanto mais os modos mentais superiores (inteligência) do piloto forem solicitados, mais eles se tornam acessíveis, e com melhor desempenho.

A solicitação da inteligência
Quantas decisões, que envolvem os modos superiores, ditos ‘inteligentes’, um piloto de planador precisa tomar durante um voo de 5 horas? Serão centenas, mais ou menos elaboradas. Quantas decisões, que engajam os modos superiores, ditos ‘inteligentes’, um piloto de linha aérea terá de tomar durante um voo de 5 horas? Você conhece a resposta? Não muitas decisões? Sim, não muitas, mas… isso irá depender de cada piloto. Alguns vão dissecar seus voos e analisar uma multidão de pequenas coisas, de probabilidades… e então eles refletirão. Mas outros irão voar de forma mais ‘cool’, e a decisão do dia se resumirá ao momento em que devem escolher se o cafezinho deve vir com muito ou pouco açúcar. Nesse ponto fica claro porque o piloto de planador se destaca do restante do pelotão.

O nível de procedimentalização das atividades
Há ainda outras pesquisas que demonstraram que a competência é inversamente proporcional ao grau de procedimentalização da atividade (ref. Guy le Boterf). Logo, quanto mais trabalho você tem, menos você reflete, e mais esforço será preciso para refletir. Analisemos mais de perto as diferentes atividades sob esse ângulo do degrau de liberdade deixado ao piloto para solicitar, e portanto desenvolver, suas capacidades adaptativas (inteligência), e obteremos isso:


Pode parecer cômico, mas é isso. Um piloto é levado a refletir rápido em um espaço aberto onde o piloto é em grande parte entregue a si mesmo; e vale notar que com a dimensão ‘rapidez’, o piloto de caça também se inclui entre os que devem exigir muito dos seus neurônios. Já as problemáticas do piloto de balão não são as mesmas, mas para ele também o fator ‘antecipação’ deve estar no topo! Um piloto de linha aérea evolui dentro de um meio extremamente fechado, com pouca liberdade para ajustes, enquanto um piloto de planador voa em um meio aberto, ao qual deve permanentemente se adaptar. E, se ele deixar de refletir por um mínimo espaço de tempo, estará entregue à sorte nos minutos que se seguirem. Por outro lado, quando o Airbus A320 foi lançado, os jornalistas nos disseram que não faria diferença quem estivesse pilotando esses aviões. Foram jornalistas que disseram…

A inteligência do piloto e a experiência
A experiência do piloto lhe permite perceber informações que farão muito sentido para ele, mas não tanto para um piloto novato. Ele possui igualmente numerosos esquemas mentais que foram forjados a partir de numerosas situações que encontrou ao longo da vida. Ele sabe que em uma situação particular ele deverá desconfiar de um ou outro aspecto do seu voo, e suas decisões serão de melhor qualidade do que as de um piloto que ainda está em fase de ‘descoberta’. O conhecimento dos riscos são proporcionais à experiência; numa situação onde um piloto experimentado será capaz de identificar certas ameaças e agir com medidas de prevenção (prevenção = conhecimento dos riscos) um piloto iniciante deverá agir com precaução (precaução = riscos desconhecidos). Nos dois casos o perfeito conhecimento de cada um acerca de suas próprias competências e de suas próprias limitações é primordial, e ao solicitar a constante antecipação, o voo a vela faz o novato se tornar experiente de forma mais rápida.

A inteligência se educa
A inteligência do piloto pode ser educada, aliás, é um dos objetivos da formação que encontramos em diversos cursos ao redor do mundo, que dizem por exemplo: “Ao final de sua formação o piloto será capaz de enfrentar uma nova situação”. É bom relacionar as coisas entre si. O objetivo de alguns cursos de formação é precisamente estimular o desenvolvimento dos modos mentais superiores no principiante.

Uma boa notícia: tudo tem solução
Existe um conceito de gestão de riscos que se chama “Gestão de Ameaças e Erros”, cuja particularidade é que exige que o piloto reflita e se projete no tempo para evitar que ameaças externas não venham perturbar o voo e tragam situações indesejáveis. A abordagem mental necessária à essa gestão “proativa” dos riscos é a mesma utilizada pelo piloto de planador, que administra os riscos para obter uma perfomance esportiva. É necessário refletir bem, e rápido, se projetando pelo tempo. Efetivamente, a “Gestão de Ameaças e Erros” passa por todos os recursos do piloto, seja no nível do seu engajamento pessoal ou de suas competências técnicas. Se o piloto não comete erros, então ele já terá evitado 80% dos seus problemas de segurança. Os pilotos de planador adquirem portanto mais inteligência, e eles podem continuar tranquilamente a comer seu churrasco à noite junto ao hangar: eles tem de antemão uma boa vantagem em relação aos demais. 

Inteligência do piloto = Qualidades de aviador = Arte de voar = Gestão de ameaças e erros


O que memorizar:
-As competências para obter uma performance esportiva em um piloto de planador são as mesmas necessárias para administrar a segurança nas demais atividades de pilotagem.

-A inteligência do piloto consiste em tomar as melhores decisões.

-Quanto mais o piloto estiver acostumado a refletir, mais facilmente ele decidirá, e quanto menos acostumado a refletir, mais dificilmente tomará decisões.

-A competência para decidir é inversamente proporcional ao grau de procedimentalização da atividade. 

-Um piloto experiente tomará decisões com eventuais medidas de prevenção dos riscos que ele conhece, e um piloto menos experiente agirá com precaução, ou seja, prudência, na ausência de conhecimentos de certos riscos. 


*Jean Gabriel Charrier foi instrutor de avião, planador e acrobacia, piloto de linha aérea e inspetor de segurança de voo na França. Possui cerca de 13.000 horas de voo, e é titular de um diploma de Fatores Humanos em Aeronáutica.

Publicado originalmente em mentalpilote.com.
Fotos: Plinio D. Lins
Gráficos: mentalpilote.com

Fonte: Aeromagia