O fato que desencadeou a primeira grande guerra mundial completou 100 anos, no último dia 28 de junho.
Uma guerra terrível que acabou dando origens a outros grandes equívocos da humanidade.
Existiu, entretanto, como desdobramento positivo da luta pela vitória, um gigante avanço tecnológico, em diferentes setores.
Hoje, reproduzimos - com ênfase no texto - parte da pesquisa de Leandro G. Cardoso sobre a aviação de combate neste período.
Boa leitura.
Bom domingo!
A aviação de combate na primeira guerra mundial
"Quando os aviões eram de madeira e os pilotos eram de aço."
1 - Gênese:
A Primeira Guerra Mundial foi o primeiro conflito militar em grande escala do século
XX, época em que se consolidou a enorme velocidade do avanço tecnológico que hoje
caracteriza nossa civilização. Não é de se admirar, portanto, que diversas inovações
tecnológicas tenham sido empregadas naquele conflito, do uso intensivo da camuflagem
e da metralhadora ao desenvolvimento dos gases tóxicos e do tanque de guerra. Muitas
destas novas tecnologias foram empregadas pela primeira vez, e acabaram por afetar
não somente a maneira como as batalhas eram travadas mas até mesmo a forma como
conflito se desenrolou e o seu resultado final. E um dos campos da tecnologia que mais
se desenvolveu durante esta guerra foi o da aviação.
Tendo sido inventado cerca de uma década antes do começo do conflito, que iniciou-se
em agosto de 1914, no início da primeira guerra o avião ainda estava em sua infância, e
tanto o conhecimento científico/tecnológico quanto a experiência dos engenheiros ainda
eram insuficientes para permitir a definição mais adequada das configurações ideais e
dos detalhes técnicos dos projetos então existentes. Por isso, os aviões que os exércitos
já empregavam no início do conflito eram uma coleção heterogênea de máquinas das
mais variadas formas e características, algumas um tanto bizarras pelos padrões atuais.
Àquela época cada construtor adotava a filosofia de projeto que lhe parecia a mais
adequada, de forma basicamente empírica. E embora já se utilizassem modelos em escala para avaliar as características aerodinâmicas dos perfis de asa, um erro conceitual (que será discutido em mais detalhes em outro ponto deste trabalho) levou ao uso
generalizado de aerofólios com a face inferior côncava, o que não apenas prejudicava o
desempenho dos aviões como também impedia a instalação de longarinas mais fortes no
interior das asas, obrigando o uso de complexas estruturas de suportes e cabos
tensionados para que estas pudessem suportar as cargas aerodinâmicas a que eram
submetidas.
Com relação à propulsão, no início da guerra os motores com cilindros em linha
refrigerados à água, além exigirem instalações mais complexas, possuíam uma
relação peso/potência relativamente baixa. Isto levou ao uso disseminado nos aviões
menores, na época chamados de “Scouts”, de um tipo de motor extraordinário, o motor
rotativo. Desenvolvido inicialmente na França e depois copiado em vários países os
motores rotativos tinham cilindros radiais, mas possuíam o virabrequim fixo,
geralmente aparafusado à fuselagem enquanto todo o resto do motor, com cilindros,
bielas e pistões, é que girava em torno do seu eixo longitudinal. A hélice normalmente
era simplesmente aparafusada de forma rígida ao bloco do motor. O movimento rotativo
auxiliava na refrigeração dos cilindros, permitindo assim que estes motores tivessem
uma construção leve e mantivessem uma durabilidade que era considerada adequada na
época.
Outra estranha característica comum nestes primeiros aviões era a ausência de ailerons.
O controle de rolamento longitudinal era obtido através da torção das próprias asas,
através da mudança de tensão nos cabos de sustentação comandada pelo manche. O
sistema era relativamente eficiente, mas muito sujeito à guinada adversa e somente
possível com estruturas de asa bastante flexíveis e consequentemente muito frágeis.
Apesar da maioria dos aviões desta época ser considerada obsoleta já no meio da guerra,
alguns tiveram carreiras surpreendentemente longas, sendo construídos aos milhares e
utilizados até bem depois do final do conflito, como foi o caso do Avro 504.
Criado em 1913 e utilizado principalmente como avião de treinamento, embora
houvesse versões de reconhecimento e até de caça noturno, seu projetista se
consideraria feliz se conseguisse um pedido de seis aparelhos. Mas, ao invés disso, ele foi
produzido durante bem mais de dez anos, em um total de mais de dez mil unidades e
algumas delas ainda voavam quando do início da Segunda Guerra Mundial!
2 - Combate:
Nas primeiras semanas da guerra ainda não se pensava em combates aéreos, sendo os
aviões utilizados basicamente para o reconhecimento e o envio de mensagens. A esta
altura do conflito ainda era comum que tripulações inimigas se cumprimentassem
mutuamente com acenos e sorrisos ao cruzarem umas com as outras no céu. Mas
mesmo nestas missões menos belicosas os aparelhos rapidamente provaram seu valor.
Na primeira batalha do Marne, em setembro de 1914, aeronaves de reconhecimento
britânicas conseguiram detectar uma brecha entre os exércitos alemães que avançavam
sobre Paris, e as forças inglesas aproveitaram para contra-atacar neste ponto. A batalha
resultante conseguiu deter a ofensiva alemã e forçar seu recuo, o que terminou com as esperanças germânicas de encerrar a guerra rapidamente.
Por esta época os tripulantes de ambos os lados começaram a se hostilizar, mas como os
aviões ainda não carregavam armamento, os pilotos e observadores passaram a levar
consigo granadas, dinamite e até tijolos para atirar contra os aviões inimigos. O
primeiro combate aéreo com vítimas registrado ocorreu em 26 de agosto de 1914,
quando o piloto russo Pyotr Nesterov, um dos primeiros pilotos acrobáticos do mundo, que um ano antes havia realizado a primeira manobra de “looping” da história,
arremessou seu Morane Saulnier tipo N contra um Aviatik B1 alemão de dois lugares.
Provavelmente ele pretendia atingir o aparelho inimigo com seu trem de pouso, mas
acabou chocando sua hélice contra ele e na queda subsequente das aeronaves os
dois pilotos e mais o observador alemão acabaram morrendo.
Em breve os tripulantes estavam levando pistolas e fuzis, na tentativa de abater
aeronaves inimigas com mais eficiência. Percebeu-se, contudo, que era muito
complicado coordenar a pontaria com os movimentos dos aviões em voo, e que para
aumentar a possibilidade de abater o inimigo seria necessário incrementar o poder de
fogo das aeronaves. Os engenheiros e projetistas começaram então a desenvolver
formas de instalar metralhadoras nos aviões, o que os tornariam máquinas de combate
bem mais eficientes. A total falta de experiência no assunto, entretanto, levou
inicialmente a algumas soluções que hoje seriam consideradas altamente exóticas,
geralmente com a instalação de metralhadoras móveis na parte dianteira dos aviões,
manejadas pelo próprio piloto ou pelo segundo tripulante.
A primeira vitória em combate ar-ar foi registrada nesta época, quando em outubro de
1914 um Voisin III francês abateu um Aviatik B-II próximo à cidade de Reims, no
nordeste da França.
Estas tentativas de desenvolver aparelhos armados e a experiência dos primeiros
combates mostraram que a melhor solução seria fixar o armamento rigidamente à
aeronave, e o piloto faria pontaria apontando todo o avião para o alvo inimigo. Como
nos aparelhos de desenho convencional o grande arco da hélice obstruía o campo de tiro
diretamente à frente, foram feitas algumas tentativas com as metralhadoras apontando a
45 graus da linha de voo, mas o ajuste da mira neste sistema mostrou-se muito difícil.
Contudo, em abril de 1915 o piloto francês Roland Garros decolou com seu monoplano
Morane-Saulnier tipo L equipado com uma metralhadora instalada sobre o capô do
motor e atirando diretamente à frente. Para evitar que as balas destruíssem sua própria
hélice foram fixadas calhas de metal com 45 graus de inclinação na raiz de cada
pá, que defletiam qualquer bala que as atingisse. Assim equipado ele conseguiu abater
um avião alemão, e obteve duas outras vitórias mais tarde no mesmo mês. Nesta última
missão, entretanto, o motor de seu aparelho apresentou algum problema mecânico e ele
teve que fazer um pouso forçado atrás das linhas inimigas, sendo capturado antes de
poder destruir seu avião.
Ele ficaria como prisioneiro de guerra até fevereiro de 1918, quando conseguiu fugir e
retornar para as linhas aliadas, engajando novamente como piloto até ser abatido e
morto em outubro daquele mesmo ano sobre as Ardennes.
O avião capturado foi mostrado a Anthony Fokker e o pessoal de engenharia de sua
fábrica, que já estava trabalhando em um sistema de sincronização que interrompia o
disparo da metralhadora sempre que uma pá passava em frente ao cano da arma. Em
breve Fokker estava entregando seus primeiros aeroplanos Eindecker (monoplano) - capazes de disparar para frente - às esquadrilhas alemãs.
De início os pilotos não apreciavam muito estes aviões, pois eles possuíam
características de voo que os tornavam difíceis de pilotar, mas logo homens como
Oswald Boelcke e Max Immelmann aprenderam a manejá-los e começaram a conseguir
seguidas vitórias sobre as aeronaves aliadas. Embora o número de aviões realmente
abatidos não fosse tão grande se comparado ao que se veria mais tarde na guerra, até
porque os Fokker E-III Eindeckers eram distribuídos apenas isoladamente ou em pares
às esquadrilhas alemãs, este período ficou conhecido como “o flagelo do Fokker”, pois
durante algum tempo a simples visão de um monoplano levava o pânico às tripulações
aliadas, fazendo-as abortar seguidamente suas missões.
Immelmann e Boelcke tornaram–se os primeiros ases do combate aéreo. O primeiro
inventou uma manobra que recebeu seu nome e que permitia ao piloto virar seu avião
180 graus rapidamente para colocar-se atrás do inimigo. O segundo tornou-se
comandante do que seria a semente dos esquadrões de caças alemães, e suas instruções
sobre como efetuar um combate aéreo foram reunidas no Boelcke Dictat, conjunto de
instruções que continuou válido até depois da Segunda Guerra Mundial. Ambos
morreram em combate durante o conflito, Immelmann com 17 vitórias e Boelcke após
conquistar a de número 40.
3 - A guerra aérea evolui:
A superioridade aérea alemã refletiu-se nos combates em terra, principalmente com
relação ao incremento na precisão da artilharia germânica, cuja correção de fogo era
feita a partir de aviões de observação que podiam voar livremente sobre as linhas
aliadas, sem medo de oposição por parte de aeronaves inimigas. Isto tornou-se uma
enorme fonte de preocupação para os comandantes aliados, que temiam que com a
chegada da primavera de 1916 os alemães aproveitassem esta vantagem para efetuar um
ataque em larga escala contra suas posições.
Para enfrentar “o flagelo do Fokker” os aliados desenvolveram novos aviões com a
mesma capacidade de disparar para frente e melhores características de voo, bem como
novas táticas e formas de organização de suas esquadrilhas. Os aviões passaram a voar
em formações que permitiam aos pilotos proteger-se mutuamente, bem como atacar
com mais eficiência.
Os primeiros modelos ingleses e franceses capazes de disparar para frente ainda não
possuíam sistemas de sincronização das metralhadoras, mas apresentavam outras soluções que permitiam evitar atingir as próprias hélices. Os mais bem sucedidos foram
o inglês Airco DH2 e o Francês Nieuport 11, que foram distribuídos em quantidade para
os exércitos de seus países e organizados em esquadrões especializados em combate.
Graças a estes aviões e às novas formas de organização e táticas os aliados puderam
eliminar a superioridade aérea alemã em meados de 1916, bem a tempo de equilibrar o
duelo de artilharia com os alemães durante a ofensiva que resultou na batalha de
Verdun, iniciada em 21 de fevereiro e que se estendeu quase até o final daquele ano.
O primeiro verdadeiro grupo de caça da história foi o 24º esquadrão da RFC (Royal
Flying Corps), que chegou à França em fevereiro de 1916 equipado totalmente com
monopostos DH2 e comandado por Lanoe Hawker, um piloto de estilo agressivo que já
era um herói de guerra por feitos como o ataque bem sucedido a um Zeppelin
estacionado, jogando sobre ele granadas de mão a partir de um avião biplace em abril de
1915. Ele também havia abatido 3 aviões de observação inimigos em um único combate
em julho, pilotando um Bristol Scout com uma metralhadora Lewis fixada para atirar a
45 graus da direção de voo.
Percebendo que haviam perdido a superioridade aérea obtida em 1915, os alemães se
apressaram em introduzir novos e mais potentes caças ao longo do ano de 1916, bem
como a organizar suas próprias esquadrilhas de caça nos famosos Jastas, tentando assim
reconquistar o predomínio nos céus. Começando com o Halberstadt D-I, lançado em
fevereiro, e depois com o Albatros D-I, que chegou à linha de frente em setembro e deu
origem a uma dinastia de grandes caças alemães, os novos aparelhos no princípio
realmente superaram o desempenho dos primeiros aviões de caça aliados.
Como resposta, estes também desenvolveram caças melhores, agora equipados com
mecanismos de sincronização das metralhadoras. Os franceses introduziram aviões
como o Nieuport 17, uma excelente evolução do Nieuport 11, em maio de 1916, e o
potente e resistente Spad VII em setembro, enquanto os ingleses lançavam o Sopwith
Pup no outono daquele mesmo ano. A partir desta época nenhum dos dois lados da
guerra conseguiria novamente uma superioridade técnica absoluta sobre o outro até o
final do conflito.
4 - Grandes ases:
Conforme os combates aéreos se tornavam mais acirrados ao longo de 1916 e início de
1917, toda uma geração de ases surgiu em ambos os lados do conflito, tornados famosos
não apenas por sua coragem e eficiência em combate mas também pela máquina de
propaganda de seus respectivos países, que precisava de argumentos para manter o
esforço de guerra apesar das dificuldades que eram impostas à população. Muitos destes
jovens pilotos eram tratados como verdadeiros “pop-stars” pela imprensa da época,
sendo rotineiramente recebidos por governantes e pela nobreza nos intervalos entre seus
deveres militares. Mas isto não diminui o mérito daqueles rapazes, que eram de fato heróis na verdadeira
acepção da palavra. Numa época em que aviões e motores tinham um grau de
confiabilidade tão baixo que hoje em dia sequer lhes seria permitido voar, sem contar a
total falta de blindagem contra as metralhadoras inimigas ou proteção contra incêndios,
alguns dos ases da Primeira Guerra Mundial mostraram habilidade e destemor
realmente impressionantes, e obtiveram com seus feitos uma fama que foi realmente
merecida como a de nenhum outro piloto em todas as guerras posteriores.
Entre vários nomes dignos de nota, destacamos alguns destes excepcionais pilotos:
Georges Guynemer;
René Fonch;
Charles Nunguesser;
Reymond Collishaw;
James McCudden;
Willian Bishop;
Francesco Baracca;
Werner Voss;
Ernst Udet e
Manfred Von Richthofen.
5 - Os combates aéreos se intensificam:
No final de 1916 a ofensiva germânica em Verdun perdeu seu ímpeto com a
aproximação do inverno, e em seguida os comandantes alemães decidiram adotar uma
postura defensiva no front ocidental para poder se concentrar em derrotar a Rússia no
front oriental. Os aliados por outro lado iniciaram uma série de ataques contra as
trincheiras alemães, primeiro para aliviar a pressão sobre Verdun, e depois para tentar
aproveitar o deslocamento de grande parte das forças inimigas para o oriente. Enquanto
os franceses atacavam na região do rio Aisne, os ingleses atacavam na região de Arras,
e deslocaram para lá uma grande quantidade de aviões e pilotos. Contudo, alguns
fatores vieram a prejudicar o desempenho do RFC (Royal Flying Corps) britânico
naquela ofensiva.
Primeiramente, a introdução de novos aviões por parte dos alemães a partir do início de
1917, principalmente os modelos Albatros D-II e posteriormente o D-III, devolveram
aos alemães a vantagem técnica no ar, embora não ao mesmo nível do que ocorreu
durante o “flagelo do Fokker”.
Aviões como o Pup, o Nieuport-17 e o Spad-VII e podiam enfrentar os novos modelos
alemães, mas tinham desvantagem no poder de fogo. Novos aparelhos que surgiam,
como o Sopwith triplano e o SE-5 eram superiores a eles, mas existiam apenas em
pequeno número no início de 1917.
Outro fator que prejudicava os britânicos era o fato de precisarem penetrar
profundamente em território inimigo com seus aviões de reconhecimento, para poder
descobrir os pontos mais favoráveis para a ofensiva. Os alemães por outro lado se
contentavam apenas em barrar a passagem das aeronaves aliadas, sem entrar muito
sobre território aliado. O resultado era que os pilotos ingleses que tinham seus aparelhos
avariados por fogo inimigo ou que sofriam as muito freqüentes falhas de motor
acabavam sendo obrigados a pousar em território dominado pelos alemães, sendo
mortos ou feitos prisioneiros. Já os pilotos germânicos que faziam pousos forçados eram
ajudados por suas tropas a voltar para suas unidades. Com isso os britânicos perdiam
muito mais pilotos experientes que os alemães, o que prejudicava o desempenho de seus
esquadrões.
Em uma tentativa de repor os pilotos perdidos no mínimo espaço de tempo possível, os
aliados começaram a enviar os novos cadetes para o front depois de cumpridas apenas uma poucas horas de vôo de treinamento. Isto acabou por prejudicar ainda mais a
eficiência do Royal Flying Corps, e a soma de todos estes fatores levou a uma grande
desproporção no número de vitórias germânicas contra os britânicos na primeira metade
de 1917, culminando com o período que ficou conhecido como “Abril Sangrento”.
Neste mês a relação vitórias/derrotas dos alemães sobre os ingleses chegou a quase 4/1,
e o nível de perdas mensais do RFC foi o dobro do observado durante a batalha do
Somme em 1916. E neste período o tempo médio de sobrevivência de um novo piloto
após iniciar suas missões era de apenas onze dias!
No entanto, a capacidade de produção de aviões combinada dos aliados superava
bastante a dos alemães, e apesar das terríveis condições para os pilotos novatos as
tripulações não perderam a coragem como acontecera durante o “flagelo do Fokker”.
Assim, mesmo este nível extremamente elevado de perdas não impediu que os aliados
continuassem a enviar aviões para cumprir suas missões, e desta forma os alemães não
obtiveram a supremacia aérea, embora possuíssem uma nítida superioridade.
Ao longo dos meses seguintes o aumento da vantagem numérica dos aliados no front
ocidental, bem como a introdução de novos tipos de aviões aliados com motores mais
potentes e armamento mais poderoso, como o Spad XIII e o SE-5, permitiu um maior
equilíbrio na taxa de vitórias/derrotas, que durante o restante da guerra jamais retornou
aos níveis assinalados em abril de 1917.
Ao longo da segunda metade de 1917 e do ano de 1918 o aperfeiçoamento dos aviões
continuou acelerado. Embora ainda utilizados em alguns caças mais leves e ágeis como
o Camel, os motores rotativos estavam chegando ao seu máximo desenvolvimento
possível, e novos e mais potentes motores em linha refrigerados à água começaram a
suplantá-los. Isto ocorreu porque para aumentar a potência dos motores é necessário
aumentar sua rotação, mas ao girar mais rápido os cilindros dos motores rotativos
acabavam por gerar um excesso de arrasto aerodinâmico, o que prejudicava seu
desempenho. No caso dos motores rotativos, portanto, a única forma de aumentar sua
potência era aumentar também o seu tamanho, o que aumentava não apenas o peso mas
o efeito giroscópico, tornando os aviões difíceis de pilotar. Livres desta restrição, os
motores com cilindros alinhados tiveram sua rotação aumentada cada vez mais, e em
breve suplantaram os rotativos que estavam limitados a potências de até 150, 170 Hp ou
pouco mais. Os motores em linha ou em “V” por outro lado logo atingiram potências
superiores aos 300 Hp, e até mesmo maiores.
Não somente os caças monopostos foram favorecidos por estes desenvolvimentos, mas
também os aviões de observação tiveram seu desempenho continuamente melhorado.
Conforme o conflito se estendia o desempenho dos aviões melhorava tanto em
velocidade quanto em altitude e manobralidade, tornando os combates aéreos cada vez
mais acirrados
A evolução dos aviões o aumento do seu número levou a um incremento na escala da
guerra aérea, e a partir de 1917 algumas das maiores batalhas envolviam mais de cem
aeronaves de cada lado, e se desenvolviam desde altitudes acima dos seis mil metros até
praticamente o nível do solo.
6- Mais leves que o ar:
Durante a primeira guerra mundial os aviões não foram os únicos veículos aéreos
empregados pelos dois lados em conflito. Desde a segunda metade do século XIX
vários tipos de balões e dirigíveis já estavam sendo desenvolvidos, e antes mesmo do
início da Primeira Guerra Mundial algumas aplicações militares já haviam sido tentadas,
desde tão cedo quanto a guerra civil americana.
Logo no início da guerra os franceses começaram a operar balões cativos colocados
logo atrás das linhas de trincheiras para fins de observação. Como tais balões eram
ligados a terra por cabos eles podiam transportar um aparelho telefônico, permitindo
assim a correção direta dos tiros de artilharia, coisa que aviões só puderam fazer ao final
da guerra, com o desenvolvimento dos rádios aero-transportáveis que na época tinham o
tamanho de um homem.
Logo alemães, italianos e ingleses estavam também utilizando este tipo de balão, e
derrubá-los ou protegê-los passou a ser uma das tarefas dos aviões de caça, tendo sido
desenvolvidas táticas especiais para isso já que eles geralmente eram bem protegidos
por armamento antiaéreo, principalmente metralhadoras.
Embora muito úteis para a artilharia, os balões cativos não eram adequados para tarefas
gerais de observação por não poderem se deslocar livremente. Além disso, desde a
publicação em 1908 do livro de H.G. Wells “The War in the Air” a idéia de utilizar
dirigíveis para ataque contra objetivos em terra e no mar era vista como uma
interessante possibilidade. De fato, nos primeiros anos da guerra os dirigíveis possuíam
algumas vantagens evidentes sobre os aviões, podendo voar mais alto e muito mais
longe que estes, com muito mais carga, quase à mesma velocidade e em condições de tempo que impediam os aviões de decolar. Assim, desde 1914 alemães, franceses e
italianos operaram dirigíveis em apoio às operações militares, tanto de observação
quanto de ataque.
Nas missões de reconhecimento naval os dirigíveis foram particularmente bem
sucedidos, e os famosos modelos fabricados pela fábrica Zepelim eram muito utilizados
pela marinha alemã. Eles executavam missões de esclarecimento impedindo que a
marinha inglesa se aproximasse da costa alemã sem ser percebida, encontravam e
destruíam campos minados e até mesmo interceptaram navios cargueiros, descendo
tripulantes armados para render suas tripulações. Talvez a incapacidade da marinha
inglesa, mais poderosa, em obter o controle do mar apesar de uma certa falta de
combatividade da marinha alemã durante a guerra possa ser creditada à atividade dos
Zepelins desta última.
Apesar das grandes esperanças do comando alemão, contudo, em missões de
bombardeio contra objetivos terrestres os dirigíveis não tiveram o desempenho que se
esperava deles, devido a uma série de fatores. Sua pouca manobralidade e grande
sensibilidade aos ventos reduzia a acurácia do bombardeio, tornando-o ineficaz mesmo
com uma carga de bombas maior. Outro problema era a vulnerabilidade dos dirigíveis
ao fogo anti-aéreo quando atacando alvos militares, pois para garantir um mínimo de
precisão eles eram obrigados a voar relativamente baixo, podendo ser atingidos por tiros
de canhão. Após a perda de alguns aparelhos quando tentavam missões deste tipo
ambos os lados do conflito perceberam que eles não eram eficientes como bombardeiros
táticos, e eles não foram mais empregados nesta tarefa.
Os alemães entretanto ainda acreditavam que os dirigíveis poderiam cumprir missões de
bombardeio estratégico, e decidiram aproveitar o grande alcance de suas unidades
maiores para atacar as cidades do inimigo, principalmente na Inglaterra. Diversos raids
foram realizados a partir de 1915, despejando diversas toneladas de bombas e matando
centenas de pessoas durante a guerra. De início a tarefa de derrubá-los era bastante
difícil, já que eles podiam voar mais alto que os primeiros aviões e assim evitar a
interceptação. Além disso, mesmo que pudessem ser alcançados não era fácil abatê-los,
pois sua pressão interna era pouco diferente da externa e simples perfurações do
invólucro de gás tinham pouco efeito na sua capacidade de flutuação.
Contudo, de 1916 em diante novos modelos de aviões mais potentes tornaram possível
alcançá-los, e passou-se a utilizar munição incendiária para as metralhadoras bem como
os foguetes de pólvora Le Prieur. Os alemães construíram modelos de dirigíveis que
podiam voar cada vez mais alto para escapar dos caças, e utilizaram técnicas elaboradas
como voar acima das nuvens e baixar uma gôndola presa por um cabo através delas para
permitir o posicionamento com relação ao alvo, mas a evolução dos aviões era mais rápida e os ingleses conseguiram abater vários dirigíveis nestes ataques. Assim as
missões de bombardeiro estratégico dos dirigíveis tornaram-se cada vez mais arriscadas
e menos eficientes, embora tenham continuado até o final da guerra.
7- Bombardeiros:
Desde bem antes do início da Primeira Guerra Mundial já se faziam tentativas de
utilizar aviões para o lançamento de bombas sobre alvos inimigos, sendo as primeiras
missões deste tipo efetuadas por pilotos italianos na guerra da Líbia em 1911. Assim,
não era de se estranhar que durante o do conflito iniciado em 1914 ações de
bombardeiro se tornassem comuns.
No início os aviões utilizados neste tipo de missão eram relativamente pequenos e
pouco possantes, sendo basicamente versões derivadas dos aviões de reconhecimento de
dois lugares. Missões como o bem sucedido ataque de três Avro 504 contra uma base de
dirigíveis alemães em novembro de 1914, com pequenas bombas de 9 Kg, tornaram-se
bastante comuns. Bombardeiros deste tipo foram continuamente aperfeiçoados ao longo
do conflito, gerando modelos de grande eficiência, e continuaram sendo utilizados com
sucesso até o final da guerra.
O desenvolvimento de motores mais potentes e de melhores técnicas de engenharia
durante a guerra permitiu a construção de aviões maiores, com mais de um motor e
elevado peso de decolagem, de até várias toneladas. Inicialmente pensou-se em utilizar
estes aviões para combate aéreo, equipando-os com vários postos de metralhadoras e
fazendo-os voar em formações cerradas. Pensava-se que desta forma o volume de fogo
das metralhadoras de defesa poderia manter afastados os aviões inimigos. Aeronaves
projetadas com este conceito foram denominadas “aviões de batalha”.
Estas idéias logo foram abandonadas, pois se observou que mesmo em esquadrilhas
numerosas estes aviões mais pesados eram presas fáceis para os caças por não
possuírem suficiente manobralidade para escapar dos disparos destes, ao passo que as
metralhadoras móveis que utilizavam eram bem menos efetivas. Contudo, tais aviões
podiam levar uma grande quantidade de bombas, e os comandantes de ambos os lados
logo viram a possibilidade de empregá-los em missões de bombardeiro. Seu sucesso
nesta missão logo levou ao desenvolvimento de modelos específicos para esta tarefa.
Os primeiros modelos desenvolvidos mostraram que o conceito de grandes aviões de
bombardeio armados era eficiente, e sua evolução continuou durante a guerra acabando
por gerar modelos de porte realmente grande. Inicialmente estes enormes aviões foram
desenvolvidos especialmente pelos alemães para atingir alvos na Inglaterra,
complementando e mais tarde substituindo os dirigíveis. Os primeiros ataques de
bombardeiros pesados eram efetuados durante o dia e foram realmente mais eficazes
que os dos dirigíveis em termos de destruição e mortes causadas, em parte porque a
população das cidades saía à rua para assistir a passagem dos aviões ao invés de
procurar proteção contra as bombas.
O objetivo dos alemães com estes ataques era levar a guerra ao território britânico, em
uma tentativa de enfraquecer a vontade do povo inglês de continuar a luta. Este esforço
levou ao desenvolvimento de aviões ainda maiores capazes de transportar uma
quantidade de bombas inigualada durante a guerra. Tais ataques foram mantidos até o
fim do conflito, embora as perdas de bombardeiros crescessem com o aperfeiçoamento
dos caças britânicos, forçando a adoção de ataques noturnos, menos efetivos.
Entretanto, apesar do relativo sucesso destes bombardeios seu objetivo principal não foi
atingido, pois ao invés de desistir de lutar a Inglaterra respondeu ao desafio
desenvolvendo seus próprios modelos pesados, que podiam atacar alvos dentro do
território alemão. O duelo de bombardeiros entre Alemanha e Inglaterra ficou assim
equilibrado.
Mas não foram apenas a Alemanha e a Inglaterra que produziram grandes bombardeiros
estratégicos durante a Primeira Grande Guerra, pois outra extraordinária aeronave desta
categoria foi produzida e utilizada pela Rússia desde o início do conflito. Tratava-se do
impressionante Ilya Mourometz, primeiro quadrimotor do mundo, que começou a voar
antes mesmo do início da guerra. Ele era inicialmente um avião de transporte
revolucionário para até dezesseis passageiros, com itens de conforto inéditos na época,
como banheiro de bordo, grandes janelas e cabine aquecida. Com o início da guerra ele
foi convertido em um bombardeiro de grande alcance que atuou com muito sucesso ao
longo de todo o conflito.
8 - A aviação alcança a Maturidade:
Ao longo da guerra a importância da posse de uma força aérea eficiente ficou clara para
todas as nações envolvidas no conflito e assim várias delas além da França, Inglaterra e
Alemanha, os fabricantes tradicionais, passaram a construir aviões para seu próprio uso.
Inicialmente foram fabricados sob licença projetos desenvolvidos por um dos
fabricantes tradicionais, mas logo surgiram projetos próprios em vários países, alguns
dos quais se mostraram tão eficientes quanto os desenvolvidos nas principais potências.
O surgimento destes aparelhos foi muito significante, pois mostrou que a construção
aeronáutica passava a ser reconhecida pelos governos como uma atividade estratégica
para o desenvolvimento das nações, fato que permanece até os dias de hoje.
Outro desenvolvimento importante ocorreria na Alemanha. Embora o famoso projetista
Hugo Junkers já estivesse convencido desde a década anterior de que aviões com asas
de perfil espesso eram mais eficientes, mesmo possuindo um peso maior, foi apenas em
meados da guerra que experimentos realizados no instituto Göttingen provaram que ele
estava certo. Pesquisas realizadas naquela instituição levando em consideração os mais
recentes desenvolvimentos teóricos em mecânica dos fluídos, principalmente o
coeficiente de Reynolds, usado para correlacionar os resultados dos modelos em escala
testados nos túneis de vento com os das asas reais dos aviões, mostraram a nítida
superioridade dos perfis de asa espessos sobre os mais delgados e com face inferior
côncava que eram utilizados até então.
Esta informação foi repassada para vários fabricantes de aeronaves alemães, e diversos
projetos com asas mais grossas que as utilizadas nas aeronaves anteriores começaram a
aparecer. A fábrica Fokker foi a que mais sucesso obteve com este conceito,
desenhando asas espessas o suficiente para que a estrutura pudesse suportar todas as
cargas de vôo sem a necessidade de cabos de estaiamento. Como resultado os caças
Fokker possuíam um desempenho excepcional, mesmo quando eram utilizados motores
menos potentes que os de seus adversários.
Outro desenvolvimento importante no lado alemão em 1918 foi a adoção de paraquedas para seus pilotos, permitindo que muitos sobrevivessem à derrubada de seus
aviões. É impressionante notar que apesar de inúmeras solicitações dos oficiais da linha
de frente, para os pilotos aliados os pára-quedas continuaram proibidos até o final da
guerra, sob a alegação de que seu uso poderia prejudicar sua combatividade ou deixá-los
pouco cuidadosos com relação aos seus aviões. Desta forma, enquanto um número
maior de pilotos alemães podia sobreviver aos combates e retornar à luta, seus colegas
aliados enfrentavam a terrível perspectiva de morrerem sem chances de escapar quando
seus aviões se partiam ou incendiavam sob fogo inimigo.
No final de 1917 a Rússia, forçada por uma revolução interna, abandonou a guerra
contra as potências centrais. Liberada da luta no front oriental, a Alemanha viu na
possibilidade de montar um poderoso ataque contra a França e a Inglaterra sua última
chance de vitória antes que as forças americanas entrassem em ação em grande escala
ao lado dos aliados. Conhecido como a “ofensiva Ludendorff”, este ataque foi
desfechado em março de 1918 e nele os alemães empregaram extensivamente uma nova
tática, o apoio aéreo cerrado. Utilizando principalmente aviões biposto leves mas bem
protegidos, e sendo efetuados desde altitudes muito baixas, estes ataques ajudaram na
ruptura das linhas aliadas e na posterior penetração do exército alemão em uma
extensão que jamais havia sido obtida antes naquela guerra.
Impressionados com o efeito destes ataques em baixa altitude contra suas próprias
tropas e as de seus aliados, os ingleses desenvolveram sua própria versão de avião de
ataque, acrescentando blindagem e um motor mais potente ao seu caça mais eficiente, o
Sopwith Camel. Surgiu assim o Sopwith Salamander, que também podia carregar 4
pequenas bombas.
Apesar do grande sucesso inicial, a ofensiva Ludendorff acabou sendo detida por dois diferentes fatores. O primeiro foi o próprio esgotamento do exército alemão, a esta altura da guerra, sofrendo sérias carências de todos os recursos necessários para manter-se em combate.
A Alemanha estava completamente exaurida, e o bloqueio imposto
pelas potências ocidentais praticamente impedia que ela recebesse qualquer ajuda
externa. O estado de penúria das tropas alemãs era tamanho que várias unidades de seu
exército simplesmente pararam de avançar durante o ataque para pilhar os depósitos de
víveres aliados que encontravam.
O segundo fator foi a entrada em combate da força expedicionária americana. Embora
com fraca experiência de combate e muitas vezes utilizando equipamento inadequado,
os americanos podiam colocar em campo uma quantidade aparentemente ilimitada de
tropas frescas, que os alemães simplesmente não tinham como compensar.
Os pilotos americanos sofriam dos mesmos problemas de seus soldados. O treinamento
mostrou-se insuficiente e pouco eficaz, com uma taxa de acidentes extremamente
elevada, e havia falta de aviões de caça modernos para equipar os seus esquadrões.
Assim, no início dos combates eles receberam uma aeronave rejeitada pela força aérea
francesa, o Nieuport 28.
Apesar destas deficiências, entretanto, alguns dos pilotos americanos conseguiram obter
excelentes resultados com este avião, tornando-se ases ao longo de sua curta
participação na guerra. Mais tarde os franceses disponibilizaram caças Spad XIII para
os americanos, cujos pilotos passaram assim a ter um avião tão confiável quanto seus
colegas das outras nações aliadas.
Após a paralisação da ofensiva Ludendorff em julho de 1918 a Alemanha estava
incapaz de efetuar novas operações ofensivas de grande envergadura. Os aliados
lançaram então uma série de ataques contra suas trincheiras, que primeiro obrigaram as
forças germânicas a retornar às linhas de antes de março e depois tomaram algum
terreno que estivera em poder dos alemães desde o início da guerra. Mas antes que a
situação no front ficasse completamente definida eclodiu uma revolução contra o
governo imperial, e a Alemanha aceitou as condições do armistício em novembro.
A força aérea alemã, porém, não foi derrotada, e novos aviões que estavam justamente
entrando em serviço quando a guerra terminou mostraram que os aliados ainda
passariam por muitas dificuldades se quisessem banir os pilotos alemães dos céus.
Mas eles não precisaram fazer isso, e após o armistício as duríssimas condições de
rendição impostas à Alemanha praticamente a proibiram de possuir uma indústria
aeronáutica significativa, o que atrasou o desenvolvimento aeronáutico do país e em
última análise de todo o mundo por vários anos no período imediatamente seguinte à
Primeira Guerra Mundial.
Autor: Leandro G. Cardoso