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domingo, 25 de fevereiro de 2024

Especial de Domingo

Selecionamos textos publicados na edição especial da Revista Aerovisão, em janeiro de 2011, retratando a admirável trajetória da aviação no Brasil após a criação do Ministério da Aeronáutica.
Boa leitura.
Bom domingo!
 
Aeronáutica: Década de 50 - Parte 1

O Brasil cria uma “fábrica” de cérebros para a engenharia aeronáutica
No Brasil, os chamados “Anos Dourados” marcaram a chegada da televisão ao país, a efervescência cultural, a criação da Bossa Nova, a eleição do presidente Juscelino Kubistheck e os primeiros passos rumo à industrialização, com a população migrando do campo para as cidades. Foi no início dessa década que São José dos Campos, no Vale do Paraíba (SP), deixa de ser apenas uma estância climática para tratamento de pobres com tuberculose no Estado para seguir a vocação de pólo de desenvolvimento nacional.
A transformação da cidade de 30 mil habitantes começou com a construção do Centro Técnico de Aeronáutica, idealizado pelo então Coronel-Aviador Casimiro Montenegro Filho.
O CTA ( hoje DCTA – Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial) foi erguido para abrigar dois institutos científicos – um para o ensino superior, o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) e outro para pesquisa e desenvolvimento nas áreas de aviação militar e comercial (Instituto de Pesquisas e Desenvolvimento - IPD).
Com uma industria mínima, incapaz de fabricar até bicicletas, o Brasil iniciava nos anos 50 buscando a formação de engenheiros aeronáuticos altamente qualificados, seguidos por novas especializações em eletrônica, mecânica, infraestrutura e computação, com visão de que esses primeiros passos seriam decisivos para o futuro do país. Ao longo de 61 anos, o ITA formou mais de 5.000 engenheiros, além de 2.500 mestres e doutores. As contribuições das pesquisas estão nas mais diversas áreas: telecomunicações, informática, infraestrutura aeroportuária, automação bancária, transporte aéreo e indústria automobilística. A solução para os motores a álcool, por exemplo, surgiu no CTA, na década de 70. Em 2011, o ITA dará mais um passo importante: os primeiros engenheiros aeroespaciais concluirão o curso, prontos para as demandas do Programa Nacional de Atividades Espaciais. “Saí de lá convicto de que José da Silva não é pior do que John Smith”, afirma o ex-ministro e um dos fundadores da EMBRAER, Ozires Silva, ex-aluno do ITA.
A concepção do CTA surgiu em meados da década de 40 por meio do Coronel-Aviador Casimiro Montenegro. A ideia era criar uma escola de engenharia aeronáutica nos modelos do Massachussets Institute of Technology (MIT) e o Wright Field, nos Estados Unidos. À frente do seu tempo, o Coronel Casimiro Montenegro lutou para que o país alcançasse, além do avanço tecnológico, desenvolvimento educacional e científico.“O professor repetia sempre que se o Brasil quisesse fabricar aviões deveria, antes, fabricar engenheiros e técnicos”, lembra o ex-aluno de Casimiro, Ozires Silva.O Ministério da Aeronáutica contratou, em 1945, o professor americano Richard Herbert Smith, do MIT, para estruturar um plano de criação de um instituto e um centro de tecnologia aeronáutica.
O CTA seria o braço científico e técnico do Ministério da Aeronáutica. O anteprojeto de construção da unidade em São José dos Campos levou a assinatura de Oscar Niemeyer. As obras foram iniciadas em 47 e o primeiro instituto do CTA, o ITA, foi concluído em 1950. Em 1953, saiu do papel o primeiro órgão nacional voltado para a pesquisa e o desenvolvimento de tecnologia aeronáutica: o Instituto de Pesquisas e Desenvolvimento. Mais tarde, o Departamento de Aeronaves desse instituto deu origem à EMBRAER, criada em 1969. Ao longo dos primeiros 10 anos, o ITA firmou-se como uma escola de engenharia diferenciada. Adotava a estruturação acadêmica por departamentos. Professores e alunos moravam no campus, o que facilitava o regime de dedicação exclusiva e a interação inédita entre mestres e estudantes. A concessão de bolsas aos alunos foi outro ponto importante e inovador. Diferentemente da maioria das escolas de engenharia do país, o ITA tinha um currículo dinâmico que se renovava anualmente. O sucesso do modelo influenciou a orientação do ensino superior no país. Teve reflexos ainda na composição do novo currículo do curso de engenharia aprovado em 1976. A pós-graduação do ITA, estruturado no modelo americano, também foi pioneiro no país e influenciou a pósgraduação brasileira.

A educação venceu o medo de arriscar
Considerado o pai da informática no Brasil, o Major-Brigadeiro- Engenheiro Tércio Pacitti, de 82 anos, é da turma de 1952 do Insituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA). Doutor em ciência da computação pela Universidade da Califórnia, em Berkely, ele é autor de livros clássicos na computação brasileira: o “best seller” Fortran Monitor, por exemplo, vendeu mais de um milhão de exemplares entre 67 e 87.
Professor, pesquisador e reitor, Pacitti liderou a introdução da informática no ITA e foi responsável pela criação do curso de Engenharia da Computação. Em 61, trouxe o primeiro computador para o país. “Era um IBM 1620 com uma CPU que ocupava a sala inteira e uma impressora”, descreve. A máquina instalada num dos primeiros laboratórios de processamento de dados usados no ensino superior brasileiro seria usada ao longo de 10 anos. Do laboratório comandado pelo Brigadeiro, saiu a grande maioria dos técnicos e engenheiros que atuam no sistema de informações da Aeronáutica. Quando alguém o questiona se há uma receita para formar profissionais qualificados, Pacitti responde de bate pronto: “seriedade” e complementa: “O ITA é a vitória da educação”.

Aeronáutica: Década de 50 - Parte 2

Gloster Meteor
O jato que mudou a história da aviação de caça brasileira
O uso do trocadilho é inevitável: a apresentação do primeiro avião a jato do Brasil foi, para usar uma palavra da época, “tronitruante”, adjetivo que quer dizer ruidoso como um trovão. Não era para menos, o voo do Gloster Meteor em 1953 mudou a história da aviação militar brasileira. A Força Aérea se despedia das hélices para ingressar na “Era das Turbinas”. Começava a troca dos antigos caças P-47 Thunderbolt e Curtiss P-40 pelo jato de combate bimotor britânico. Até então, nenhum avião a jato havia sido operado no país. O algodão nacional foi a moeda usada para a compra das aeronaves. Quinze mil toneladas foram enviadas à Inglaterra em troca de 70 aviões – 60 aparelhos F-8, monoposto de caça e 10 TF-7, biposto. “Com isso, a Inglaterra penetrava no mercado brasileiro de aviões que era, até então, essencialmente suprido pelos Estados Unidos”, explica o historiador aeronáutico, Coronel-Aviador R/1 Aparecido Camazano Alamino, autor do livro “Gloster Meteor–O Primeiro Jato do Brasil”. As aeronaves vieram para o Brasil desmontadas e transportadas em navio. Foram montados na fábrica de aviões do Galeão, no Rio de Janeiro. O primeiro voo em território nacional foi realizado em maio de 1953 pelo piloto de provas da Gloster. A novidade estampou as manchetes da imprensa brasileira. O Cruzeiro, a principal revista da época, colocou a bordo de um dos Glosters um de seus repórteres fotográficos do país para registrar o voo do novo jato. “Não dispondo de nenhuma adaptação para a câmera no interior do TF-7, o fotógrafo Indalécio Wanderley foi obrigado a reagir fisicamente contra as tremendas forças de gravidade que sobre ele atuavam no decorrer das manobras, perdendo os sentidos por alguns segundos diversas vezes”, descreveu o repórter. As imagens dos jatos em formação no céu da zona sul carioca ilustraram a reportagem que ganhou o título “Esquadrão Relâmpago”. “O avião a jacto que o Ministro Nero Moura lançou nos céus do Brasil, trará para o mundo consequências ainda imprevisíveis. Transformou a face do planeta e tornou vizinhos antípodas”, afirmou a revista. A aquisição dos Gloster Meteor restabeleceu o equilíbrio regional na América do Sul, alterado pela compra de novos caças por países vizinhos. “Sonho de todo piloto na época, foi um orgulho ser pioneiro do avião a jato”, lembra o Tenente-Brigadeiro João Nunes, de 85 anos (2011). Por ser o principal avião de caça da FAB até 1970, o Gloster se transformou em sinônimo de aeronave de ataque.
O emprego como caça de interceptação era mínimo por causa da falta de uma rede de alerta antecipado. “Os radares de controle e alarme eram antigos e sujeitos a falhas” aponta o historiador Rudnei Cunha, no site História da Força Aérea. Assim, os caças foram empregados em missões de ataque ao solo. O último voo do Gloster Meteor ocorreu em 1971. A aquisição não revolucionou apenas a aviação militar. As companhias aéreas também tomaram grande impulso a partir da experiência da Força Aérea. Para operar jatos, a FAB teve de montar uma logística de combustíveis e lubrificantes, porque os motores eram movidos a querosene de aviação, inexistente no país à época. Importado, o combustível era mais seguro, mas requeria cuidados no armazenamento e manuseio. No início, só as Bases Aéreas do Galeão e de Santa Cruz foram preparadas para abastecer os jatos. Logo depois, o Parque de Aeronáutica de São Paulo também. Já no final de 1954, a Base Aérea de Canoas, no Rio Grande do Sul. Em meados da década de 50, os principais aeroportos civis e bases aéreas do país já dispunham de infraestrutura necessária para a operação de jatos.

Esquadrilha da Fumaça
De “cambalhoteiros” a Embaixadores da aviação militar brasileira
Hora do almoço na Escola de Aeronáutica, no Rio de Janeiro. Início da década de 50. Depois das instruções da manhã, no Campo dos Afonsos, aviões de treinamento avançado tomavam o céu da Barra da Tijuca num balé acrobático. A bordo de monomotores North American T-6 Texas, instrutores motivavam seus cadetes com um show de perícia e técnica. Liderado pelo então Tenente Mário Sobrinho Domenech, os chamados “cambalhoteiros” executavam à exaustão manobras da aviação de caça. Primeiro com duas aeronaves, depois com quatro. Assunto nas rodas de conversa da escola, a equipe obteve autorização para a primeira demonstração sobre os Afonsos graças à intervenção do futuro ministro da Aeronáutica, o então Tenente-Coronel Délio Jardim de Mattos, fascinado por acrobacias aéreas.
O show realizado em maio de 1952 marcou o nascimento do Esquadrão de Demonstração Aérea (EDA), a Esquadrilha da Fumaça. A partir daquele momento, o grupo passou a se apresentar em solenidades importantes da escola. Em 1955, a esquadrilha ganhou cinco aeronaves exclusivas que receberam pintura especial. “Mesmo com mau tempo, fizemos todas as acrobacias, o público vibrava quando os aviões saíam do meio das nuvens com os faróis ligados”, lembra-se o hoje Coronel da Reserva João Luiz Moreira da Fonseca, líder da Esquadrilha na época, ao falar de uma demonstração no Parque do Ibirapuera, em São Paulo.
Com a marca de “fumaceiro” na alma, ele que tem hoje 86 anos (2011), ainda realiza manobras a bordo de um ultraleve todo fim-de-semana no Clube da Aeronáutica, na Barra da Tijuca (RJ). Nos primórdios, conta o Coronel João Luiz, os aviões demoravam muito para ganhar altura e isso dificultava a visão e o acompanhamento pelo público. Para facilitar a observação dos espectadores, o EDA desenvolveu um equipamento para que os aviões produzissem fumaça e incluiu na apresentação uma aeronave isolada. Enquanto um piloto realizava acrobacias, outros quatro ganhavam altura para a próxima sequência de manobras em grupo. Logo os mecânicos começaram a chamar o esquadrão de “Esquadrilha da Fumaça”. Em seguida, o Brasil inteiro já conhecia o EDA pelo apelido. Por causa do sucesso das apresentações também no exterior, o grupo recebeu o título de Embaixadores do Brasil nos céus. As acrobacias estão no Guinness Book of Records, o livro dos recordes mundiais. O voo de dorso em formação com dez aviões durante 30 segundos foi registrado em 1999. A marca recorde foi quebrada mais duas vezes pela própria Esquadrilha, em 2002 e 2006.

Texto: Marcia Silva, tenente-jornalista da FAB

Fonte: Revista Aerovisão / Janeiro de 2011


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