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Voar é um desejo que começa em criança!

domingo, 18 de fevereiro de 2024

Especial de Domingo

Selecionamos para este e mais alguns domingos próximos os textos publicados na edição especial da Revista Aerovisão, em janeiro de 2011, retratando a admirável trajetória da aviação no Brasil após a criação do Ministério da Aeronáutica.
Boa leitura.
Bom domingo!

Aeronáutica: Década de 40 - Parte 1

Ministério da Aeronáutica impulsionou a aviação civil e militar
Faltavam pilotos, aeronaves, pistas, equipamentos, mão-de-obra especializada, normas de segurança, indústrias para o setor e pesados investimentos, dentre outros problemas, no momento em que o Ministério da Aeronáutica foi criado, em 20 de janeiro de 1941. Pelo mundo, a aviação avançava como promissor e revolucionário meio de transporte, além de estratégica ferramenta para a defesa das nações. No Brasil, as áreas correlatas ao setor estavam distribuídas ou sequer existiam ainda. Era preciso recomeçar e repensar o modelo que levaria o país ao seu futuro. Nas palavras do primeiro Ministro da Aeronáutica, Joaquim Pedro Salgado Filho, os desafios eram muitos. “A aviação civil, na época, era mais voltada para a área esportiva em incipientes aeroclubes. Os pilotos comerciais recebiam treinamento dentro das próprias companhias que os empregavam. Era imprescindível despertar o interesse da juventude para a carreira de aviador. Havia um medo generalizado por essa atividade, devido ao número assustador de acidentes aviatórios, a maior parte causada pela imprudência dos pilotos. Reverter esse quadro seria um desafio difícil de ser vencido e dependeria de uma grande campanha de divulgação das vantagens desse meio de transporte e do progresso que a aviação representava”, disse. Naquele momento, a fabricação de aviões de treinamento era incipiente. As empresas existentes não produziam motores e dependiam das importações. Além disso, o número de aviões era insuficiente, faltavam mecânicos e especialistas para a frota. Na aviação militar, Exército e Marinha tinham suas próprias escolas de pilotos, oriundas de diferentes linhas de instrução – uma francesa e outra alemã e inglesa. A ideia de um ministério específico para o setor não era uma novidade.
As discussões no Brasil começaram no final dos anos 20 e ganharam força na década seguinte (1935), com o lançamento de uma campanha para a criação do Ministério do Ar, sob a influência de países como a França. Por aqui, persistiam as discussões a respeito de qual instituição lideraria o processo. As atividades correlatas à aviação estavam distribuídas - o Ministério da Viação e Obras Públicas, por exemplo, incluía o Departamento de Aviação Civil (DAC), criado em 1931. Naquele momento, com a criação do novo órgão, Salgado Filho assumiu o Ministério da Aeronáutica brasileira – a aviação civil, a infraestrutura, a indústria nacional do setor e as escolas de formação de mão-de- obra – e do seu braço-armado, a Força Aérea Brasileira (FAB), criada a partir das aviações da Marinha e do Exército que já existiam. A ele, coube a difícil tarefa de edificar o alicerce do poder aéreo brasileiro. Nesse contexto, a Segunda Guerra trouxe ao país um grande incentivo para organizar a sua aviação, sobretudo depois de iniciada a batalha do Atlântico Sul. Com o afundamento de navios brasileiros, a aviação militar teve de assumir o patrulhamento do litoral e, mais tarde, acabou enviada à Itália, para combater com os aliados.

Expansão
Em 1941, a Aeronáutica criou a Diretoria de Rotas com a missão de promover o desenvolvimento da infraestrutura e da segurança da navegação aérea. De 1942 a 1943, mais de cem aviões Fairchild PT-19, um biplace monoplano de asa baixa, foram trazidos em voo dos Estados Unidos para a instrução primária de pilotos brasileiros. Até 1947, 220 foram produzidos na Fábrica do Galeão, dentro do esforço de guerra e pelo crescimento da aviação no país. Na mesma década, a fábrica de aviões de Lagoa Santa (MG) entrou em funcionamento e produziu aeronaves T-6. A Campanha Nacional de Aviação, liderada pelo Ministério da Aeronáutica, reunia empresários, aeroclubes e o próprio governo para a expansão do setor no país. Por trás das ações, estava o esforço de guerra - ocorreram campanhas de arrecadação em todo o país, de dinheiro, de alumínio para a construção de aviões, de doações de aeronaves. “É preciso que se compreenda que cada avião de treinamento básico adquirido e doado a aeroclubes significa, no mínimo, a formação de três pilotos para a nossa reserva da Aeronáutica. O curso de piloto civil feito nos aeroclubes pode ser considerado o jardim de infância da ciência aviatória. Incentivar a formação de pilotos civis em nosso país significa garantir a formação de pilotos militares da reserva da Aeronáutica. Necessitamos, desesperadamente, nesse momento, de pelo menos dois mil pilotos para se estruturar a defesa do Brasil”, afirmou o ministro. O Ministério da Aeronáutica refundou as escolas de formação, de pilotos e de especialistas, criou normas para evitar a competição predatória entre as empresas aéreas, inaugurou novas fábricas e escolas civis. O Brasil firmou acordos internacionais sobre transporte aéreo com diversos países, como França, Estados Unidos, Suécia, Dinamarca, Noruega, Países Baixos, Portugal, Suíça e Grã-Bretanha. O Correio Aéreo Militar, antes realizado pelo Exército (no interior) e pela Marinha (no litoral), é transformado no Correio Aéreo Nacional.
De 1942 a 1949, a Companhia de Aeronáutica Paulista produziu 777 aviões “Paulistinhas”, um monoplano de asa alta, que serviu à formação inicial de pilotagem em aeroclubes ao longo da Segunda Guerra. Alguns desses “Paulistinhas” chegaram a ser exportados. Logo nos dois primeiros anos de existência, o Ministério da Aeronáutica adquiriu 500 aviões de treinamento e os distribuiu para 400 cidades em todo país. Diversas concessões foram fornecidas para a exploração do transporte aéreo no país. No decorrer de 1942, as linhas aéreas ultrapassaram as fronteiras do país, chegando aos países vizinhos, aos Estados Unidos (1943) e à Europa (1946). Ao longo de 1943, a Força Aérea recebeu aeronaves para preparação de seus pilotos, particularmente para o patrulhamento da costa e treinamento de aviadores. O litoral era vigiado por dirigíveis, ou Blimps, que utilizavam radares para a localização de submarinos e que ajudavam em operações de salvamento de náufragos, vítimas dos ataques inimigos.
No mesmo ano, a FAB criou sua primeira unidade de caça. Depois de receberem treinamento nos Estados Unidos e no Panamá, os militares brasileiros foram enviados à Itália. Quando o ministro Salgado Filho deixou a pasta, no final de 1945, existiam 580 aeroportos funcionando no país, a maioria com pistas asfaltadas (70%). A Escola de Aeronáutica dos Afonsos havia quadruplicado a capacidade de formação de pilotos, chegando a 200 alunos.
A Escola Técnica de Aviação de São Paulo, importada dos Estados Unidos, chegou a formar 3.500 especialistas. “O Brasil está empenhado em grandes preparativos para tornar-se uma potência aérea independente”, chegou a afirmar o ministro. Com mais investimentos, aeronaves e pilotos, as horas de voo na Escola de Aeronáutica dos Afonsos, no Rio de Janeiro, saltaram de 3,6 mil em 1940 para 25,9 mil em 1943. “Deixei uma frota de cerca 1.500 aviões militares em condições de uso, cerca de 3.000 pilotos treinados e 15 bases aéreas instaladas”, disse o ministro. Na década de 40, o Ministério aprovou regulamento para o Serviço de Investigação de Acidentes Aeronáuticos, uma atividade voltada para a prevenção de acidentes.

Aeronáutica: Década de 40 - Parte 2
A participação da Força Aérea Brasileira na Segunda Guerra pode ser dividida em dois importantes capítulos: a batalha do Atlântico Sul, na costa brasileira e a campanha na Itália,apoiando os aliados e a Força Expedicionária Brasileira (FEB) na luta contra o nazismo. São histórias de heróis anônimos, treinados em meio ao combate, que voaram com o que tinham à mão no início e viram nascer o poder aéreo brasileiro depois da aquisição do que havia de melhor para a defesa do país.

A caçada aos submarinos inimigos no Atlântico Sul
A Segunda Guerra chegou às portas do Brasil em 1942. Ao longo de três anos, 71 embarcações foram atacadas em águas brasileiras por submarinos inimigos. No total, o país perdeu mais de 30 navios ao redor do mundo na batalha do Atlântico Sul, a maior parte deles no próprio litoral, a um custo de quase 1.500 vidas.
Com apenas um ano de criação, e em fase de reestruturação, a Força Aérea Brasileira (FAB) foi convocada para patrulhar o litoral brasileiro. “A guerra submarina, perversa e implacável, prossegue num crescente vertiginoso”, afirmou Ivo Gastaldoni, piloto de patrulha da Força Aérea e veterano da Segunda Guerra. Em apenas três dias do mês de agosto de 1942, o U-507 alemão afundou seis navios e matou 627 pessoas. A sequência de ataques foi decisiva para que o Brasil declarasse guerra aos países do Eixo, em 22 de agosto. O Brasil tinha como vizinhos as Guianas Francesa e Holandesa, ambas sob o controle nazista e que serviam como posto de abastecimento de submarinos inimigos. Os navios cargueiros com destino aos Estados Unidos, e de lá para o Brasil, precisavam de escolta aérea e naval. No esforço de guerra, o Brasil criou novas bases aéreas, recebeu equipamentos e treinamento por meio de convênio firmado com os Estados Unidos. Unidades aéreas americanas foram enviadas ao país. Nascia a aviação de patrulha. “As dificuldades eram de toda ordem: de língua, de auxílios para instrução, além das ordens técnicas e manuais de operação em inglês, ininteligíveis para 90% do pessoal. Some-se a isso a heterogeneidade de pilotos e mecânicos e pode-se ter uma visão do quadro caótico”, escreveu Gastaldoni, ao falar do início dos trabalhos com as tripulações.
Uma nova unidade criada em Recife assumiu os bombardeiros B-25 em uma verdadeira corrida contra o relógio. A instrução em voo era feita sobre o mar para que as tripulações já pudessem vigiar as águas brasileiras, com artilheiros com o dedo no gatilho, prontos para atirar. Em menos de quatro meses, começou o revide. Escoltas e patrulhas marítimas vigiavam as águas brasileiras, dia e noite, e buscavam proteger as embarcações. O submarino italiano Barbarigo foi avistado na superfície e atacado pela tripulação de um B-25 perto da Ilha de Fernando de Noronha.
As bombas lançadas caíram bem próximas do alvo, que revidou com tiros de canhão. Na medida em que a recém-criada aviação de patrulha da FAB aumentava sua eficiência no Nordeste, os submarinos inimigos iam descendo para sul do país. Agora, aeronaves Catalina ajudavam nos combates. Unidades americanas, espalhadas de norte a sul, apoiavam a campanha.
Depois de julho de 1943, os submarinos praticamente sumiram das águas brasileiras. Na guerra contra os submarinos, os pilotos brasileiros realizaram cerca de 15 mil patrulhas. Onze submarinos foram afundados, mas um número maior de ataques ocorreu, não tendo sido possível a confirmação de avarias. Dos cerca de 3.000 navios mercantes afundados na Segunda Guerra, mais de 50% foram vítimas de submarinos.

Aeronáutica: Década de 40 - Parte 3
A campanha na Itália,apoiando os aliados e a Força Expedicionária Brasileira (FEB) na luta contra o nazismo.

“Senta a Pua! Brasil”, a campanha na Itália
Isolados do mundo, os pilotos esperavam. Na angústia dos minutos que não passavam, permaneciam incomunicáveis em uma unidade americana, depois de meses exaustivos de treinamentos. Não poderia ser diferente, pois entre eles e a Europa, onde iriam para a guerra, existia o imenso Atlântico e a ameaça dos submarinos inimigos. O clima de expectativa ainda está na memória do Major-Brigadeiro-do-Ar José Rabelo Meira Vasconcelos, veterano do Primeiro Grupo de Aviação de Caça (1º GAVCA), a primeira unidade de caça do país e que lutou na Itália na Segunda Guerra. “Ninguém sabia para onde ia. Era um segredo total”, afirmou. Em setembro de 1944, os militares da Força Aérea partiram sob o comando do então Tenente-Coronel-Aviador Nero Moura.
“Só o nosso navio tinha 5 mil homens. Eram trinta e poucos navios juntos”, disse Meira. Foram 17 dias de viagem até o desembarque no Porto de Livorno, na Itália, em 6 de outubro. Sete dias depois do início dos combates para os brasileiros, veio a primeira baixa. O Segundo-Tenente-Aviador John Richardson Cordeiro e Silva acabou abatido pela artilharia antiaérea perto de Bolonha. Voava como ala na 21ª missão do Grupo de Caça, a primeira que realizava na guerra. “O inimigo nos tirou um dos pilotos mais queridos. Pagaria caro por isso. E pagou. Mantivemos a promessa até o fim da guerra”, escreveu o Major-Brigadeiro-do-Ar Rui Moreira Lima, veterano da unidade e que realizou 94 missões. A segunda baixa veio logo no dia seguinte. O Primeiro-Tenente Oldegerd Olsen Sapucaia, em missão de treinamento, teve problemas com os comandos de seu P-47 em um mergulho. Mais dois pilotos morreram nove dias depois.

A virada
O 1º GAVCA realizou a primeira missão como unidade independente no dia 11 de novembro de 1944. Nas asas dos P-47 Thunderbolt, os pilotos brasileiros escreveram, com sangue e suor, um dos mais heróicos capítulos do Brasil na Segunda Guerra. Participaram de mais de 400 missões, perderam nove pilotos desde o início da jornada no Panamá. Cinco outros pilotos acabaram presos em hospitais e campos de concentração. “A guerra é uma das coisas mais reais e bárbaras que existem”, disse o Major-Brigadeiro Rui. Pelo valor em combate, depois da guerra, o Grupo de Caça tornou-se uma das três únicas unidades estrangeiras a receber a Presidential Unit Citation, criada pelo governo americano em reconhecimento ao heroísmo em combate. “Como o número de pilotos cada vez diminuía mais, cada um deles teve de voar mais de uma missão diária, expondo-se com maior frequência. Em muitas ocasiões, como comandante do 350th Fighter Group, eu fui obrigado a mantê-los no chão quando insistiam em continuar voando, porque eu acreditava que eles já haviam ultrapassado os limites da resistência física”, escreveu o Coronel Ariel Nielsen, na recomendação da unidade para a comenda.
“No período de 6 a 29 de abril de 1945, o Primeiro Grupo de Aviação de Caça voou 5% das surtidas [...] e, no entanto, dos resultados obtidos por este Comando foram oficialmente atribuídas aos brasileiros 15% dos veículos destruídos, 28% das pontes destruídas, 36% dos depósitos de combustíveis e 85% dos depósitos de munição danificados”, escreveu. Em apoio à Força Expedicionária Brasileira (FEB), a FAB enviou à Itália uma Esquadrilha de Ligação e Observação (1a ELO).

Texto: Tenente-Jornalista Alessandro Silva

Fonte: Revista Aerovisão / Janeiro de 2011

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