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Voar é um desejo que começa em criança!

domingo, 15 de dezembro de 2024

Especial de Domingo

Nos textos de hoje, uma síntese da história do voo a vela, selecionados da FBVP - Federação Brasileira de Voo em Planadores e, também, da Revista Pesquisa FAPESP.
Boa leitura.
Bom domingo!

História do Voo a Vela

O Começo
Otto Lilienthal voando morro abaixo
Toda vez que alguém começa falando da história do voo cita Ícaro, Santos Dumont e seus contemporâneos. Como aqui vai se falar de voos sem motor, vamos ao que interessa. Otto Lilienthal foi um pioneiro da aviação e pode-se dizer que foi com ele que o voo à vela começou. Pequenas multidões já eram atraídas aos locais de exibição. 
Planador Primário
O voo a vela era uma simples curiosidade em virtude da precariedade dos planadores. A aviação motorizada, que surgiria logo mais, já vislumbrava o cruzamento de oceanos em voos de carga e passageiros. As pessoas teriam na garagem do futuro, além do carro, um dirigível ou avião.

Décadas de 20 e 30
A aviação do mais pesado que o ar nasceu no início do século XX e causou um impacto que reflete nos dias atuais. Poucos anos depois dos primeiros voos movidos a motor, estoura a primeira guerra com utilização tímida de aviões. Essa realidade muda rapidamente: de inocentes observadores do campo de batalha os pilotos militares passam a portar pistolas e rifles, depois bombas e metralhadoras. Acabado o conflito e mediante a constatação do poder destruidor da nova arma, o Tratado de Versalles limita severamente aviões na Alemanha. Este fato impulsionou o voo à vela por lá. “Se não podemos voar com motores, voaremos sem eles!” era a palavra de ordem e o patriotismo deu uma força adicional.
No começo dos anos 20 os planadores ainda tinham um aspecto primitivo, mas o avanço era rápido. Do Scharze Teufel (1920) até o Windspiel (1932) decorreram somente doze anos e já estava definido o desenho moderno que ainda hoje prevalece: asas altas e longas, cabine fechada, linhas graciosas demonstrando preocupação quase neurótica com a aerodinâmica.
O assunto despertava intensa curiosidade, atraia muitos candidatos a pilotos e grande número de curiosos aos campos de voo, especialmente a Wasserkuppe. As universidades, Darmstadt por exemplo, e engenheiros começaram a desenvolver projetos para testar conceitos, tais como asas voadoras como o Horten III, asas delta ou asas de geometria variável como no D-30, e novos materiais. Com pouquíssimos recursos, trabalho em equipe e disciplina, valores que ainda são muito valorizados, os resultados começaram a chamar a atenção da imprensa. Já em 1934 o recorde de permanência era de mais de 36 horas (Prússia Oriental), 352 km de distância (Alemanha) e de 4.350 metros de altura (Rio de Janeiro/Brasil). O céu parecia não ter limites e a liberdade conquistada era indescritível. Da prática nas encostas dos morros, passou-se a voar em campo aberto. A febre atravessou fronteiras, começam a surgir clubes de voo à vela em outros países, campeonatos nacionais e em 1937 o primeiro campeonato mundial com 21 planadores e respectivas equipes de apoio e pilotos.

Expedição Alemã à América do Sul
Da reportagem acima (O Globo, 23/1/1934) destacamos os seguintes integrantes da Expedição Alemã à América do Sul:

·Walter Georgii: Meteorologista e chefe da Expedição. Deu embasamento científico aos fenômenos atmosféricos utilizados em voos de colina, em entrada de frentes frias e em térmicas. Estudou o fenômeno do voo em onda e na época já era reconhecido internacionalmente. Foi o responsável por uma intensa troca de conhecimentos entre a ciência da meteorologia e o voo à vela. Ele é o senhor sorridente de gravata borboleta sentado ao centro da foto.

·Wolf Hirth: Piloto recordista, projetista e construtor de planadores. Foi o co-fundador da Schempp-Hirth, empresa que fabrica planadores com tecnologia de ponta desde a década de 30. São deles o Ventus, Discus, Duo-Discus e Nimbus que hoje participam de campeonatos mundiais. Segundo da direita para esquerda.

·Heini Dittmar: Considerado o melhor piloto de planadores de sua geração. Foi o primeiro ser humano a bater a marca de 1.000 km/h a bordo do Me-163 em 1941. Sentado à esquerda do Prof. Georgii. 

·Peter Riedel: Desenvolveu a técnica de reboque por aviões juntamente com Gunther Groenhoff possibilitando voos mais ousados. Em 1937, como piloto convidado pela Soaring Society no Campeonato Nacional em Elmira, Estado de Nova Iorque, obteve o maior número de pontos entre os participantes e só não foi declarado campeão pelo fato de ser estrangeiro. Extrema esquerda na foto acima.

·Hanna Reitsch: Com vinte e dois anos incompletos, era a única mulher da equipe. Já despertava admiração em um ambiente predominantemente masculino pelas habilidades em voo. Pilotou inúmeros protótipos de aeronaves famosas nos anos seguintes como a V-1 tripulada e o Me-163. Na foto, está na extrema direita. 

Definitivamente um time campeão com equipamento extremamente sofisticado para a época.

O destino final da Expedição era Buenos Aires, mas estava programada uma parada no Rio de Janeiro para melhor conhecimento das condições de voo dos trópicos.

O ambiente no Rio de Janeiro, em janeiro de 1934, na chegada da Expedição ao porto era singular. A seleção brasileira preparava a participação na Copa do Mundo e o clima era de pré-carnaval. Embora contassem com apoio do jornal carioca O Globo, a burocracia da aduana, indiferente, não liberava o equipamento apesar dos apelos. Eles já haviam feito reconhecimento pela região a bordo de aviões do Sindicato Condor, estavam aflitos para aproveitar o tempo e seguir adiante até a Argentina. Foi preciso interferência de altas autoridades para que o material ficasse disponível para dar início aos voos.

E a espera valeu a pena. Aos 16 de fevereiro Heini Dittmar, a bordo do planador Condor, chega a 4.350 metros após o desligamento. Só não seguiu mais alto em virtude do frio e da falta de oxigênio. Recorde mundial que perduraria por mais de três anos! No mesmo dia Hanna Reitsch, com o Grunau, ganha 2.200 metros e registra o recorde mundial feminino.

O voo do Dittmar foi feito por dentro de um cumulus-nimbus e acompanhado pelo lado de fora da nuvem por Gustav Wachsmuth pilotando o M-23. A turbulência foi acentuada e por vários momentos o variômetro ficou cravado nos 5 m/s, limite do instrumento.

Nos dias seguintes a equipe continuou a realizar voos nos planadores e medições meteorológicas com o rebocador. Era a primeira vez que analisavam a dinâmica da atmosfera em clima quente e os resultados se mostravam surpreendentes.

Decolando do Campo dos Afonsos, onde estavam centralizadas as operações, e voando no limite do planador como sempre, Peter Riedel foi surpreendido em cima do Hipódromo da Gávea pela piora das condições climáticas. Desceu no gramado e foi resgatado pelo ar quando o tempo melhorou no dia seguinte.

São Paulo era uma cidade rica e curiosa pelas novidades. Foram contratados para uma curta temporada, chegaram por terra com as carretas e planadores e em baixo de chuva. Os voos se sucederam no Campo de Marte com a presença da colônia alemã, do prefeito, imprensa e população. Depois das aventuras de Peter Riedel, que foi parar em Tatuí com o Fafnir, e da Hanna Reitsch, que pousou com o Grunau no Parque Dom Pedro interrompendo um jogo de futebol, eles viraram celebridades.

Na Argentina operaram a partir da Base Aérea de El Palomar, nas imediações de Buenos Aires. Peter Riedel, sempre ele, em uma demonstração para altas patentes militares, notou que as condições de voo estavam boas para navegar. Boas demais para uma demonstração maçante. Não pousou na pista até o anoitecer e foi dado como desaparecido. Depois avisou por telex que havia descido em uma “hacienda”. Lá como aqui a imprensa acompanha tudo interessada.

Durante os anos trinta foram organizadas diversas viagens ao exterior: Brasil e Argentina em 1934, Estados Unidos, Japão em 1935, países escandinavos, Líbia em 1939, mas nenhuma produziu os resultados da Expedição Alemã à América do Sul com quebra de recordes mundiais e artigos escritos em revistas especializadas sobre a meteorologia tropical.

A passagem da Expedição por São Paulo foi tão marcante que na volta à Alemanha Heini Dittmar quebrou o recorde mundial de distância com a última versão do Fafnir. O Prefixo era D- SÃO PAULO.

Início no Brasil
O Esporte teve seu inicio na década de 30, no Estado de São Paulo através do Aeroclube Politécnico de Planadores, em seguida o Aeroclube de Bauru e Aeroclube CVVCTA em São Jose dos Campos.

No Rio Grande do Sul, a primeira incursão no voo a vela foi no início dos anos 30, na cidade de Santa Cruz do Sul, um grupo de 6 rapazes se reuniram para construir um planador primário, modelo tipo Grunau 9. Eram os irmãos Ottomar e Hugo Reichart, Kolberg e Stahl. Eles dispunham de apenas uma foto publicada em um jornal alemão. Deste modo, para terem uma ideia das dimensões do planador, mediram a altura de uma pessoa sentada e, transferindo esta estimativa para a foto, obtiveram uma escala. Era o ano de 1934. Havia uma escola de pilotagem na Varig Aero Esporte (VAE) em Porto Alegre. Em 1941 iniciou-se o Aeroclube de Santa Cruz do Sul. De lá para cá, surgiram muitos aeroclubes de voo a vela no Brasil.

Fonte: FBVP / Extraído do Livro "Asas da Conquista" de Marcelo Torreta, piloto de planador


Revista Pesquisa FAPESP:
VOOS SEM MOTOR
Nos anos 30 do século XX, o Brasil descobria o prazer de pilotar planadores e começava a criar as bases da indústria aeronáutica brasileira

Na década de 30 do século passado, a aviação já estava madura e os aviões eram sempre aperfeiçoados, ganhando novas tecnologias. Mas no Brasil, terra de Alberto Santos-Dumont, inventor do avião em 1906, faltava um curso superior que contemplasse a aeronáutica. Em 1932, a então Escola de Engenharia Mackenzie (atual Universidade Presbiteriana Mackenzie) decidiu que já era hora de criar o primeiro curso de engenharia aeronáutica do Brasil. O curso acabou por dissolver-se e não formou nenhuma turma. Faltavam normas para respaldá-lo, o que acabou tornando-o estranho à legislação vigente na época. Por trás dessa tentativa de atender às necessidades da aviação no país havia um grupo de engenheiros e estudantes fundadores do Clube Mackenzie de Planadores, em 1931.

Presidido pelo francês George Corbisier, formado na escola paulista, e com Henrique Santos-Dumont, irmão de Alberto, na diretoria, essa turma construiu um dos primeiros planadores brasileiros, de acordo com registro da Revista de Engenharia Mackenzie (junho de 1934). Embora tenha sido levado a termo, não há registro fotográfico do avião voando, mas apenas de sua construção em um galpão. Em 1932, além da tentativa de se montar o curso de aeronáutica, o grupo fez a primeira “festa de planadores” de São Paulo, no campo de Marte – o avião usado foi o EAY-101. Essa pequena febre pelo voo a vela, como também é chamado o voo sem motores, levou o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) a receber, em 1934, encomendas do Clube Politécnico de Planadores, criado por alunos do último ano de engenharia civil da Escola Politécnica.

A Seção de Madeiras foi encarregada de reformar e fabricar hélices de madeira dos planadores alemães em uso no Brasil. Com o tempo, os alunos passaram a construir seus planadores no IPT. A Seção de Madeiras evoluiu para a pesquisa de novos materiais que pudessem substituir a madeira original e, logo, criou-se a Seção de Aeronáutica, que começou a trabalhar no protótipo do primeiro avião a motor.

Em 1938, o IPT-0, chamado também de Bichinho, voou pela primeira vez, equipado com motor norte-americano. Foi o primeiro de uma série de aviões projetados e construídos no instituto.

As iniciativas do Mackenzie e do IPT foram um importante impulso para uma das maiores conquistas tecnológicas já alcançadas no Brasil: a criação e posterior consolidação da indústria aeronáutica nacional.

Este texto foi originalmente publicado por Pesquisa FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original clicando aqui.

Fonte: Neldson Marcolin / Revista Pesquisa FAPESP

Saiba mais: O IPT na Aviação (Especial de Domingo) e  Georges Corbisier (Biblioteca Ninja)

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