Estudo atual lembra teoria de voo, de 1890, deduzida por Gastão Madeira
Um estudo de engenheiros, em 2024, lembra as deduções de teoria de voo entabuladas, em 1890, pelo brasileiro e ubatubense Gastão Galhardo Madeira, a respeito do voo dos pássaros. O trabalho atual de uma equipe formada pelos engenheiros da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, Eric Chang e Diana G. Chin, e David Lentink, da Universidade de Groningen, na Holanda, diz que “A transformação reflexiva inspirada em pássaros permite o voo sem leme”. O estudo foi publicado, dia 20 de novembro de 2024, pela revista Science Robotics. Os pássaros exibem voo planado controlado sem uma cauda vertical, diferentemente dos lemes necessários em aviões que amortecem as oscilações do rolamento. Para realizar o voo sem leme, os engenheiros desenvolveram um robô aéreo bioinspirado com asas e cauda que se transformam, chamado PigeonBot II. O robô consiste em um esqueleto biomimético e penas de pombo reais que formam asas que podem se espalhar e uma cauda que pode se espalhar, elevar, inclinar e desviar de um lado para o outro como um pássaro. Experimentos iniciais em um túnel de vento turbulento mostraram que a inclinação e o desvio reflexivos da cauda combinados com a transformação da asa permitiram um voo estável. Testes de voo ao ar livre demonstraram, ainda, que o controlador reflexivo autônomo forneceu estabilidade ao robô durante a decolagem, o cruzeiro e o pouso.
Síntese
O estudo de Chang, Chin e Lentink, em síntese, diz:
“Os pássaros planadores não têm cauda vertical, mas voam de forma estável sem leme em turbulência, sem precisar de flaps discretos para manobrar.
Em contraste, quase todos os aviões precisam de caudas verticais para amortecer as oscilações do rolamento e controlar a guinada.
As poucas exceções que não têm cauda vertical alavancam atuadores de guinada baseados em arrasto diferencial ou suas planagens fixas são cuidadosamente ajustadas para rolamento passivamente estável e guinada acentuada.
Os biólogos levantam a hipótese de que os pássaros estabilizam e controlam o voo planado sem lemes, usando seus reflexos de asa e cauda, mas nenhum avião sem leme tem uma asa ou cauda que pode mudar de forma como um pássaro.
Nosso robô biohíbrido sem leme, PigeonBot II, pode amortecer sua instabilidade de rolamento (causada pela falta de cauda vertical) e controlar o voo transformando sua asa e cauda biomiméticas reflexivamente como um pássaro.
O controlador reflexivo adaptativo inspirado em pássaros foi ajustado em um túnel de vento para mitigar perturbações turbulentas, o que permitiu que o PigeonBot II voasse autonomamente na atmosfera com poses semelhantes às de pombos.
Este trabalho é uma confirmação mecanicista de como os pássaros realizam o voo sem leme, por meio de funções reflexivas, e pode inspirar aeronaves sem leme com assinatura de radar reduzida e eficácia aumentada.”
Gastão Madeira em 1892
Desenhos da teoria de Gastão Madeira (1892)
e o PigeonBot II (2024)
Os autores, em 2024, afirmam que, ao contrário dos aviões, os pássaros podem planar sem leme ao transformar continuamente as formas de suas asas e caudas. (...) O que sugere que eles aproveitam uma solução mais versátil aplicável a uma gama excepcionalmente ampla de formatos de asas.
Na transição do século XIX para XX foi publicada, em 1892, uma teoria de voo formulada, dois anos antes, pelo inventor nascido em Ubatuba (SP), Gastão Galhardo Madeira, que viveu entre 1869 e 1942. Ele se baseou na observação do voo dos pássaros, propondo uma aplicação para a dirigibilidade de aeróstatos (balões) e concebeu um aparelho, chamado de Aviplano, baseado num sistema de estabilidade de aeroplanos.
Com o que era possível em termos de experimentos na época, Gastão construiu centenas de modelos em papel para demonstrar sua teoria com os “fundamentos do voo das aves”. Ele observou atentamente o voo dos pássaros, estudou as leis de equilíbrio e de mecânica da natureza viva. Para Gastão, a razão fundamental em virtude da qual a ave se guia é o seu centro de gravidade (CG). Afirmava que esse CG se acha no encontro das asas, quando a ave se encontra em ambiente calmo. Todavia, para satisfazer as leis de equilíbrio, ora o CG vai para frente, ora vai para trás.
Gastão Madeira registrou: logo que a ave se joga no espaço, a cauda, em razão da pressão que exerce na atmosfera, faz o peso do corpo [CG] mudar de lugar, conservando-se mais na frente do que atrás. Também observou que o sistema de aviação oferece muitas dificuldades, não só quanto à elevação vertical, pelo movimento de asas, como pela direção horizontal. De forma que é dificílima a imitação do voo das aves, por causa do bater de asas, sua dimensão relativa, entre outros quesitos.
Assim como os autores do estudo publicado, em 2024, Gastão Madeira, em 1892, disse e ilustrou que, conforme a intensidade dos ventos, os pássaros os vencem com as asas encolhidas ou distendidas. E este efeito Chang, Chin e Lentink reproduziram com um pássaro-robô experimental. A respeito da cauda dos pássaros, Gastão relatou que “a observação mostra, no ato do voo, dois movimentos principais da cauda, exercidos da direita para a esquerda e vice-versa sobre o eixo imaginário.” Esta característica também foi ensaiada no pássaro-robô PigeonBot II de Chang, Chin e Lentink com atributos de abrir e comprimir as penas da cauda mimetizada. Segundo Gastão Madeira, a forma e as deslocações do centro de gravidade alteram a direção do corpo, fazendo-o mover-se de várias maneiras. Referindo-se à ave pairadora, com apoio da cauda, Gastão assegurava que as três pressões, das duas asas e da cauda, e a natural deslocação do peso, é que dão, em consequência, uma queda bastante distanciada da vertical.
Para explicar sua teoria, o inventor ubatubense propunha setas com penas afixadas em uma de suas extremidades. Já com a tecnologia e os conhecimentos de 134 anos depois, Chang e equipe conseguem colocar penas numa máquina voadora que imita exatamente o corpo de um pássaro.
Na sua teoria de 1890, Gastão Madeira, pensando na aplicação da dirigibilidade de balões, dizia que “sendo a deslocação do centro de gravidade e, conjuntamente, como auxiliares, as asas e a cauda, que dirigem a ave, é facílima sua aplicação ao aeróstato, e, portanto, não se exigirá muito de mecânica, cujo aperfeiçoamento moderno é extraordinário.”
Aviplano
Com o advento do voo do 14-bis de Santos Dumont, em 1906, e o desenvolvimento de outros aparelhos voadores, como o avião Demoisele também de Santos Dumont, Gastão Madeira percebeu que o futuro da navegação seria com aeronaves mais pesadas que o ar. Tendo em vista alguns acidentes com os primeiros aviões, Gastão migrou sua teoria para o novo foco tecnológico, propondo um dispositivo auxiliar que pouparia vidas. Propôs um sistema, baseado no formato, que proporcionaria o controle da aeronave em caso de pane do motor ou quebra de hélice, permitindo ao piloto planar em baixa velocidade e tocar o solo com segurança. Além da possibilidade de aplicar seu dispositivo em novas aeronaves, o inventor projetou um aparelho ao qual chamou de Aviplano.
O aparelho, visto pelo dorso, teria o perfil de uma ave com asas abertas. Assim como o PigeonBot II, de 2024, o Aviplano, de 1911, não teria leme vertical. Ao passo que no robô as asas e a cauda possibilitam a mudança de direção com movimentos mecânicos, acrescidos de movimentos secundários das penas que recobrem as estruturas, no Aviplano a alteração de proa se daria pela mudança de alinhamento ou ângulo de pequenas aletas (tais quais a penas do robô) aplicadas no bordo exterior dos planos da asa e da estrutura horizontal na cauda.
Fontes:
Revista: Science Robotics (Ciência Robótica), Vol 9, Edição 96, 20 de novembro de 2024
Livro: “Voando Além do Tempo: o pensar de Gastão Madeira”, Instituto Salerno-Chieus, Ubatuba, 2019
Vídeo do Youtube: “O segredo para o futuro da aviação pode estar na natureza”, Canal Olhar Digital, 28 de novembro de 2024.
Voo de ensaio do pássaro-robô PigeonBot II (Assista aqui)
Artigo: “Bird-inspired reflexive morphing enables rudderless flight”. [A transformação reflexiva inspirada em pássaros permite o voo sem leme]. Science Robotics, Ed. 96, 20 novembro 2024. (Leia aqui)
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