Em 12 de dezembro de 1901, uma tempestade destruiu um hangar no bairro de São Cristovão, na cidade do Rio de Janeiro, onde o Deputado José do Patrocínio estava construindo o seu balão dirigível “Santa Cruz”. Homenageando o saudoso abolicionista, voltamos a publicar conteúdo sobre o tema, compilado de Vencendo o Azul.
Boa leitura.
Bom domingo!
José do Patrocínio e o Dirigível Santa Cruz
Nascido em Campos, Estado do Rio de Janeiro, a 9 de outubro de 1853, José do Patrocínio tornou-se conhecido por sua participação na campanha abolicionista. Jornalista, orador de talento e político, Patrocínio dedicou os últimos anos de sua vida ao projeto e construção de dirigíveis.
Aos 15 anos de idade deixou sua cidade natal seguindo para a Capital do Império. Uma vez no Rio de Janeiro, conseguiu um emprego na Santa Casa de Misericórdia e graças a sua vivacidade, tornou-se aprendiz de farmácia. Em 1872, aos dezenove anos de idade, entrou para a Faculdade de Medicina, onde, dois anos mais tarde, formou-se em farmácia. Mas, por falta de capital para abrir um estabelecimento próprio, ingressou no jornalismo, profissão que exerceria até a morte.
Como jornalista, tomou posição a favor de Júlio César Ribeiro de Souza, quando este contestou a originalidade do projeto do dirigível La France, concebido pelos militares franceses Renard e Krebb. Patrocínio lembrou que o inventor brasileiro não tivera mais do que uma centena de contos de réis para efetuar suas experiências, enquanto os franceses haviam podido contar com quantias mais de 10 vezes superiores.
Proclamada a República, inicia-se um período de dificuldade para Patrocínio, que se opunha ao novo regime. Em 1892, ele foi deportado para o Amazonas, sendo anistiado meses mais tarde. No ano seguinte, irrompendo a Revolta da Armada, Patrocínio escondeu-se para fugir à prisão. Durante esse retiro, deteve-se sobre uma idéia que o assaltava desde o primeiro ano da faculdade: voar num balão.
Desenhos acima integram o memorial descritivo do aeróstato Santa Cruz(1902).
Fonte: Arquivo Nacional
Em 1897, a normalidade política já voltara ao país, e Patrocínio dedicava-se ao projeto de um dirigível. Com a ajuda de um amigo, Magalhães Viégas, chefe de fundição do Arsenal da Marinha, trabalhava nos fins de semana no projeto. Na virada do século, o balão era o principal preocupação de Patrocínio. Em 1901, o projeto estava pronto. O inventor batizou sua aeronave de Santa Cruz. O aparelho traria algumas inovações: a estrutura seria de alumínio e a barca e o invólucro formariam um todo rígido e integrado.
O Presidente da República Campos Salles visita o hangar onde José do Patrocínio
tentava construir o dirigível Santa Cruz.
Fonte: Museé de L`Air Le Bourget
tentava construir o dirigível Santa Cruz.
Fonte: Museé de L`Air Le Bourget
No projeto, Patrocínio pretendia utilizar simultaneamente conceituais dos aparelhos mais leves e mais pesados do que o ar. O balão contaria com asas e um invólucro contendo hidrogênio ou gás de iluminação bem como balonetes de ar quente para provocar a ascensão do aparelho.
Em meados de 1901, Patrocínio instalava um hangar no bairro de São Cristóvão para a construção do aparelho. Mas em 12 de dezembro uma violenta tempestade se abatia sobre o Rio de Janeiro, destruindo o hangar e deixando um saldo de dois mortos e cinco feridos.
Em 1902, Patrocínio voltava ao trabalho decidido a concluir o balão e anunciando para 7 de setembro, data nacional, o seu primeiro voo. O inventor sonhava uma viagem do Rio de Janeiro a Santos, terra de Bartholomeu de Gusmão, levando consigo seu amigo o poeta Olavo Bilac. Mas os meses passavam e a construção do dirigível não evoluía. Nem mesmo a visita ao hangar do Presidente da Republica, Campos Salles, resultou em recursos financeiros para a construção do balão. Uma emenda de autoria de Nilo Peçanha era apresentada no Congresso, propondo um auxílio de 40 contos de réis a Patrocínio e Augusto Severo dessem continuidade a suas experiências. Mas a emenda recebeu violenta oposição de Barbosa Lima, que lembrou as posições de Patrocínio contrárias a Floriano Peixoto. A realidade caminhava em sentido diverso dos planos do inventor que, naquele ano, contraía tuberculose.
Doente e sem recursos, Patrocínio recebeu a visita do poeta e amigo Olavo Bilac, que o encontrou vivendo em extrema penúria. Para tentar realizar seu projeto, Patrocínio havia vendido sua casa e seu jornal, e morava num pequeno cômodo ao lado do hangar. Bilac o descreve “magro, esquelético, com olhos encovados no fundo das órbitas”. Consciente da gravidade de sua doença, Patrocínio tinha esperança de viver mais um ano para concluir o balão e "voar longe! Respirando o ar de Deus, o grande ar virgem das alturas”. Mas a morte chegou primeiro, aproximando o inventor do perfil trágico dos poetas românticos de sua época, muitos deles seus amigos, na sua obstinação solitária de construir um dirigível.
Fonte: Vencendo o Azul