Confira a quarta e última parte de conteúdo sobre a participação da FAB na II Guerra Mundial, originalmente publicado pelo INCAER - Instituto Histórico-Cultural da Aeronáutica.
Boa leitura.
Bom domingo!
A atuação da FAB na II Guerra Mundial (Parte 4 – Final)
No capítulo 1, em
29/03/2020, o autor apresentava a criação do Ministério da Aeronáutica e a chegada das primeiras aeronaves de treinamento para o Brasil e a formação das primeiras turmas de aviadores e especialistas em manutenção e apoio. No capítulo II, em
05/04/20, Cambeses Júnior relatava os primeiros embates da FAB contra submarinos alemães na costa brasileira. Na terceira parte, dia
12/04/20, era mostrada a chegada dos heróis brasileiros à Itália e seus primeiros combates contra as tropas de Hitler. Nesta quarta e última parte, Manuel Cambeses Júnior conclui com a participação vitoriosa da Força Aérea Brasileira que, junto com as forças aliadas, venceu o nazismo, pondo fim à Segunda Guerra Mundial.
A FAB na campanha da Itália
Durante as operações aéreas nos meses de inverno o Grupo de Caça brasileiro sofreu numerosas baixas; três oficiais faleceram em acidentes de aviação, no período inicial, em Tarquínia; a 23 de dezembro o 1º Tenente-Aviador Ismael da Motta Paes, com o seu avião atingido pela artilharia antiaérea, ao norte de Ostiglia, saltou de paraquedas e foi aprisionado pelos alemães; a 2 de janeiro de 1941, o 1º Tenente-Aviador João Maurício de Medeiros teve de saltar de paraquedas sobre território inimigo e faleceu ao cair sobre fios de alta tensão; a 22 de janeiro, o 1º Tenente-Aviador Aurélio Vieira Sampaio faleceu atacando locomotivas ao norte de Milão; a 29 de janeiro, o 1º Tenente-Aviador Josino Maia de Assis, obrigado a saltar de paraquedas, devido a incêndio no seu avião, foi aprisionado pelos alemães.
A 4 de fevereiro de 1945 um dos Comandantes de Esquadrilha, o Capitão-Aviador Joel Miranda e o 2º Tenente-Aviador Danilo Moura são atingidos ao mesmo tempo, quando juntos atacavam locomotivas a sudoeste de Treviso; ambos saltaram de paraquedas, abandonando os seus aviões em fogo; o Capitão Joel, apesar de um braço partido e de um pé destroncado, andou muitas horas até que conseguiu ser recolhido por um grupo de “partisanos” que o alojaram na vizinhança de Pádua, até o fim da guerra; o Tenente Danilo caminhou a pé durante vinte e quatro dias, percorrendo duzentos e sessenta quilômetros e atravessando todo o território inimigo; depois de se juntar aos “partisanos”, nos Montes Apeninos, o Tenente Danilo conseguiu atravessar as linhas de combate e veio se juntar aos seus companheiros do Grupo de Caça Brasileiro, em Pisa.
A 10 de fevereiro, o 1º Tenente-Aviador Roberto Brandini, gravemente ferido na cabeça por um estilhaço de artilharia antiaérea, saltou de paraquedas e foi aprisionado pelos alemães; a 7 de março, o Capitão- Aviador Theobaldo Kopp, tendo o seu avião sido danificado quando atacava depósitos de munição, a nordeste de Parma, saltou de paraquedas e refugiou-se no meio dos “partisanos”; no dia 26 de março, o 1º Tenente-Aviador Othon Corrêa Netto ao atacar, com foguetes, posições de artilharia antiaérea que defendiam a ponte de Cassara, a oeste de Udine, teve o seu avião atingido e saltou de paraquedas; ficou prisioneiro até o fim da guerra.
Ao se aproximar o mês de abril de 1945, foi montada, pelos aliados, a grande “Ofensiva da Primavera” para quebrar, definitivamente, a resistência alemã na Itália, essa ofensiva foi desencadeada, pelo XV Grupo de Exércitos, no dia 9 de abril.
A 13 de abril, falece o Aspirante-Aviador Frederico Gustavo dos Santos na explosão de um depósito de munição alemão, que ele próprio metralhara, nas proximidades de Udine.
Na semana de 14 a 20 de abril, a totalidade da aviação aliada existente na Itália concentrou todo o seu poderio e desenvolveu um esforço máximo, atacando as posições defensivas alemãs ao longo de toda a linha de frente de combate; as equipagens dos aviões de caça começaram a fazer, em média, duas missões por dia.
Uma vez iniciado o avanço vitorioso dos aliados impunha-se, como golpe final, impedir que os alemães se organizassem na margem do rio Pó, utilizando o obstáculo do rio para deter os aliados.
A partir de 20 de abril, a retirada alemã se generalizou, em toda a frente, e os objetivos de oportunidade para a aviação se multiplicaram, ao longo das estradas e por toda a parte.
O dia 22 de abril é comemorado na Força Aérea Brasileira por ter sido o dia em que o Grupo de Caça Brasileiro, no auge de sua atividade, cobriu-se de glória e obteve o máximo de resultados; os seus ataques, nesse dia, na região de San Benedetto, foram um fator decisivo para o estabelecimento, no dia seguinte, da cabeça de ponte na mesma região.
No dia glorioso de 22 de abril pagamos mais um tributo pelas vitórias conquistadas: o 2º Tenente-Aviador Marcos Coelho de Magalhães teve que saltar de paraquedas sobre território inimigo; quebrou os dois tornozelos e foi aprisionado.
No dia 26 de abril faleceu o 1º Tenente- Aviador Luís Dornelles, comandando a Esquadrilha que fora do Capitão Kopp, abatido a 7 de março; o Tenente Dornelles foi atingido pela artilharia antiaérea quando atacava uma locomotiva na cidade de Alessandra; não teve chance de saltar de paraquedas.
No dia 30 de abril, o 2º Tenente-Aviador Renato Goulart Pereira foi atingido pela Artilharia Antiaérea e saltou de paraquedas, sendo recolhido por uma patrulha de soldados ingleses.
A 30 de abril cessou a resistência alemã no vale do Pó; a 2 de maio cessou a guerra na Itália.
Placa alusiva ao uso do aeroporto de Tarquínia como base de operações do 1º Grupo de Caça.
O resultado impressionante da ação do Grupo de Caça Brasileiro, no último mês da guerra, pode ser avaliado pelo seguinte trecho do relatório oficial do 350º Regimento de Caça: “Durante o período de 6 a 29 de abril de 1945, o Grupo de Caça Brasileiro voou 5% das saídas executadas pelo XXII Comando Aerotático e no entanto, dos resultados obtidos por este Comando, foram oficialmente atribuídos aos brasileiros 15% dos veículos destruídos, 28% das pontes destruídas, 36% dos depósitos de combustível danificados e 85% dos depósitos de munição danificados.”
As estatísticas mostraram que, só nos quatro primeiros meses de 1945, os aviões do Grupo de Caça Brasileiro fizeram 1728 saídas e foram atingidos pela artilharia antiaérea 103 vezes; na maioria das vezes os aviões, mesmo atingidos, conseguiam regressar à sua base, e nisso o avião P-47 “Thunderbolt” ficou famoso, pela sua extrema robustez e capacidade de trazer os pilotos de volta, mesmo quando avariado.
Entre os 48 pilotos do Grupo de Caça Brasileiro que realizaram missões de guerra houve um total de 22 baixas, sendo que cinco foram mortos abatidos pela artilharia antiaérea, oito tiveram os seus aviões abatidos e saltaram de paraquedas, sobre território inimigo, seis foram afastados do voo por prescrição médica, após esgotamento físico e três faleceram em acidentes de aviação.
Os restos mortais dos bravos aviadores brasileiros mortos na Itália foram enterrados no Cemitério Brasileiro de Pistoia; posteriormente foram transferidos para o Brasil e atualmente se encontram na cripta do Monumento aos Mortos da II Guerra Mundial, na Avenida Beira Mar, no Rio de Janeiro.
A pequena Esquadrilha de Ligação e Observação que, com pilotos e mecânicos da FAB, trabalhou junto à Artilharia Divisionária da FEB, também se portou com eficiência e bravura na Itália, realizando 682 missões de guerra e mais de 400 regulações de tiro de artilharia.
Já nos últimos dias da “Ofensiva da Primavera”, o Marechal Mascarenhas de Moraes publicou em Ordem do Dia uma referência elogiosa ao trabalho da 1ª Esquadrilha de Ligação e Observação da qual constam as seguintes palavras: “Dizer do seu trabalho nesta Campanha é cantar um hino ao destemor e à noção de dever dos aviadores e artilheiros que a constituem. Não houve mau tempo, não houve neve, tão pouco acidentes e pistas impróprias, que arrefecessem o ânimo e a disposição dos seus componentes.”
Terminada a guerra na Itália, o 1º Grupo de Caça ainda lá permaneceu dois meses, aguardando transporte marítimo para o regresso. O Embaixador do Brasil na Itália, Dr. Maurício Nabuco, no ofício em que comunicava o regresso do Grupo de Caça Brasileiro, disse:
“Partiu há pouco, depois de quase um ano de luta na Europa, o Grupo de Caça da Força Aérea Brasileira. Confesso a Vossa Excelência que não é sem emoção que recordo as atividades heróicas desse pequeno grupo de brasileiro que, sob o brilhante comando do Tenente-Coronel Moura, integrados na imensa organização aérea do setor da Itália, lutaram num ambiente estranho e difícil.
Essa gente moça, que pela primeira vez na história do Brasil deixou sua terra para vir combater nos céus diferentes da Europa, e que durante bastante tempo, como Vossa Excelência sabe, teve que substituir o número pelo esforço maior de cada um, e pelo aumento individual de suas missões, merece louvor de todos os brasileiros. Eu que vi de perto rapazes de vinte anos partindo para a morte com a maestria, a resistência e a coragem de homens afeitos às guerras modernas, posso dizer que um País que conta com gente de tal fibra nada tem a temer das adversidades do futuro. Todos nós, depois desta experiência, podemos confiar mais do que nunca nas energias físicas do nosso povo, mas sobretudo na força moral desses brasileiros que tão cavalheirescamente se põem ao lado daqueles que defendem ideias nobres. Os rapazes da Força Aérea Brasileira deixaram na Itália gravado, em número bem modesto, mas com o mesmo vigor de seus heroicos aliados, o nome glorioso do Brasil.”
Essa é a história da atuação da Força Aérea Brasileira na Campanha da Itália. O Grupo de Caça Brasileiro lá executou 445 missões, com um total de 2.546 saídas de aviões e de 5.465 horas de voo em operações de guerra. Lá destruiu 1.304 viaturas motorizadas, 250 vagões de estrada de ferro, 8 carros blindados, 25 pontes de estrada de ferro e de rodagem e 31 depósitos de combustível e de munição.
A Força Aérea Brasileira, na sua primeira experiência de guerra fora do território brasileiro, mandou para a Itália uma unidade aérea, o 1º Grupo de Caça, cujo pessoal correspondeu à mais alta expectativa que se pudesse ter sobre a sua bravura, noção de cumprimento do dever, espírito de sacrifício e valor profissional.
Indubitavelmente, a atuação do aguerrido Grupo de Caça Brasileiro na Itália é a página mais gloriosa da história da Força Aérea Brasileira, e o brilho imorredouro dos feitos lá praticados servirá, sempre, de estímulo às suas gerações futuras dos bravos combatentes do ar.
Durante a II Guerra Mundial, um pugilo de bravos da Força Aérea Brasileira honrou a promessa que milhões de brasileiros já fizeram:
“Mas, se ergues da justiça a clava forte, Verás que um filho teu não foge à luta, Nem teme, quem te adora, a própria morte.”
MANUEL CAMBESES JÚNIOR, Coronel-Aviador, Vice-Diretor do Instituto Histórico-Cultural da Aeronáutica.
Bibliografia:
WANDERLEY, Nelson Freire Lavanère – História da Força Aérea Brasileira, 2ª Edição, 1975.
INCAER - História Geral da Aeronáutica Brasileira, Volume 3, 1991.
ABRA-PC - Estória Informal da Aviação de Caça, 2003.
MOREIRA LIMA, Rui Barboza - Senta a Pua!
Texto: Extraído de “A participação da Força Aérea Brasileira na II Guerra Mundial” publicado pelo INCAER – Instituto Histórico-Cultural da Aeronáutica.
Autor: coronel-aviador Manuel Cambeses Júnior.