LYSIAS AUGUSTO RODRIGUES
O Major-Brigadeiro-do-Ar Lysias Augusto Rodrigues nasceu no Rio de Janeiro, em 23 de junho de 1896. É praça de 25 de março de 1916, na Escola Militar do Realengo, tendo sido declarado Aspirante-a-Oficial da Arma de Artilharia em dezembro de 1918.
Em 1921, como Tenente, integrou a primeira turma de Observadores Aéreos ao lado do Capitão Newton Braga, dos Tenentes Eduardo Gomes, Ivo Borges, Amílcar Velloso Pederneiras, Gervásio Duncan de Lima Rodrigues, Ajalmar Vieira Mascarenhas, Sylvino Elvidio Bezerra Cavalcante, Plínio Paes Barreto e Carlos Saldanha da Gama Chevalier.
Como Capitão, em 1927, concluiu o curso de piloto realizado na Escola de Aviação Militar, conquistando o brevet de aviador. Sua turma era composta pelos Tenentes Floriano Peixoto da Fontoura Neves, Godofredo Vidal, Francisco de Assis Corrêa de Mello e do Aspirante-a-Oficial da Reserva João Egon Prates da Cunha Pinto.
Indubitavelmente, foi ele uma figura humana ímpar. Cultura extraordinária, inteligência brilhante, historiador, pesquisador, desbravador, piloto militar, engenheiro, escritor, poliglota e profundo conhecedor de Geopolítica.
Lysias Rodrigues era uma personalidade tão multifacetada e rica em sua abrangência que, com extrema facilidade, encontramos adjetivos laudatórios para definir a sua intensa vida intelectual e a brilhante trajetória percorrida durante décadas, como aviador militar, geopolítico, escritor, desbravador e engenheiro-geógrafo.
Seus inúmeros livros e artigos publicados no Brasil e no exterior conferem-lhe especial destaque no meio acadêmico, e uma notável repercussão como intelectual da mais alta envergadura, em níveis nacional e internacional.
A par de suas inúmeras virtudes intelectuais, o inolvidável Brigadeiro tinha como paradigma de vida a transparência e a sinceridade.
Porte altivo, coragem e determinação, integridade moral e honestidade, aliados a um coração terno e generoso, outorgaram-lhe uma personalidade muito especial, tal qual o raro brilho de um cristal puro e radiante de luz.
Não seria difícil distinguir-se entre as várias nuances de sua ímpar e marcante personalidade – plasmada no amor e na dedicação ao trabalho –, a de maior significação. Destacava-se, entretanto, o seu devotado amor à Aviação, seu acendrado patriotismo e seus inquebrantáveis dotes morais.
Foi desses homens notáveis que se sobressaíram pela cultura, pela autenticidade, coragem e, sobretudo, pela grandeza de alma. Qualidades que os tornam figuras incomparáveis – faróis balizando, nos meandros da caminhada humana, a direção certa na incerteza aparente da existência.
Homens dotados de integridade de caráter e talento, aliados a longa existência adquirida no contato com as asperezas da vida, características que lhes enriquecem o espírito, que se transborda, em busca do semelhante, proporcionando-lhe, sob variadas formas, ensinamentos, cultura e educação, em prol do desenvolvimento da Pátria.
Com a criação do Correio Aéreo Militar, em 12 de junho de 1931, que dez anos mais tarde passou a ser chamado de Correio Aéreo Nacional, o CAN – nome pelo qual ficou conhecido em todo o Brasil e é lembrado até hoje –, os bravos bandeirantes do ar deram início à árdua tarefa de desbravar o interior do Brasil, implantando campos de pouso.
Naquela época, havia grande interesse da Pan American Airways em reduzir o tempo gasto por seus aviões cumprindo a rota Miami-Buenos Aires, e não dispondo de equipamento aéreo mais veloz, foi levada a procurar uma rota aérea que encurtasse o caminho.
Assim, o governo federal resolveu designar, por indicação tanto do Ministério da Guerra como pelo da Viação, o então Major Lysias para acompanhar e fiscalizar a missão da companhia americana, dando a ele a incumbência de, a par de sua atividade precípua na expedição, estudar as possibilidades de ampliar os voos do CAM pelo interior, pois havia a manifesta intenção de estender a rota Rio-São Paulo até o Estado de Goiás.
Em 19 de agosto de 1931, é dada partida na expedição composta por Lysias Rodrigues, Felix Blotner, inteligente e destacado funcionário da Panair do Brasil, a serviço da congênere americana, e seu prestimoso auxiliar, um jovem chamado Arnold Lorenz, que percorreram os estados de São Paulo, Minas Gerais, Goiás e Maranhão, até chegar a Belém.
O objetivo dessa árdua jornada era reconhecer o território e implantar campos de pouso, de modo a viabilizar a navegação aérea e criar as condições imprescindíveis que facultassem a execução de voos dos grandes centros do Brasil para a Amazônia e que permitissem, também, uma nova e econômica rota para os voos realizados entre os Estados Unidos e o Cone Sul do Continente.
Àquela época, as aeronaves percorriam o arco irregular de círculo que descreve o litoral brasileiro para se deslocarem de um extremo a outro do País, devido à existência de aeroportos em várias cidades litorâneas.
Por sobre a Amazônia e a região central, apenas mata fechada. Daí a importância da missão que foi atribuída a Lysias Rodrigues e o ímpeto com que o notável desbravador abraçou o desafio, penetrando em profundidade, com destemor, na natureza virgem daquela região, em realidade, um mundo desconhecido e cheio de mistérios sedutores para um homem nascido e criado no Rio de Janeiro, então capital do País.
Varando por terra o sertão bruto, com galhardia e tenacidade, logrou alcançar Belém do Pará, em 9 de outubro daquele mesmo ano. Esta marcante epopeia ficou registrada em seu diário de viagem e, mais tarde, foi incluída no livro que batizou de “Roteiro do Tocantins”.
Há pessoas que se identificam com a História pelo desempenho extraordinário de sua missão, nas exigências de cada época. Lysias Rodrigues foi uma delas.
Durante a Revolução Constitucionalista de 1932, no posto de Major, combateu ao lado de São Paulo, comandando o 1º Grupo de Aviação Constitucionalista, sediado no Campo de Marte. Foi com o cognome de “Gaviões de Penacho” que este combativo Grupo, a despeito dos parcos recursos, cobriu-se de glórias.
Após o armistício de 3 de outubro, ele e seus companheiros insurretos Major Ivo Borges, Capitão Adherbal da Costa Oliveira, Tenentes Orsini de Araújo Coriolano e Arthur da Motta Lima foram reformados pelo Governo e exilaram-se em Portugal e na Argentina. Em 1934, foram anistiados e reintegrados ao Exército.
Retornando do exílio, deu continuidade ao trabalho iniciado com a exploração terrestre empreendida em 1931, na companhia de dois destacados funcionários da Panair do Brasil.
Em 14 de novembro de 1935, decolando do Campo dos Afonsos, no Rio de Janeiro, em companhia do Sargento Soriano Bastos de Oliveira, em uma aeronave Waco C.S.O., deu início ao levantamento aéreo da área anteriormente esquadrinhada, inaugurando todos os campos de pouso que havia implantado em seu famoso périplo, quatro anos antes, percorrendo as cidades de Ipameri, Formosa, Palma, Porto Nacional, Tocantínia, Pedro Afonso, Carolina e Marabá, antes de atingir Belém.
Por onde passaram causaram estupefação, curiosidade e incredulidade, trazendo alegria e esperança àquela gente simples do sertão.
Por uma feliz coincidência, o destino resolve juntar, nos mesmos ideais do Correio Aéreo Militar, o Brigadeiro Eduardo Gomes e o então Tenente-Coronel Lysias.
Aqueles que esposavam ideias antagônicas na Revolução Constitucionalista de 1932, passaram a lutar bravamente por um pensamento comum: desbravar pelos meios aéreos o interior do Brasil, cooperando intensamente na integração nacional e com a pretendida unidade política da nação.
Como escritor de escol, vigoroso e ardente, projetou as cintilações de sua genialidade nos inúmeros e formidáveis artigos publicados no Correio da Manhã – expressivo jornal do Rio de Janeiro à época –, e, ainda, através da publicação de dois livros intitulados “Roteiro do Tocantins” e “Rio dos Tocantins” – compêndios que ainda hoje constituem a mais completa radiografia da região –, instigando, como corolário, o despertar do Brasil para a importância estratégica de integrar o território nacional, propugnando pela criação do Território Federal do Tocantins, tendo elaborado uma minuciosa carta geográfica da região e apresentado, em 1944, anteprojeto constitucional nesse sentido.
No dia 5 de outubro de 2001, o governador do Estado do Tocantins, na presença do Presidente da República, inaugurou o aeroporto da capital, Palmas, que através do Projeto de Lei nº 233/2001, de 6 de março de 2001, foi batizado com o nome de Brigadeiro Lysias Rodrigues, em homenagem à memória do heroico desbravador.
Além de “Roteiro do Tocantins” e “Rio dos Tocantins”, escreveu, ainda, “História da Conquista do Ar”, “Geopolítica do Brasil”, “Estrutura Geopolítica da Amazônia”, “Formação da Nacionalidade Brasileira” e “Gaviões de Penacho”, onde narra o emprego da Aviação Militar na Revolução Constitucionalista de 1932.
Entretanto, sua intensa e profícua atividade não se limitou à literatura, sendo o primeiro piloto a sobrevoar e pousar nos aeródromos que ele próprio implantou. Juntamente com o Brigadeiro Eduardo Gomes, iniciou as primeiras linhas do Correio Aéreo Nacional sobrejacentes às regiões Centro-Oeste e Norte, consolidando uma complexa rede de aerovias, interligando-as aos centros mais avançados do Brasil.
Como renomada autoridade em Geopolítica, reconhecida internacionalmente, ombreando-se a outros ilustres exegetas desta ciência, tais como Mário Travassos, Golbery do Couto e Silva, Carlos de Meira Mattos, Delgado de Carvalho e Therezinha de Castro, lutou, enfaticamente, pela construção da rodovia Trasbrasiliana, hoje denominada Belém-Brasília.
De maneira análoga, exerceu notável influência para que fosse ativado um organismo que congregasse a evolução e o emprego do avião, a exemplo do que já vinha ocorrendo nos Estados Unidos, Inglaterra, Itália e França, defendendo a tese de que o Brasil necessitava de um Ministério próprio, de modo a dispor de uma aviação apta a atender à sua imensidão geográfica.
Movido por esse propósito, deu início a uma intensa campanha para a criação do Ministério da Aeronáutica, publicando vários artigos sobre o tema na imprensa do Rio de Janeiro, então capital da República.
Com a eclosão da Segunda Guerra Mundial, em 1939, evidenciou-se a importância do poder aéreo unificado para a segurança nacional, vindo justamente a corroborar a benfazeja ideia por ele esposada, culminando, assim, com a criação do Ministério da Aeronáutica, em 20 de janeiro de 1941, hoje Comando da Aeronáutica.
Lysias Rodrigues foi um daqueles homens extraordinários que marcaram os momentos gloriosos e históricos da Aeronáutica Brasileira, através de uma intensa participação em várias iniciativas férteis, com energia inesgotável, tendo deixado como herança a sua devoção no cumprimento do dever e a confiança num notável engrandecimento do Ministério da Aeronáutica e de uma ativa e fecunda participação da Aviação no desenvolvimento do País.
Há em cada cidadão brasileiro o sentimento desenvolvido de nacionalidade e de apego ao torrão natal. Poucos, entretanto, puderam manifestá-lo de forma tão viva como Lysias Rodrigues.
O Brasil deve a Lysias Rodrigues o reconhecimento pela dedicação, competência e patriotismo que demonstrou, de modo contumaz, durante toda a sua extraordinária carreira, sem medir esforços para elevar e honrar a imagem de nosso País no cenário internacional. Um nome querido e respeitado, uma reserva moral, um patrimônio de inteireza e caráter e um exemplo edificante para os brasileiros de todas as épocas.
Estamos convictos de que o Brigadeiro Lysias morreu tranquilo quanto ao julgamento de seus concidadãos. Certamente a Pátria saberá guindá-lo aos píncaros da glória, quando a perspectiva do tempo permitir uma avaliação mais exata de sua obra e um conhecimento perfeito de sua pureza de intenções.
À época de seu desenlace, em 21 de maio de 1957, aos 61 anos, a Força Aérea compartilhou com seus entes queridos, admiradores e amigos a amargura desse momento inexorável da existência humana, última parte do desenrolar de uma vida em que o gênero humano – a exemplo dos inolvidáveis voos empreendidos pelo ilustre Brigadeiro, nas asas do Correio Aéreo –, realiza uma decolagem, deslancha um voo de cruzeiro e, finalmente, vê chegado o momento da aterrissagem e o final de uma gloriosa jornada.
Esteja onde estiver, Major-Brigadeiro-do-Ar Lysias Augusto Rodrigues – insigne pioneiro do Correio Aéreo Nacional –, receba os nossos agradecimentos pela prestimosa atenção e carinho dispensados à Aeronáutica Brasileira. Que seus edificantes atributos morais e intensa dedicação à aviação, à vida militar e ao País, ecoem por muito tempo em todos os rincões deste nosso amado Brasil.
Texto: Cel Av Manuel Cambeses Júnior