Seguimos com mais um capítulo da participação da FAB na II Guerra Mundial, originalmente publicado pelo INCAER - Instituto Histórico-Cultural da Aeronáutica.
Boa leitura.
Bom domingo!
A atuação da FAB na II Guerra Mundial (Parte 2)
No capítulo anterior, publicado em
22/8/2021, o autor apresentava a criação do Ministério da Aeronáutica, a chegada das primeiras aeronaves de treinamento para o Brasil e a formação das primeiras turmas de aviadores e especialistas em manutenção e apoio. No capítulo de hoje, Cambeses Júnior relata os primeiros embates da FAB contra submarinos alemães na costa brasileira:
A Proteção Aérea à Navegação Marítima
Desde o início da II Guerra Mundial, as nações do continente americano perceberam que a grande conflagração iria, mais cedo ou mais tarde, afetá-las. Em outubro de 1939, os representantes das nações americanas se reuniram, na cidade de Panamá, para concertarem medidas tendo em vista a preservação dos seus interesses em face do conflito mundial.Nessa ocasião foi fixado o limite de 300 milhas marítimas, em torno do continente americano, como Zona de Segurança, dentro da qual as nações americanas desejavam manter a sua neutralidade. A guerra submarina, iniciada no Atlântico Norte, iria, progressivamente, aproximar-se do litoral brasileiro. Nos anos de 1939 e 1940 não houve torpedeamento de navios próximo ao nosso litoral. No ano de 1941, ocorreram três torpedeamentos de navios de nacionalidade estrangeira, a mais de 400 quilômetros da costa brasileira.
Depois do ataque a Pearl Harbour e da entrada dos Estados Unidos na guerra, em dezembro de 1941, o panorama geral da campanha submarina no Oceano Atlântico mudou completamente; a maioria dos torpedeamentos e afundamentos de navios mercantes passou a se verificar nas águas territoriais dos Estados Unidos, ao longo da sua costa oriental e no mar das Caraíbas. A 28 de janeiro de 1942, na sessão de encerramento da III Reunião de Consulta de Ministros das Relações Exteriores das Repúblicas Americanas, no Rio de Janeiro, o Ministro Oswaldo Aranha participou o rompimento das relações diplomáticas do Brasil com as potências do Eixo: Alemanha, Itália e Japão. No mês seguinte começaram os torpedeamentos de navios mercantes brasileiros: o “Cabedello”, nas costas dos Estados Unidos, em 14 de fevereiro de 1942; o “Buarque”, próximo a Curaçao, dois dias depois; o “Olinda”, próxima à ilha de Santa Lúcia, nas Antilhas, em 18 de fevereiro; o “Arabutã”, na costa da Carolina do Norte, em 7 de março; o “Cairu”; entre Norfolk e Nova York, em 9 de março e o “Paraíba”, a leste da ilha de Trinidad, em 1 de maio, tudo no ano de 1942. O sétimo torpedeamento de navio brasileiro foi próximo ao território nacional, a NE do arquipélago de Fernando de Noronha, a 18 de maio de 1942; foi o do navio mercante “Comandante Lyra” que, apesar de danificado, ainda foi rebocado para o porto de Recife, pelo “Tender” de hidroaviões norte-americano “Trush”.
A guerra submarina, ao mesmo tempo que atingia os navios mercantes brasileiros, aproximava-se do nosso litoral, tornando mais urgente a atuação da Força Aérea Brasileira e mais graves as suas responsabilidades. Os torpedeamentos dos navios mercantes brasileiros continuaram se sucedendo, como o do “Gonçalves Dias”, ao sul do Haiti, em 24 de maio de 1942, o do “Alegrete”, ao sul da ilha de Santa Lúcia, em 7 de junho, o do “Pedrinhas”, próximo a Porto Rico, em 26 de junho, o do “Tamandaré”, a leste de Port of Spain, em 26 de julho, e o do “Barbacena” e do petroleiro “Piave” no mesmo dia, a NE de Port of Spain, em 28 de julho de 1942. Colhida numa situação difícil pela guerra que se aproximava, sem aviões de guerra apropriados para a luta contra os submarinos, a Força Aérea Brasileira lançou-se num esforço intenso, tentando superar as suas dificuldades. Em dezembro de 1941 foi criado o Estado-Maior da Aeronáutica e em janeiro de 1942 foram organizados e instalados os Comandos de Zonas Aéreas, que teriam que dirigir e coordenar as operações da Força Aérea Brasileira ao longo de todo o litoral. Entre esses Comandos, o da 2ª Zona Aérea, abrangendo todo o território do Nordeste brasileiro e o Estado da Bahia, passou a ter uma atuação preponderante.
Em outubro de 1941, a Base Aérea do Recife, recentemente organizada, começou a prestar serviços. Em março de 1942, foi criada a Base Aérea de Natal. Assim que as autoridades norte-americanas puderam ceder à Força Aérea Brasileira alguns aviões de guerra, foi dado início em Fortaleza, em fevereiro de 1942, a um núcleo de adaptação dos oficiais aviadores brasileiros ao material aéreo moderno. Nesse núcleo foram concentrados 12 aviões de caça Curtiss P-36, 2 aviões bimotores de bombardeio Douglas B-18 e 6 aviões bimotores de bombardeio North American B-25.
De acordo com a diretiva existente, como ainda não tinha havido declaração de guerra entre o Brasil e os países do Eixo, o avião só poderia atacar o submarino se fosse por esse hostilizado inicialmente; e assim foi feito. O B-25 brasileiro fez uma passagem sobre o submarino e largou todas as bombas, que caíram próximas ao mesmo; o cerrado fogo antiaéreo que continuava a vir do submarino fez com que o avião, já sem bombas, se afastasse da área. Cinco dias depois, no dia 27 de maio de 1942, houve mais dois ataques a submarinos feitos por aviões B-25 brasileiros do Agrupamento de Aviões de Adaptação, de Fortaleza.
O Alto Comando Alemão orientava a guerra submarina de modo a concentrar os seus ataques nas áreas onde a respectiva defesa ainda não estava devidamente organizada nem dotada de meios suficientes; esse era o caso do litoral brasileiro, durante o ano de 1942. Hitler, numa conferência com o Comandante em Chefe da Esquadra Alemã, realizada no dia 15 de junho de 1942, decidiu desencadear uma ofensiva submarina contra a navegação marítima nas costas do Brasil. Uma flotilha de submarinos, sendo 8 de 500 toneladas e 2 de 700 toneladas, foi despachada, em julho, dos portos da França ocupada; esses submarinos foram reabastecidos, já próximo do Brasil, pelo submarino tanque U-460 indo, em seguida, se postar nos locais de ataque.
Em junho de 1942 foi terminada a instrução do primeiro grupo de oficiais aviadores; os aviões de caça, já com pilotos brasileiros, foram deslocados para Recife, a fim de participar da defesa aérea da área. Em todo litoral brasileiro, principalmente da Bahia para o norte, começaram, desde 1941, os patrulhamentos aéreos, em muitos casos com aviões de instrução. Apesar de os aviões de instrução não poderem atacar os submarinos, o simples fato de estarem vigiando os mares, ao longo das rotas marítimas, restringia de muito a liberdade de ação dos submarinos.
Caso fosse avistado um submarino, podia-se alertar a navegação mercante e fazer convergir para a área aviões de guerra com capacidade de atacá-lo. O primeiro ataque a um submarino, feito por avião da Força Aérea Brasileira, foi realizado no dia 22 de maio de 1942, às 14 horas, entre o arquipélago de Fernando de Noronha e as ilhas Rocas. Um avião B-25 “Mitchel” do Agrupamento de Aviões de Adaptação, de Fortaleza, fazendo um voo de patrulha, na área onde quatro dias antes havia sido torpedeado o “Comandante Lyra”, surpreendeu um submarino inimigo navegando na superfície; vários homens da tripulação do sub- marino, que se achavam no convés, logo correram para as armas antiaéreas e iniciaram o fogo.
Entre 15 e 17 de agosto de 1942, cinco navios mercantes brasileiros foram torpedeados e afundados, com numerosas perdas de vida; a 15 de agosto o “Baependi” foi torpedeado a 20 milhas da foz do rio Real, ao sul de Aracaju, causando a morte de 55 tripulantes do navio e de 215 passageiros, entre os quais achavam-se 124 militares, pertencentes ao 1º Grupo de Artilharia de Dorso que estava sendo transportado para o Nordeste; no mesmo dia, foi torpedeado o “Araraquara” com a morte de 66 tripulantes e 65 passageiros; no dia seguinte, 16 de agosto, o “Aníbal Benévolo” foi afundado a 7 milhas da costa de Sergipe, com 67 tripulantes e 83 passageiros mortos; a 17 de agosto mais dois navios brasileiros foram afundados: o “Itagibe” a 9 milhas da costa da Bahia com 10 tripulantes e 26 passageiros mortos e o “Arará”, a 6 milhas da costa da Bahia, com 20 tripulantes mortos; dois dias depois o “Jacira” foi afundado na costa da Bahia.
O Governo Brasileiro reagindo imediatamente à afronta e à revolta da opinião pública brasileira, declarou guerra à Alemanha e à Itália no dia 22 de agosto de 1942. Ainda sem possuir aviões de patrulha adequados nem as unidades aéreas especializadas para a campanha antissubmarino, a Força Aérea Brasileira, depois da declaração de guerra, intensificou o patrulhamento aéreo com os parcos meios disponíveis. Quatro dias depois da declaração de guerra, um avião brasileiro Vultee V-11, da Base Aérea de Porto Alegre, atacou um submarino a 50 milhas marítimas da costa de Santa Catarina. Durante o segundo semestre de 1942, vieram para o litoral brasileiro diversos Esquadrões da Aviação Naval Norte- Americana, equipados com modernos aviões de patrulha PBY-5 “Catalinas” e A-28 “Hudsons”. Enquanto as unidades aéreas brasileiras não estavam devidamente organizadas e adestradas, esses esquadrões norte-americanos ficaram participando do patrulhamento aéreo, baseados em Belém, São Luís, Fortaleza, Natal e Recife e subordinados ao comando da 4ª Esquadra Norte-Americana que tinha a responsabilidade de coordenar todas as operações da campanha antissubmarino no Atlântico Sul.
A Ofensiva submarina nas costas da América do Sul obrigou a organização dos comboios marítimos, como o melhor meio de defesa. Em outubro de 1942 começou a funcionar o sistema de comboios ao longo do litoral brasileiro. A escolta naval dos comboios entre Trinidad e Recife, era fornecida por navios de guerra norte-americanos; de Recife para o sul a escolta era feita por navios de guerra brasileiros. A proteção aérea dos comboios, ao longo da costa brasileira, era feita por aviões brasileiros e norte-americanos, distribuídos pelas Bases Aéreas existentes no litoral. Esse patrulhamento aéreo representou um grande esforço para a Força Aérea Brasileira. Milhares de horas de voo eram realizadas mensalmente, de dia e de noite, muitas vezes em condições de mau tempo e em áreas distantes centenas de quilômetros do litoral, em busca dos submarinos que muito raramente eram avistados e que ofereciam pouquíssimas oportunidades de ataque.
Nos meses de abril e maio de 1943 houve dois ataques a submarinos feitos por aviões da Força Aérea Brasileira, um ao largo de Aracaju e outro ao largo de Maceió. Durante o ano de 1943 e no princípio de 1944, a Força Aérea Brasileira recebeu, finalmente, aviões adequados para a luta contra os submarinos, fortemente armados e com todo o equipamento disponível da época, inclusive o radar que aumentava, consideravelmente , o rendimento e a eficiência da busca aérea de submarinos; os novos Esquadrões de Patrulha da Força Aérea Brasileira passaram a ser equipados com aviões A-28 Lockheed “Hudson” e PV-1 “Ventura” e aviões Consolidated “Catalina”.
A maior vitória da Força Aérea Brasileira, na luta contra os submarinos inimigos, foi obtida no dia 31 de julho de 1943, quando o afundamento do submarino alemão U-199 ficou plena e indiscutivelmente comprovado com o recolhimento, no local do ataque, de 12 sobreviventes da tripulação entre os quais achava-se o comandante do submarino. Na manhã de 31 de julho, o submarino U-199, ao se aproximar do Rio de Janeiro, caiu numa área fortemente patrulhada por aviões, devido ao início da viagem do comboio marítimo JT-3, que saía do porto do Rio de Janeiro. O submarino foi atacado, inicialmente, às 07:18 hora local, por um avião PBM “Mariner” norte-americano, que o avariou, dificultando sua imersão; o submarino achava-se a 60 milhas ao sul da barra da Baía de Guanabara. Tendo sido acionada a entrada em ação de aviões da Força Aérea Brasileira, acorreram dois aviões pertencentes ao Grupo de Patrulha sediado na Base Aérea do Galeão: um A-28 “Hudson”, que decolou especialmente para o ataque e um PBY “Catalina” que já se achava voando, fazendo uma varredura na rota que iria ser percorrida pelo comboio JT-3. Os dois aviões brasileiros chegaram sobre o submarino com uma diferença de menos de dez minutos, permitindo um ataque coordenado; o “Hudson” a partir das 08:50, hora local, apesar de não ter acertado as bombas no alvo, fez mais duas passagens baixas sobre o submarino, metralhando as tripulações das armas antiaéreas que, do tombadilho, desencadeavam um fogo cerrado. O “Catalina”, pouco antes das 09:00 horas (local), iniciou dois ataques, lançando duas bombas de cada vez entre a primeira e a segunda passagem. O comandante do submarino deu ordem à tripulação para abandonar o navio. Depois do segundo ataque do “Catalina”, às 09:02 horas, o submarino afundou em três segundos, levantando a proa e mergulhando primeiro a popa.
Em outubro de 1943, novo ataque foi feito, por um avião “Catalina” da Força Aérea Brasileira, a um submarino inimigo, ao largo do litoral do Estado do Rio de Janeiro. A partir de abril de 1944 os Esquadrões da Aviação Naval Norte-Americana começaram a ser retirados do litoral brasileiro, sendo enviados para outros Teatros de Operações. No fim de 1944 a Força Aérea Brasileira estava em condições de fazer a proteção aérea da navegação marítima ao longo do litoral brasileiro, operando, com eficiência, os aviões de patrulha mais bem equipados e mais sofisticados existentes na época.
O valor do trabalho realizado pela Força Aérea Brasileira na campanha antissubmarino e na proteção aérea da navegação marítima, durante a II Guerra Mundial, foi testemunhado pelo Almirante Comandante da 4ª Esquadra que, ao término da guerra, enviou mensagem ao Ministro da Aeronáutica do Brasil, na qual constam as seguintes referências: “Os voos frequentes, prolongados e perigosos feitos pela Força Aérea Brasileira exigiram perícia de voo, a máxima cooperação e coragem excepcional. Não há dúvida de que as operações da Força Aérea Brasileira foram da maior importância e um dos fatores decisivos na eliminação do inimigo do Atlântico Sul”.
(A saga da FAB na II Grande Guerra continua em próximas postagens aos domingos, aqui no blog do Núcleo Infantojuvenil de Aviação-NINJA)
Texto: Extraído de “A participação da Força Aérea Brasileira na II Guerra Mundial” publicado pelo INCAER – Instituto Histórico-Cultural da Aeronáutica.
Autor: coronel-aviador Manuel Cambeses Júnior.