Do Ideias em Destaque, nº 47, periódico do
INCAER -
Instituto Histórico-Cultural
da Aeronáutica, selecionamos o texto
Pensamento brasileiro e a importância da cultura aeronáutica, de Araken Hipólito da Costa.
Boa leitura.
Bom domingo!
Pensamento brasileiro e a importância
da cultura aeronáutica
Texto de Araken Hipólito da Costa
A grande questão do pensamento brasileiro é querer saber quem é o
“Ser Nacional” e que “Nação” é esta. Os estudos para responder a estas
perguntas evidenciam a importância da cultura como sustentáculo
da formação do homem brasileiro, bem como da identidade nacional,
tendo em vista que a cultura representa criação espiritual de um
povo, entendida como as ideias e os pensamentos filosóficos, religiosos,
científicos e artísticos que geram os valores nacionais e indicam um
caminho para a Nação. O termo civilização, por sua vez, traduz os bens
materiais que permitem o bem-estar da sociedade.
Sem sombra de dúvida, é possível dizer que o pensamento brasileiro
nasceu, propriamente, no século XVIII, com as ideias de Sebastião José
de Carvalho e Melo (1699-1782), o Marquês de Pombal, que pretendeu
efetivar uma ruptura radical com a tradição da cultura portuguesa.
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Marques de Pombal |
Ele
procurava transformar o chamado “Saber da Salvação”, no ensino da
Universidade de Coimbra, em um saber, de fato, científico. Estes primeiros
parâmetros, somados à intenção de formar um Império além-mar,
com a língua portuguesa e instituições jurídicas, acabaram por orientar o
desenvolvimento das instruções estratégicas do “Novo Mundo”.
Outro aspecto relevante a ser destacado foi o encontro das culturas
em novo território. Chegando a estas terras, o conquistador português
já encontrou os indígenas, tendo incorporado ao território, logo depois,
o trabalho escravo do negro africano. As peculiaridades de cada uma
dessas etnias, somadas, gerou uma verdadeira “miscigenação cultural”,
que hoje perfaz concretamente a nossa cultura.
Além dessa experiência singular e bela da miscigenação, dois fatores
muito importantes alicerçaram as bases da nascente civilização:
primeiramente foi a determinação de se manter um território indiviso
e, depois, foi a necessidade de se preservar a unidade da língua trazida
pelo colonizador.
Quanto à formação do homem brasileiro, constatamos que os homens
portugueses chegaram ao Brasil praticamente desacompanhados,
enquanto que os escravos chegavam, em média, à proporção de três homens
para uma mulher. A miscigenação dessas raças com as mulheres
indígenas resultou em um povo com sistema imunológico mais resistente.
Assim, o nosso país teve um significativo aumento demográfico,
sendo o “útero indígena” a grande mãe da nação brasileira. Embora
exista considerável volume de obras sobre o processo de formação
histórica da nacionalidade brasileira, esses estudos não nos esclarecem
totalmente. Indicam que a consciência clara do “Ser Brasileiro” surgiu
na terceira geração aqui nascida.
A formação do Brasil e, consequentemente, a do brasileiro sofreu
influências do autoritarismo político e intelectual português, notadamente
na criação do Estado, aliás, como demonstrou o fato histórico da
Independência, quando nos tornamos Império antes de nos tornarmos
nação.
Este autoritarismo criou o Estado Forte, que permanece até os
dias atuais, oscilando entre governos condutores e governos populistas
e mantendo-se no poder uns, pela força e outros, por políticas questionáveis.
Esta situação é agravada por não existir uma Filosofia Política
Nacional, a fim de ordenar o Estado. O Estado interfere como indutor
da economia como modelo corporativista – nem liberal nem coletivista
– dificultando a força empresarial desde os primórdios, como o
ocorrido com o Visconde de Mauá.
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Visconde de Mauá |
O processo de formação do Estado Moderno foi caracterizado pela
unidade territorial, unidade das Forças Armadas, unidade de soberania
e unidade de governo. Paralelamente, aconteceu a adoção das línguas
nacionais na produção nacional.
O Estado Português se organizou ao longo do processo de expulsão
dos mouros e de afirmação da independência em relação a Castela, processo
iniciado por D. Afonso Henriques em 1128, e que ficou virtualmente
concluído com a ascensão ao trono da Casa de Avis, em 1385.
Outro aspecto fundamental na formação do Estado Moderno foi o
nascimento das filosofias nacionais, não em oposição à universal, mas
como reflexões e investigações suscitadas por problemas filosóficos que
marcaram as distintas traduções nacionais. Podemos demonstrar, como exemplos: a racionalidade de René Descartes (1596–1650) o qual colocou a razão humana como a instância legítima da verdade.
Sua filosofia
lançou as bases para a construção da nação francesa.
Por outro lado, o empirismo de John Locke (1632–1704), além de
realçar a importância da experiência na elaboração do conhecimento
humano, alicerçou o liberalismo e a construção cultural da nação inglesa.
O Criticismo de Kant (1724–1804) representou um esforço em
avaliar os alcances da razão humana, propondo que o problema central
de toda crítica é o juízo. A revolução copernicana de Kant trouxe os
arcabouços para a formação política da Alemanha.
Já o pragmatismo de William James (1842–1919) conferiu um
papel determinante à ação e à prática na definição da verdade, que é a
expressão fiel do modo de pensar e agir do povo americano.No Brasil, a partir da Escola de Recife (Séc. XIX), em Pernambuco,
iniciou-se, com Tobias Barreto, uma corrente filosófica nitidamente
brasileira, o “culturalismo”.
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Tobias Barreto |
Tobias Barreto afirmou que é pela cultura
que o homem vai se diferenciar dos demais entes naturais. Destacou-se,
portanto, da natureza com esta faculdade que lhe é própria e, a partir
daí, observou o mundo e procurou dar-lhe sentido, desenvolvendo
sempre as formas do conhecimento que brotam e evoluem ao longo
da história. Esta corrente sugeriu que o homem, através das potencialidades
da cultura, viabilizasse a necessária integração com o mundo
científico. Tal pensamento permeou a construção do pensamento brasileiro,
unindo matrizes do positivismo, do liberalismo e do idealismo
Kantiano ao âmbito da moralidade, alicerçada, por sua vez, a partir de
fundamentos oriundos do cristianismo. Dessa inter-relação de correntes,
nasceu o Pensamento Filosófico Brasileiro.
A formação do Estado Moderno exigiu a unidade das Forças
Armadas. No Brasil, a Marinha nasceu com a chegada da corte de D.
João VI, em 1808. Com a criação da Real Academia Militar, em 1810,
nasceu o Exército. O currículo de modelo pombalino é meramente
profissional, de cunho científico, não contemplando nenhuma abertura
para temas filosóficos ou ético-políticos, destinando-se à formação
de engenheiros e de oficiais do Exército.
Após a Guerra do Paraguai (1865–1870) surgiu um novo Exército e
uma nova Marinha, que, somados ao positivismo inoculado na Escola
Militar da Praia Vermelha, pelas mãos de Benjamim Constant, compõem
o pensamento militar brasileiro.
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Benjamin Constant |
Augusto Comte (1798–1857), embriagado com o desenvolvimento
da ciência, da tecnologia e da indústria daquela época, desenvolveu o
positivismo, primado na ciência e no entusiasmo de que a ordem na
sociedade promoveria o progresso. No positivismo de Comte, a filosofia
é uma espécie de guardiã das ciências, tirando o seu aspecto crítico
e metafísico. Desta forma, o Pensamento Militar Brasileiro, apoiado no
positivismo, idealizou a doutrina da Escola Superior de Guerra (ESG)
e planejou o desenvolvimento, a segurança e a integração do território
brasileiro e, ao mesmo tempo, as condições do desenvolvimento tecnológico
brasileiro.
Dentro deste contexto, a cultura aeronáutica faz parte da cultura
nacional, mormente pela sua força na formação da integração e da
identidade nacional. A exemplo da sua importância, destacamos alguns
momentos históricos:
• A participação da Força Aérea Brasileira, com o 1° Grupo de Aviação
de Caça e a 2ª Elo durante a 2ª Guerra Mundial, nos céus da Itália,
onde combateu bravamente os regimes totalitários.
• O CAN (Correio Aéreo Nacional) que permitiu integrar núcleos de
populações indígenas e caboclas perdidas na vastidão do território
nacional.
• O ITA (Instituto Tecnológico da Aeronáutica), modelar complexo
científico-tecnológico, permitindo a criação e o desenvolvimento da
indústria aeronáutica.
• A COMARA (Comissão de Aeroportos da Região Amazônica) implantando
cerca de 150 aeródromos pavimentados, numa extensão
de terras correspondente a 60% do território nacional.
• O INCAER (Instituto Histórico-Cultural da Aeronáutica) é a instituição
central do sistema da cultura da Aeronáutica, que tem a
finalidade de pesquisar, desenvolver, divulgar, preservar, controlar e estimular as atividades referentes à memória e à cultura da aeronáutica brasileira.
• O DECEA (Departamento de Controle do Espaço Aéreo), configurando
o controle e a vigilância do espaço aéreo.
• A UNIFA (Universidade da Força Aérea), com a criação do mestrado
em Ciências Aeronáuticas, em 2004, permitiu que o pensamento
aeronáutico intercambiasse com o mundo acadêmico.
Outro segmento vital para se entender o Pensamento Brasileiro é
encontrado nas artes, que são uma manifestação do espírito, em que se
insere a cultura popular brasileira, a qual traduz a sensibilidade da alma
nacional. A cultura popular é aquela que sofre menos a influência do
mundo globalizado, por isto, a sua valorização é um poderoso instrumento
de afirmação da identidade nacional. A nossa cultura popular,
fortemente inspirada no folclore, é de base essencialmente lusitana,
embora o indígena e o negro, evidentemente, tenham dosado essa formação,
contribuindo com seus rituais, seus cantos, suas músicas e suas
danças. A cara do Brasil de hoje é dotada de múltiplas facetas culturais,
entre outras, da alegria negra do samba, do sentimento de liberdade e
de vida comunitária dos ritmos e danças indígenas, além da nostalgia
portuguesa do fado.
A literatura brasileira é um manancial de informações sobre o “Ser
Nacional”, da formação da sociedade, das suas manifestações culturais,
da manutenção e divulgação da língua pátria e partícipe da identidade
nacional. Destacamos: José de Alencar (1829–1877), sobre o índio;
Euclides de Cunha (1866–1909), a psicologia do sertanejo e dos costumes;
Câmara Cascudo (1898–1986), folclore e etnografia; Gilberto
Freyre (1900–1987), formação do brasileiro e Sérgio Buarque de
Holanda, Darcy Ribeiro, dentre outros, com suas visões de Brasil.
Ponto marcante para a nossa literatura foi a criação da Academia
Brasileira de Letras (ABL), em 1896, e a figura ímpar de Machado de
Assis (1839–1908), com um extraordinário legado à nossa brasilidade.
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Machado de Assis |
Um exemplar desta intenção é seu artigo “Instinto de Nacionalidade”.
Desdobramentos da nossa literatura são encontrados na Semana de
Arte Moderna, idealizada pela elite intelectual e artística paulista, em 1922, 100 anos depois da Independência.
Questionava a identidade nacional do ser brasileiro e, também, procurava desligar-se das influências
artísticas europeias, especialmente a francesa, na tentativa de
encontrar as raízes nacionais. No pensamento antropofágico de Oswald
de Andrade, brinca-se que todos aqueles que desembarcassem no Porto
de Santos, no litoral de São Paulo, necessitariam da vacina antropofágica,
transformando-se e adotando os sentimentos da brasilidade.
Embora a pintura portuguesa não representasse uma tradição pictórica
em termos absolutos, como a espanhola e a francesa, na Semana
de Arte Moderna, surgiu a obra Abaporu, de Tarsila do Amaral.
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Abaporu |
Posteriormente à construção do MASP, em 1947, as bienais, a partir de
1950, a explosão dos modernistas a Hélio Oiticica, propiciaram, hoje,
o reconhecimento internacional da estética brasileira.
No mundo das imagens, como as artes plásticas, o cinema nacional
iniciou com a fundação, no Rio de Janeiro, em 1941, da Atlântida
Filmes, apresentando as chanchadas, de gosto popular e com o cunho
nitidamente brasileiro. Em São Paulo, no ano de 1950, surgiu a
Companhia Cinematográfica Vera Cruz, na qual foi produzido o filme
O Cangaceiro, em 1953, com diálogos de Rachel de Queiroz, premiado
no Festival Internacional de Cannes. Em 1969, Joaquim Pedro de
Andrade levou para a tela o personagem Macunaíma, de Mário de
Andrade. E, logo a seguir, apareceu o Cinema Novo em que Glauber
Rocha despontou.
A arquitetura anterior das casas portuguesas, aquedutos, passando
pelas esplendorosas igrejas barrocas, chegou à modernidade brasileira,
com a construção de Brasília.
Nessa mesma Semana de Arte Moderna, a música de Carlos Gomes
e Villa-Lobos encarnou o espírito brasileiro e se projetou no campo
internacional.
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Heitor Villa-Lobos |
A riqueza musical transpirou das alegrias e tristezas do
nosso povo, por meio de representantes de uma legião de compositores,
tais como: Noel Rosa, Pixinguinha, Luiz Gonzaga, Ernesto Nazaré,
Tom Jobim e tantos outros, manifestando-se no choro, no frevo, no
forró, no samba, na bossa nova e no tropicalismo.
O terceiro segmento formador do pensamento brasileiro foi o religioso.
A nossa catequese foi com os jesuítas.
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José de Anchieta |
O catolicismo firmou-se e
tornou o Brasil o maior país católico do mundo.
Temos uma característica devocional da nossa fé que produz multidões nas peregrinações
a Aparecida, em São Paulo; a Juazeiro, no Ceará, para visitar o monumento
ao Padre Cícero, e ao Círio de Nazaré, em Belém do Pará.
A filosofia social no Brasil norteia-se pela busca do bem comum dos
cidadãos, alicerçados pela orientação da filosofia tomista. Os valores
nacionais fundamentam-se na ética cristã e nos valores absolutos do
cristianismo como: verdade, bondade, justiça, sabedoria e amor, os
quais estão na base da ação prática de nosso povo e do desejo que temos
de uma nação mais justa e plenamente cristã. Tais valores repudiam, em
sua essência, todas as formas de materialismo e totalitarismo, típicas de
regimes fascistas e comunistas.
Como anjos anunciadores, a Comunicação Nacional consolidou a
língua portuguesa, moldou a unidade nacional e, sobretudo, tornou
pública a alma nacional.
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Hipólito da Costa |
O primeiro jornal brasileiro, criado em 1808,
foi o Correio Braziliense, de Hipólito da Costa, editado em Londres,
sendo o Jornal do Commércio, de 1827, o mais antigo em circulação.
Embora Roquete Pinto seja o pioneiro da radiodifusão, em 1936,
foi a Rádio Nacional que se firmou como o maior veículo de comunicação
até os anos 1960.
Em 1950, Chateaubriand criou a TV Tupi. Mas, a partir de 1965,
a TV Globo, de Roberto Marinho, aproveitou a linguagem estética das
artes plásticas, do cinema e da ópera brasileira. O carnaval e as danças
do nosso folclore, somados ao conteúdo do rádio, transformaram-na
em um veículo nacional, impondo uma forma de pensar, através de
suas novelas, jornalismo etc. Recentemente, a TV Globo ampliou sua
área de atuação, levando a língua portuguesa a mais de 280 milhões de
pessoas.
Nas análises realizadas pelo Grupo de Estudos, observamos que o
homem é um Ser Cultural na visão ética; vimos que é livre na visão
ontológica e que é espírito e a imagem de Deus. Analisando a trajetória
do Ser Brasileiro, mostrou-se a superação dos conflitos nos momentos
cruciais da nossa história. Essa superação delineou, também, a formação do espírito do brasileiro tão bem sintetizado por Ribeiro Couto
(1898–1963), membro da Academia Brasileira de Letras, como sendo “homem cordial”.
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Ribeiro Couto |
Do homem cordial, há uma projeção para o círculo
familiar e o Estado.
O pensamento nacional é, em suma, erigido pelo seu valor universal.
Nisto reside sua força e presença junto aos outros povos. Assim
sendo, a alma cordial de nosso povo tem sido, no transcurso do tempo,
um exemplo de diplomacia, tolerância e entendimento para todas as
culturas, os credos e os povos. O Brasil nasceu de um projeto português
de universalidade de viver em paz com todos os povos.
Um padrão de instituição brasileira capaz de mostrar a maneira
de ser de um povo cordial foi o Itamaraty. Barão do Rio Branco
(1845–1912), exemplo da nossa diplomacia, com seu profissionalismo
apolítico e convivência pacífica entre nações, deixou um legado como
ensinamento, conceitos, exemplos, princípios e valores.
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Barão do Rio Branco |
Assim, estudar o pensamento brasileiro nos permite tomar consciência,
gradativamente, do que é, de fato, “ser brasileiro”, além de nos
estimular a preservar a cultura e os valores nacionais, partes singulares da
nossa brasilidade, daquilo que nos constitui como nação e, sobretudo, a
necessidade de elaborar o entendimento de que a nação deve prevalecer
sobre o Estado. Mas ainda há muitos mistérios a serem desvendados no
carimbó, no bumba meu boi e no samba deste povo que dança e é feliz
na Terra de Santa Cruz.
Autor: Araken Hipólito da Costa.
Coronel-Aviador Reformado, graduado em
Arquitetura e Urbanismo, Diretor do Departamento Cultural do Clube
de Aeronáutica e Conselheiro do INCAER.
Imagens: Google