Boa leitura.
Bom domingo!
O Mito Santos Dumont
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Luiz Pagano, Tizuka Yamasaki e Ricardo Magalhães - Cadê o Museu de Santos=Dumont? |
Por que o mundo acredita que os irmãos Wright inventaram o avião tendo tanta documentação científica dando a primazia a Santos Dumont?
A resposta a essa pergunta é simples – Brasil é pouco afeito a produzir mitologia sobre si próprio. Sendo assim, a segunda pergunta a se fazer é cadê o Nosso Jack London?
Um movimento denominado 'As Bandeiras de São Paulo' iniciou sua busca por ouro e pedras preciosas 250 anos antes dos norte-americanos, gerando a primeira grande corrida do ouro no mundo; tivemos outra aventura enorme nesse sentido, em Serra Pelada e nada/ou muito pouco foi relatado. Porém, em 1903, o genial Jack London encantou o mundo com audácia e ousadia norte-americana no livro O Chamado da Natureza, relatando mitos de uma aventura semelhante às brasileiras, no entanto de proporções muito menores.
Desde que o termo mouseion, o templo das musas inspiradoras, foi usado pela primeira vez em Alexandria no século II aC, um espaço projetado para excitar a mente dos jovens com conhecimento enciclopédico, para consumir e gerar ciência, o mundo inteiro sabe da importância de tal instituição, para incentivar a cultura de um povo, menos nós aqui no Brasil.
Em 1506, os Museus do Vaticano abriram as portas enaltecendo papas e o cristianismo e, aqui no Brasil, a triste história da museologia surge com o Museu Nacional, o nosso primeiro museu de 06 de junho de 1818, que exatamente 200 depois, demonstra a nossa inépcia em lidar com tais instituições, quando um incêndio de mega proporção destruiu parte de nosso legado no ano de 2018.
Legado e Mitificação
Essa foto da abertura da matéria carrega uma simbologia muito importante, a da
‘quase execução’. Nela vemos eu, Luiz Pagano, quem escreve
esse blog, a amiga Tizuka Yamasaki, diretora do clássico filme dos anos 80
Gaijin, que desde aquela época quer fazer uma filme sobre Santos=Dumont e nunca conseguiu e o Professor Ricardo Magalhães, que luta incansavelmente pela preservação e divulgação do Pai da Aviação.
Nós três formamos um grupo de “potenciais Jack London” com poder de mitificar Santos=Dumont, mas parece existir uma mística força estranha, anti-brasileira, que nos impede de seguir em frente.
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Quando eu tinha 16 anos, conheci uma das mulheres mais especiais de minha vida: Dona Ada Rogato (na foto, eu me sento a frente do Cesna 140 que ela usou para circunavegar as Américas). Em 1983, eu queria trabalhar, fazer algo interessante e fui voluntário para limpar aviões no antigo museu da aeronáutica, na Oca do Ibirapuera. |
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...na outra foto, por muita coincidência, a outra mulher mais importante da minha vida, minha esposa Jane Bieringuer (a do meio) na última festa que aconteceu no museu da Aeronáutica, de dois anos do Flash Power Energy Drink em 30 de março de 1999, promovida por Arnaldo Waligora e Paulinho Machline. |
Se tem um homem que ama e luta por Santos=Dumont, esse homem é o grande irmão, Professor Ricardo Magalhães, que junto a mim, a Marcos Villares, sobrinho-bisneto do aviador, outros sobrinhos como o Arnaldo e o Jorge Dumont Villares, seu cunhado Ricardo Severo e um seleto grupo de amigos - não pensa duas vezes em dedicar tempo e dinheiro ao esforço de manter viva e íntegra a memória de Santos=Dumont.
Já na década de 1930 o Museu do Ipiranga passava por dificuldades, três anos após a morte de Santos=Dumont, Arnaldo Villares, Jorge Dumont Villares e seu cunhado Ricardo Severo, doaram uma boa verba ao museu para a criação da Sala Santos Dumont, com milhares de itens que pertenceram ao aviador.
O acervo era composto por um conjunto de 1670 peças de variados tipos como documentos tridimensionais, iconográficos e textuais que pertenceram ao inventor ou foram produzidos em sua homenagem. No ano seguinte, sob a gestão de Affonso de d'Escragnole Taunay foi então criada a "Sala Santos Dumont". As obras de reforma do museu também foram realizadas e financiadas pela família de Dumont.
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Foto de minha visita ao antigo IV COMAR no dia 19 de outrubro de 2016, com objetos que pertenceram a Santos=Dumont |
A confecção do mobiliário expositivo foi executada sob medida no Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo (diz minha bisavó, Julia Maiello, que meu avô, Nicola Maiello veio da Província de Caserta, em Florença para esculpir móveis para a tal empreitada).
Enfim, a inauguração aconteceu em 23 de outubro de 1936 e desde então teve-se muita dificuldade em se manter a sala e a memória do aviador.
Nessa época também existia a ideia de criar um espaço para homenagear Santos Dumont no novo Parque do Ibirapuera, que estava em concepção. Instabilidades políticas no Brasil na era Vargas adiaram o projeto em 20 anos, sendo somente inaugurado em 16 de outubro de 1960, (nessa época já existia a fundação Santos=Dumont, criada nos anos 1950) nos pavimentos do Pavilhão Lucas Nogueira Garcez, mais conhecido como Oca, projetado pelo arquiteto brasileiro Oscar Niemeyer no Parque do Ibirapuera.
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Foto de minha visita ao antigo IV COMAR no dia 19 de outrubro de 2016, com objetos que pertenceram a Santos=Dumont |
Mantido pela Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo, o Museu da Aeronáutica contava ainda com o apoio do Ministério da Aeronáutica e de empresas particulares.
O museu teve suas portas fechadas ao público geral em 1996 e passou a receber apenas alguns eventos particulares, como a festa de dois anos do Flash Power Energy Drink promovida por Paulinho Machline, Udo Holler e Arnaldo Waligora, que ocorreu no dia 30 de março de 1999, empresa que minha esposa trabalhava na época
O museu foi definitivamente encerrado no ano 2000, alegadamente em função da mega exposição "Brasil+500 - Mostra do Redescobrimento", que englobava também o prédio da Fundação Bienal e o Pavilhão Manoel da Nóbrega e reunia obras desde o período pré-cabralino até o século XX.
A OCA do Ibirapuera passou a ser usada em grande escala para as exposições do "mecenas" Edemar Cid Ferreira, do "polêmico" Banco Santos.
Com a revogação da concessão do espaço ocupado pelo Museu da Aeronáutica no parque, a Fundação Santos Dumont e a Prefeitura de São Paulo transferiram todo o acervo para uma área reservada no Parque CEMUCAM, em Cotia, que passou a se chamar Parque Santos Dumont.
Em 2002 um novo museu foi inaugurado em Guarulhos, e parte do acervo foi levado para lá, como visto nessa matéria da revista ASAS desse ano.
Transcrição da Matéria
O comandante da BASP cel. Lima de Andrade, e o prefeito de Guarulhos, Eloi Pietà, inauguram o novo museu.
Inaugurado o Museu Aeronáutico de Guarulhos
Num evento dos mais concorridos, for inaugurado na manhã de 5 de dezernbro de 2002 o mais novo museu de aviação brasileira, o Museu Aeronáutico de Guarulhos, resultado de um convênio entre a Base Aérea de São Paulo (BASP), a Fundação Santos-Dumont e a Prefeitura de Guarulhos (ver ASAS n°10). O novo museu é localizado na própria BASP e, nesta primeira fase de implantação, conta com um hangar onde estão expostos um Fairchild PT-19, um biplano Muniz M-7 e o North American T-6D Texan (pilotado pelo cel. Braga na Esquadrilha da Fumaça) e um grande salão de exposições, climatizado e com lanchonete e revistaria. Neste salão, em excelentes condições de exposição, protegidas em vitrines de vidro, estão várias peças de grande importância histórica referentes a Alberto Santos-Dumont, como a nacele do 14-Bis, o cesto do balão Brasil (também usado nos dirigíveis N° 1, 2 e 3), peças de seu vestuário e usadas por ele nos voos, documentos originais e outros itens. Além disso, suspenso, está exposto um Demoiselle original.
Com a inauguração do museu, a população da Grande São Paulo volta a contar com um genuíno espaço histórico dedicado à aviação, algo de que fora privada desde o lamentável fechamento de museu no Parque do Ibirapuera.
O novo museu é totalmente aberto ao público, funcionando de quarta a domingo das 9h às 16h, com acesso pelo Portão G-3 da Base Aérea de São Paulo (BASP). O caminho é pela Avenida Hélio Smidt, que vai para o Aeroporto Internacional de São Paulo (Cumbica), onde placas informam a saída para a BASP e o museu.
Depois disso, a maior parte do acervo estava na Base Aérea de São Paulo em 2007, em péssimas condições, bem como a parte que estava no CEMUCAM, biblioteca e materiais menores, que pertenciam a Fundação Santos Dumont, com o major-brigadeiro José Vicente Cabral Checchia a frente da Fundação Santos-Dumont na época.
O Professor Ricardo Magalhães, Secretário do Conselho de Curadores da Fundação Santos Dumont foi o responsável por trasladar tudo para Santos, com recursos próprios, que recebeu diversas relíquias que foram adicionadas ao acervo do Museu de Aeronáutica de Santos o chamado ‘Museu Aéreo da Baixada Santista’, com curadoria do próprio Ricardo, administrado na época pelo Tenente Coronel Jorge Tebicheranede, de 2007 a 2008.
Mudanças na aeronáutica, que transformaram a Base Aérea de Santos em Núcleo da Base Aérea, com consequente redução de efetivo, fizeram o museu ser desativado e o acervo levado de volta para perto do museu do Ipiranga, destino inicial da década de 1930, no 4º COMAR, sob administração do Tenente-Brigadeiro do Ar Marcelo Kanitz Damasceno.
Lá um relatório da Fundação Santos=Dumont foi feito com peças do acervo, acompanhado por Ricardo Magalhães, que com a ajuda de uma equipe da USP, fizeram o traslado.
Criado em 27 de março de 1942, o Quarto Comando Aéreo Regional (IV COMAR), sediado em São Paulo (SP), encerrou suas atividades em agosto de 2017 se transformando em COMGAP, e com isso o acervo foi levado para o Yatch Club de Santos.
Com a chegada da pandemia em 2020, sob a administração do major-brigadeiro Paulo Roberto Pertusi, parte foi trasladado de volta para a Base Aérea de São Paulo (
este blog não teve acesso para onde foi levado a outra parte).
Alguns dos itens do antigo Museu da Aeronáutica, como o hidroavião Jahu, utilizado pelo Comandante João Ribeiro de Barros para cruzar o Atlântico Sul, passaram por restauração promovida pela Fundação para ser exposto no então Museu TAM, em São Carlos.
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Luiz Pagano e Tizuka Yamasaki |
O grande sonho do comandante Rolim Adolfo Amaro, fundador e presidente da TAM Linhas Aéreas, e de seu irmão João Francisco Amaro, o Museu da TAM, inaugurado experimentalmente no dia 11 de novembro de 2006, no distrito de Água Vermelha, em São Carlos, anexo ao Aeroporto de São Carlos e LATAM MRO, funcionou por 10 anos, crescendo de 32 aeronaves para 100 delas.
Dando sequência ao infindável vai-e-vem de fechamentos de museus, esse também foi desativado em janeiro de 2016. Avalia-se a transferência do acervo do Museu TAM para novas instalações a serem construídas no local onde se encontra o Memorial Aeroespacial Brasileiro, na cidade de São José dos Campos.
Perdas irreparáveis
É evidente que em cada uma desses deslocamentos, independentemente dos esforços do Ricardo, meus e de nossos amigos, muita coisa se perde. Como tudo é feito com recursos próprios e as vezes, sem a anuência e conhecimento prévio emitidos pela aeronáutica, as dificuldades se multiplicam.
Espero de todo meu coração que um dia possamos ter a segurança e o prazer de termos um sistema de museologia dignos, bem como o enaltecimento de nossos mitos de forma comparável aos dos americanos, para que possamos, enfim, contar nossa história com mais respeito, aumentando a amor e a dedicação do povo brasileiro à ciência e à cultura.
Referências:
AERO Magazine, Inner Editora;
BUENO, Eduardo - Presentismo e Presentificação do Passado: a Narrativa Jornalística da Historia na Coleção Terra Brasilis – 2010;
FAB, Força Aérea Brasileira | CPDOC». cpdoc.fgv.br.- Fundação Santos Dummont». www.santosdumont.org.br;
Folha de S.Paulo - Descobrimento: Brasil 500 Anos vai expor carta de Caminha - 03/06/1999». www1.folha.uol.com.br;
GALANTE, Alexandre (15 de maio de 2018). «Museu Asas de um Sonho será instalado em São José dos Campos (SP)». Poder Aéreo - Forças Aéreas, Indústria Aeronáutica e de Defesa;
MEMORIAL 0122A - Lucas Nogueira Garcez ZH 2014;
MUNDO Educação. - Como surgiu o avião? - Mundo Educação»;
Revista Turismo - Parque do Ibirapuera. www.revistaturismo.com.br