Com a repercussão do filme "O Pequeno Príncipe", animação dirigida por Mark Osborne, os voluntários do NINJA - estimulando a pesquisa sobre o tema - selecionaram para hoje a apresentação do livro da irmã dominicana Rosa Maria, publicado em 1973. Ela ficou nacionalmente conhecida ao responder sobre Saint-Exupéry no antigo programa de televisão O Céu é o Limite. Reproduzimos, também, o prefácio deste livro, uma bela carta de Jean-Gérard Fleury, amigo de Saint-Exupéry.
Boa leitura.
Bom domingo!
SAINT-EXUPÉRY E O PEQUENO PRÍNCIPE
APRESENTANDO
Nota de apresentação à 2ª edição do livro “Saint-Exupéry e o Pequeno Príncipe”.
Você vai ler, prefaciando este livro, a carta que me escreveu um amigo de Saint-Exupéry.
Quando o procurei no Rio, em setembro último, foi com emoção que o ouvi falar do Amigo-Piloto, com a ternura e a fidelidade dos grandes companheiros da “Aéropostale”.
O Senhor Jean-Gérard Fleury é simples, modesto e tem uma memória excepcional. Lembra-se, com detalhes, dos momentos vividos na companhia de Saint-Exupéry e de seus companheiros de pilotagem com a maravilhosa memória do coração.
Entreguei-lhe as cópias dos originais deste livro e fiz-lhe um pedido: Eu desejava saber se tinha sido fiel a Saint-Exupéry.
Ao devolver-me as cópias, três dias mais tarde, Jean-Gérard me disse: “Fique tranquila. Geralmente temos tendência a elevar à santidade ou ao heroísmo aqueles que admiramos, quando morrem. Não se preocupe. Tudo o que você disser de positivo sobre Saint-Exupéry ficará sempre aquém da realidade”.
Dias depois mandou-me a carta que serve de prefácio a este livro.
Agradeço a Jean Gérard a delicadeza de seu gesto.
Há poucos dias, pelo telefone, eu lhe dizia tudo o que a Aviação Brasileira deve ao pioneirismo dos rapazes da “Aéropostale”, especialmente a Paul Vachet, Mermoz, Etienne, Reine, Guillaumet e Saint-Exupéry. Plantando pistas de pouso e postos de abastecimento e conservação ao longo de nossas praias, de Natal ao Rio Grande do Sul, com aviões frágeis, desenvolvendo apenas 160 quilômetros por hora, foram eles que semearam asas no Brasil. Jean-Gérard lembrou-me, então, que o Aeroporto dos Afonsos, no Rio, nasceu do idealismo desses pilotos, técnicos e mecânicos, impulsionando nossos homens entusiasmados com o aparecimento dos primeiros aviões deste lado do Atlântico.
O Brigadeiro Eduardo Gomes, figura das mais representativas da Aeronáutica de nosso país, inspirou-se na “Aéropostale” quando fundou o nosso extraordinário Correio Aéreo Nacional.
E continuei: Creio que o exemplo de dedicação e heroísmo que nossos pilotos receberam dos pilotos da “Aéropostale” foi a mais bela colaboração que o Brasil recebeu da França. Em nome de todos eles eu lhe agradeço.
Jean-Gérard me ouviu com atenção e, com aquela elegância moral que lhe é própria, respondeu-me: “Mas minha Irmã, tudo começou com Santos Dumont. Foi o Brasil que primeiramente deu asas à França. O que fizemos foi apenas retribuir...”
O Correio Aéreo – a Linha – como diziam os Franceses, partia de Tolosa, fazia escalas na Espanha, no Norte da África e tinha seu ponto final em Dakar. Para servir a América do Sul a “Linha” passou a trazer as malas de correspondência de Dakar a Natal por via marítima. Em Natal passavam as malas do correio para o avião que lá estava à espera.
Fazendo inúmeras escalas, além das descidas por pane, como aconteceu em Santos, Ubatuba e Praia Grande, chegavam a Buenos Aires.
Saint-Exupéry foi encarregado de estender a “Linha” até Punta-Arenas. De Buenos Aires foram a Santiago, transpondo os Andes. Santiago era o ponto final da “Linha”, na América do Sul.
O primeiro voo noturno foi efetuado por Mermoz, em Abril de 1928, ligando Rio a Buenos Aires. Esse mesmo piloto – Mermoz – fez a travessia do Atlântico, em 21 horas e 15 minutos, chegando a Natal no dia 12 de maio de 1930, pilotando um pequeno hidroavião. Foram seus companheiros o navegador Dabry e o rádio Gimié.
Em 1970 esteve no Brasil o grande pioneiro da Aéropostale: Didier Daurat. Nada foi noticiado sobre a presença deste francês apaixonado pela aviação e ele aqui passou sem que fosse notado. No começo deste ano morreu Didier Daurat, o chefe da Linha Letécoère, que engajou Saint-Exupéry na Linha Tolosa-Dakar, em Outubro de 1926.
Também faleceu, recentemente, a mãe de Saint-Exupéry – Marie de Fonscolombe, Condessa Jean de Saint-Exupéry.
Este livro tem o objetivo de divulgar aquele que escreveu: “Nós nos unimos no sorriso, acima das línguas, das castas e dos partidos”. Destina-se a meus irmãos, todos, sem exceção de raça, de idade e de religião.
Os jovens, com certeza, encontrarão em Saint-Exupéry o amigo fiel, o irmão mais velho, o companheiro de jornada. Conhecerão aquele que nos diz: “Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas. Tu és responsável pela tua rosa...” E ainda: “Eu te desejo fiel. Porque a fidelidade consiste em ser fiel, antes de tudo, a si mesmo”.
Irmã Rosa Maria
São Paulo,
7 de outubro de 1973
CARTA DO SR. JEAN-GÉRARD FLEURY
Prefácio do livro “Saint-Exupéry e o Pequeno Príncipe”.
Minha querida Irmã,
E assim você descobriu no Brasil, no Rio de Janeiro, alguém que foi durante catorze anos um amigo próximo de Antoine de Saint-Exupéry. Imediatamente você veio me ver, esperando provavelmente, encontrar em mim não sei que reflexo sobrenatural desse companheiro iluminado. E depois, quase timidamente, você me pediu que lesse os originais de um trabalho que você lhe tinha consagrado. Eu li esses originais e me apresso em dizer-lhe:
– Tranquilize-se, minha Irmã, e publique sem temor o seu livro.
Você não conheceu Saint-Exupéry – Saint-Ex., como nós o chamávamos – senão vários anos depois de sua morte. Você não assistiu suas apresentações de passes mágicos com baralho, você não o ouviu cantarolar velhas canções das províncias francesas – você não o viu no seu posto de pilotagem, a face suavemente iluminada pela lâmpada vermelha do painel do avião, procurar a estrela que, acima da bruma, o guiaria até o farol do Forte Juby...
Mas você leu, avidamente, sua obra. Você foi levada, por seu sopro místico, para bem longe dessa literatura desiludida que reduz o homem a algumas funções físicas. Você compreendeu que Saint-Exupéry trazia a uma juventude deprimida pela perspectiva de uma vida medíocre, o entusiasmo da alma que embeleza as tarefas mais modestas. Ela exalta sua profissão, a de aviador, que era então uma profissão cheia de perigos. Mas você leu também as páginas em que ele admira o jardineiro que cultiva suas flores com amor.
Para Saint-Exupéry o homem só cumpre sua missão neste mundo quando escapa à tentação do egoísmo, quando dá mais do que recebe, quando se abre à fé e ao amor e consente nos sacrifícios que tornam sua vida fértil.
Tudo isso você sentiu. Você o exprimiu muito melhor do que eu poderia fazê-lo nestas rápidas linhas e eu tenho certeza de que nada teria deixado Saint-Exupéry mais comovido, do que saber que uma Irmã brasileira dedicou-se à difusão dos seus pensamentos mais caros.
Queira receber, minha querida Irmã, meus respeitosos sentimentos.
Jean-Gérard Fleury
Rio, 27 de setembro de 1973