Hoje, 30 de outubro, teremos o segundo turno das eleições municipais em muitas cidades brasileiras. Pensando nisso, selecionamos do
AEROMAGIA um artigo publicado há uma semana, por ocasião do Dia do Aviador. Ele reporta à questão da política e dos políticos, com ênfase nos deputados federais, cuja eleição acontecerá em 2018. Vale para refletir e pensar muito bem na hora de escolher os nossos representantes. E, depois de elegê-los, manter extrema atenção em suas iniciativas, alertando-os sempre, para evitar ações equivocadas.
Boa leitura.
Bom domingo!
Querem monetizar a palavra ‘aviador’
Texto: Plinio Lins
Hoje, 23 de outubro, é dia de parabenizar os amigos que voam e que são apaixonados por aviação – os aviadores. Mas desculpe estragar a festa: pode ser que em breve essa data mude de conotação.
Meses atrás, conversava eu com um aluno de uma renomada faculdade de ciências aeronáuticas, e que estava agora fazendo o curso de Piloto Comercial. Entre outros temas gerais de aviação, perguntei a ele como era o curso: que tipo de matéria estudavam, se as provas eram difíceis, etc. A resposta que tive foi a do típico enfastiamento pelo qual qualquer universitário brasileiro passa quando vai chegando ao final da faculdade: grande parte das matérias era enfadonha, muitas delas resumidas, outras delas inúteis e apenas para ‘encher linguiça’, o inglês era básico, e boa parte dos alunos preferia matar aula nos bares, preocupando-se com os estudos apenas nas vésperas das provas. Enfim, um curso superior como outro qualquer. Perguntei se havia alguma matéria sobre ‘história da aviação’ (na faculdade de Direito eles ensinam a História do Direito, na de arquitetura tem a História da Arquitetura, etc). Mas para minha desolação, fiquei sabendo que não há ‘história da aviação’ na grade de matérias. Ou seja, todo o desenvolvimento da aviação, histórias de ases e aviadores, tudo isso é desprezado. Nada de moralmente errado, mas também nada empolgante.
Hoje, dia do Aviador, recordo-me de que, quando comecei a fazer o PP, fui contar para minha avó, e ela perguntou: “Então você está fazendo curso de aviador?” Na juventude dela, quem pilotava aviões era sempre um aviador, isso é fato. Mas quando ela disse isso, soou algo ainda muito ‘alto’ para mim. Na minha mente, essa expressão era mais adequada para figuras como o Barão Vermelho, Bob Hoover, Douglas Bader, Eric Hartmann, Pierre Clostermann, Alberto Bertelli, Cel Braga… enfim. Eu respondi à minha avó: “Não, não é curso de aviador, é só de piloto mesmo…para ser aviador vai demorar muito ainda, e nem sei se chego lá”.
Pela quantidade de textos que surgem no dia 23 de outubro, é possível ver o quão sagrada é a expressão ‘aviador’. É uma palavra que, pelo seu histórico, adquiriu um status quase igual do ‘cavaleiro’, para o qual não bastava dominar um cavalo ou ser um exímio guerreiro. Na época da cavalaria não havia ‘curso de cavaleiro’. Era um conjunto de qualidades técnicas e morais, somadas a experiências de vida, que formavam um cavaleiro. E a aviação quando surgiu tinha algo de cavalaria. O ‘Barão Vermelho’ era uma espécie de cavaleiro – e foi para homenagear sua memória que seus inimigos ingleses inventaram o ‘missing man formation’ (um rito digno de cavalaria). Ter sido piloto de caça na Luftwaffe ou na Royal Air Force durante a Segunda Guerra é quase como ter sido da Távola Redonda…
Aviadores também foram aqueles que cruzavam o Atlântico navegando com referência visual nas estrelas, ou então os que instituíram o C.A.N. – Correio Aéreo Nacional – pelos rincões do Brasil. Esses podiam ser comparados aos navegadores de caravelas ou aos bandeirantes. E iguais a esses, há muitos outros, que igualmente foram e ainda continuam sendo aviadores, muitos deles vivendo entre nós.
Enfim, dentro de todo esse contexto, eis que, semanas atrás, me deparo com a notícia de que um certo deputado mineiro (Caio Nárcio,
clique aqui para ter acesso ao perfil dele na Câmara), provavelmente instigado pelos idealizadores do www.projetoaviador.org, resolveu apresentar – sem qualquer consulta entre os pilotos – um projeto de lei pelo qual, num futuro próximo, o título de ‘aviador’ seja ostentando somente por quem tenha o canudo de uma faculdade aeronáutica. O texto diz assim:
Art. 2º – Para os efeitos desta Lei, ficam estabelecidos os seguintes conceitos e definições:
I – Aviador: Profissional que se ocupa de aviação, titular de licença de piloto de aeronaves em conformidade com o Art.3º desta Lei.
II – Piloto: toda pessoa titular de licença, emitida pela autoridade de aviação competente, para operar e praticar a pilotagem de aeronaves ou veiculo aéreo, independente do caráter profissional, desportivo ou privado da atividade aérea, respeitadas as normas de operação, de navegação, de controle do espaço aéreo, leis e decretos.
Art. 3º – O exercício no País da profissão de Aviador, observadas as condições de capacidade e demais exigências legais, é assegurado:
I – Aos titulares de licença de Piloto Comercial ou de Linha Aérea, expedidas por autoridade aeronáutica competente antes da entrada em vigor desta Lei.
II – Aos titulares de diploma de graduação em Ciências Aeronáuticas, expedido por escolas de ensino superior, oficiais, reconhecidas pelo órgão competente, e que o licencie à pilotagem profissional de aeronaves.
No artigo quarto ele dá o seu presente aos aviadores:
Art. 4º São reservadas exclusivamente aos profissionais em conformidade com o Art.3º desta Lei, a denominação de aviador.
Além disso, esse projeto de lei pretende criar um conselho para ‘cuidar’ dos aviadores (igual à OAB, CREA, CRM, etc):
Art. 19º Ficam criados o Conselho Federal de Aviação – CONFAV e os Conselhos Regionais de Aviação – CRAv, como autarquias dotadas de personalidade jurídica de direito público, com autonomia administrativa e financeira e estrutura federativa, cujas atividades serão custeadas exclusivamente pelas próprias rendas.
§1º O Conselho Federal de Aviação e os Conselhos Regionais de Aviação têm como função orientar, disciplinar e fiscalizar o exercício da profissão de aviador.
§2º O Conselho Federal de Aviação é o órgão máximo deliberador do exercício profissional na pratica da aviação.
§3º O Conselho Federal de Aviação terá sede e foro em Brasília, Distrito Federal.
Ora, além de piloto e fotógrafo, sou formado em Direito e envolvido em atividades do Judiciário, e nessa condição posso dizer que 90% desses Conselhos Profissionais não são presididos pelos melhores da categoria, e sim pelos mais politiqueiros. Ademais, salvo raras exceções, a maioria dos Conselhos só atua para ajuizar execuções fiscais contra quem não paga a ‘sagrada’ anuidade (que nunca é barata). Não consigo ver vantagem em criar uma entidade dessas para pilotos (ops, para ‘aviadores’).
Talvez quem idealizou esse projeto realmente tenha sido um bom aluno numa faculdade aeronáutica, e talvez acredite que todos estudantes vão às aulas ansiosos pela aviação em si… mas não saiba que a realidade nacional é que muitos querem apenas se livrar daquilo tudo o quanto antes. E fora que os principais ofícios dessa carreira – sentar num avião, aprender a voar, dominar uma máquina, e adquirir a excelência do airmanship – continuam impossíveis de serem ensinados nos assentos de uma faculdade.
Em grande parte esse projeto de lei parece apenas seguir a tradição recente da nossa aviação tupiniquim, onde quase todos, desde aeroclubes, oficinas, até o mais alto escalão da agência reguladora, são especialistas em ‘criar dificuldades para vender facilidades’.
Mas imaginemos que realmente seja necessário aprovar essa lei: sei que há estudos sobre a real necessidade melhor formar pilotos civis, e não quero desprezá-los aqui. Mesmo assim, devo manifestar a indignação com o despropósito, com a falta de tato, com a bola fora que é pretender que, num futuro próximo, a palavra ‘aviador’ seja usada meramente para qualificar uma licenciatura, uma categoria profissional, e seja concedido por lei àqueles que tenham se sentado num banco de faculdade e feito as habilitações sem um pingo de amor à aviação.
Alguém dirá que na esfera militar o título de aviador é acrescido à patente de quem se formou piloto, e ninguém acha isso um exagero. Mas a carreira militar predispõe naturalmente a uma série de abnegações e sacrifícios que fazem o título ser merecido, mesmo para pilotos ainda pouco ‘voados’, o que não é o caso da maioria dos pilotos civis.
Enfim, o que realmente me revoltou é que o título de ‘Aviador’ – conquistado historicamente por quem ‘comeu muito sal’ na vida aeronáutica – seja transformado em moeda de troca. Se compararmos com o mundo da pintura, por exemplo, seria o mesmo que pretender dizer que ‘somente o profissional formado em uma universidade de Artes poderá ser chamado de artista‘.
Certamente quem fez o rascunho desse projeto de lei não considerou todo o sentido que a palavra ‘Aviador’ adquiriu com o tempo, não só a nível nacional como mundial. Imaginem o absurdo que seria qualificar um veterano que esteja apenas com o ‘PP’ válido como um simples ‘piloto’ (ou será que existirá um ‘aviador aposentado’?), ao mesmo tempo que se conceda sumariamente o título de ‘aviador’ a alguém que acabou de receber um canudo e recém cumpriu as horas mínimas…
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Se depender dos burocratas tupiniquins, a Ray-Ban deverá repensar o
título da sua série de óculos ‘Aviator”. E os fabricantes de jaquetas
idem. |
Que encontrem outro título para essa licenciatura, porque é impossível fazer ‘curso de aviador’ lendo livros teóricos dentro de uma sala com ar condicionado.