Em janeiro de 1927 o Syndikat Condor inaugurou a sua primeira linha aérea regular no Brasil (Rio de Janeiro-Porto Alegre-Rio de Janeiro), com escalas em Santos, Paranaguá/PR, São Francisco/SC e Florianópolis/SC. No conteúdo a seguir - que voltamos a publicar - saiba mais sobre esta grande conquista.
Boa leitura.
Bom domingo!
NAS ASAS DO CONDOR
A primeira empresa aérea de origem alemã a operar no Brasil foi o Sindikat Condor, - nacionalizado em 1/12/1927 sob o nome Syndicato Condor Ltda., trocado em 19/8/1941 para Serviços Aéreos Condor Ltda. e em 16/1/1943 para Serviços Aéreos Cruzeiro do Sul Ltda. -, cujo voo experimental foi em novembro de 1926, com um hidroavião alemão Dornier Wal, ligando Buenos Aires ao Rio de Janeiro.
Em janeiro de 1927 foi inaugurada a sua primeira linha regular (Rio de Janeiro-Porto Alegre-Rio de Janeiro), com escalas em Santos, Paranaguá/PR, São Francisco/SC e Florianópolis/SC. Dois anos depois, em 11/1/1929, o terceiro hidroavião da linha, o Bartholomeu de Gusmão (do tipo Dornier Wal, com prefixo P-BADA, que havia chegado ao Brasil em 1927), acidentou-se em Santos, sendo destruído por um incêndio.
Içamento do Taifun a bordo do navio Westfalen, na costa da África Foto: Lufthansa
A rota bissemanal Rio de Janeiro/Porto Alegre já utilizava o hidroavião trimotor Junkers G-24.
Durante a II Guerra Mundial, em 16/1/1943, a empresa (ligada à alemã Lufthansa) foi nacionalizada e passou a se chamar Cruzeiro do Sul, sendo mais tarde incorporada pela Varig.
Alemanha/Argentina, via Santos
Em 3/2/1934, começou em Stuttgart, na Alemanha um memorável voo que em 66h12 cobriria a rota atlântica até Buenos Aires (13.283 km), passando por Barcelona e Sevilha (Espanha), Vila Cisneros (Sahara Ocidental) e Bathurst (Gâmbia Inglesa), Natal, Recife, Salvador, Caravelas, Rio de Janeiro, Santos, Florianópolis, Porto Alegre, Rio Grande, e ainda por Montevidéu e Buenos Aires.
A bordo do Westfalen, oficial controla a catapulta que lançará o Taifun Foto: Lufthansa
O primeiro voo transoceânico do mundo, em vez de ligar Europa e América do Norte como muitos poderiam supor, foi portanto o T.O.1 da atual Lufthansa (T.O. significando transoceânico). Esse voo foi também a primeira linha aérea postal da História da Aviação.
O voo T.O.1/Sul decolou na madrugada de 3/3/1934, com 37,53 kg de correspondência, do aeroporto de Stuttgart. Um avião monomotor (de 600 HP) Henkel HE-70 Blitz, a mais veloz aeronave da época (370 Km/h), tendo como tripulantes o comandante Robert Untucht e o rádio-operador Karl Kirchhoff, dirigiu-se à cidade de Sevilha fazendo escala em Barcelona.
O Taifun, logo após ser catapultado do navio Westphalen em Bathurst, na costa africana, em direção ao Brasil Foto: Lufthansa
Iniciando o revezamento de aviões, em Sevilha a mala postal foi transferida para o trimotor Junkers JU-52 Zephyr prefixo D-2526, que decolou imediatamente, foi reabastecido em Las Palmas, e seguiu para a Gâmbia Britânica, descendo em Bathurst, no estuário do rio Gâmbia, porto da então colônia britânica.
Já estava ancorado ali o navio-catapulta alemão Westfalen, com dois hidroaviões bimotores Dornier Wal DO-18: o Passat (prefixo D-2068) e o Taifun (prefixo D-2399 - D-AKER). Um mensageiro levou a mala postal do aeródromo ao porto, onde foi colocada no porão do Taifun.
O navio levantou âncora, rumando para uma posição denominada "Meio do Oceano", no Atlântico Sul. Ao raiar do dia 7 (eram 4 horas da manhã, pelo tempo médio de Greenwich - GMT), o Taifun foi lançado pela catapulta do Westfalen, tendo nos controles o comandante Joaquim Blankenburg, o co-piloto Walter Blume, o mecânico de voo Otto Gruschwitz e o rádio-operador Guenther Fechner.
Vista interna da cabine de comando do Taifun Foto: Lufthansa
O aparelho tinha 23,2 m de envergadura das asas, 18,2 m de comprimento e raio de alcance de 2 mil km, voando a 225 km/hora.
Contou o precursor Rudolf Cramer von Clausbruch que na decolagem catapultada, o avião era colocado nos trilhos, a bordo do navio: "Ele era impulsionado por pressão produzida pelas máquinas do navio. A tripulação nos seus lugares dava partida nos motores, verificava as pressões, rotações e temperaturas. Se tudo estava bem, os motores eram atacados até o máximo da potência. Assim eles ficavam quase um minuto. Então o piloto apertava um botão, interruptor elétrico, que disparava o avião no ar. A pressão nas costas era tremenda. O assento tinha umas almofadas grossas para proteger as costas. Assim mesmo eu sofri danos na coluna e fui parar no hospital. Em pouco mais de um segundo a velocidade ia de zero a 150 km/h, pois quando os trilhos acabavam já precisava ter velocidade de voo."
Na época, não havia dispositivos automáticos para manter o curso ou altitude de uma aeronave. Mesmo o voo noturno ou voo cego (hoje chamado de voo por instrumentos) estava nos primeiros rudimentos. Toda a tecnologia, aliás, era muito precária, sendo comuns as panes seguidas.
O Taifun, sobre o Oceano Atlântico, recorrendo ao efeito solo Foto: Lufthansa
Os voos eram então realizados manualmente, exigindo horas e horas de extrema concentração e resistência física, principalmente pelo fato de que tais voos transoceânicos se realizavam a poucos metros sobre as ondas (nessas viagens, lançava-se mão de um procedimento, fruto de descoberta do comandante von Clausbruch durante a fase de experiência que antecedeu esse voo inaugural: o efeito solo, hoje conhecido pelo mais inexperiente dos pilotos: o adensamento do ar sob as asas quando uma aeronave voa a baixa altura (uns 10 metros) sobre o mar: com o aumento da densidade do ar, aumenta também a sustentação da aeronave, o que se traduz em ganho de velocidade, maior economia de combustível e, portanto, maior raio de alcance).
O voo transcorreu sem incidentes. Otto Gruschwitz subia seguidamente à gôndola que abrigava os dois motores BMW VI-U de 680 HP para conferir seu desempenho. Enquanto isso, Guenther Fechner se mantinha contato, via rádios, com o Westfalen, obtendo pontos fixos de referência com seu radiogoniômetro, através de emissões de navios em qualquer parte do Atlântico, para verificar seguidamente a posição exata do Taifun.
Instante de grande emoção foi quando Guenther percebeu, em seus fones, os primeiros sinais, quase inaudíveis, de uma estação de terra ainda muito longínqua, do Syndicato Condor. Eram cerca de 15 horas GMT quando, após 11 horas de voo, o Dedo de Deus - um pico de basalto que é o marco da Ilha Fernando de Noronha - foi avistado. Enquanto o comandante Blankenburg fazia uma curva sobre a ilha, um segundo hidroavião Wal deslizava numa baía protegida das ondas oceânicas: o Monsun, prefixo D-2069, comandado por Rudolf Cramer von Clausbruch que, partindo de Natal, vinha ao encontro do primeiro avião que cruzava o Atlântico Sul, com o intuito de acompanhá-o em seus últimos 400 km de voo até o continente brasileiro.
Após 14h10 de voo sobre o mar, o Taifun pousou às 17h05 GMT nas águas calmas do Rio Potengi, em Natal, e 20 minutos depois a viagem prosseguiu rumo ao Sul no PP-CAN Tietê, um pequeno avião Junkers W-34 monomotor de 630 HP, que viajava a 175 Km/h em velocidade de cruzeiro e transportava nos tanques 700 litros de gasolina, suficientes para 5h50 de voo.
O Taifun permaneceu a serviço na Lufthansa de 1931 a 1935 Foto: Lufthansa
Mais 15 latas de 18 litros de gasolina cada uma foram transportadas na cabine de passageiros e o mecânico alemão Hermann Altralth fez um ajuste que permitia à tripulação reabastecer o avião com essas latas em pleno voo, aumentando assim a autonomia do aparelho.
Esse detalhe do combustível extra foi responsável por um susto no pessoal de terra do Rio de Janeiro: por desconhecer esse arranjo, e sabendo que o Tietê já tinha ultrapassado bastante sua autonomia máxima de 5h50 e não tinha feito escala para reabastecimento em Vitória/ES, os cariocas imaginavam que o aparelho tivesse feito pouso forçado por pane ou falta de combustível. Porém, 7h45 após a decolagem de Salvador, o aparelho pousou suavemente nas águas próximas ao Caju, na Baía de Guanabara.
Conta o piloto catarinense Auderico Silvério dos Santos que o hidroavião partiu em direção ao Recife, tripulado por ele, pelo mecânico Altralth e por Guilherme Mertens (comandante do voo), voando baixo por não dispor de instrumentos e para evitar ventos contrários fortes. Após a entrega da mala postal pernambucana, rumou para Salvador, enfrentando a falta de visibilidade causada pela chuva e pela chegada da noite, passou sobre Maceió e chegou a Salvador às 2h00 GMT, onde pousou numa raia de 600 metros em Itapagipe, iluminada com tochas sobrepostas em pedaços de madeira com cortiça, intercaladas de 50 em 50 metros.
Feito o reabastecimento total na capital baiana, o Tietê rumou direto para o Rio de Janeiro, de onde - após o novo reabastecimento - prosseguiu viagem para Santos, onde pousou em 8/2 (às 19h30 GMT) para deixar o correio europeu. Quinze minutos depois, já com a noite chegando, o hidroavião decolou das águas defronte à praia José Menino, em direção à então chuvosa Florianópolis, via Paranaguá, chegando quase seis horas depois à capital catarinense.
A viagem prosseguiu para Porto Alegre, Rio Grande, Montevidéu e Buenos Aires, aonde chegou na noite de 9/2/1934, completando em 26h51 sua participação de 4.650 km nesse histórico voo transatlântico. Curiosamente, embora bastante citado na imprensa sulamericana e européia, sendo destacado nas primeiras páginas dos principais jornais argentinos, esse feito não teve qualquer divulgação no Brasil e nem sequer está registrado nos arquivos do Ministério da Aeronáutica.
O Junkers W34/See, PP-CAN Tietê, do Syndicato Condor, e sua tripulação
A viagem T.O.1/Norte começou em território brasileiro com o W-34 Tibagy PP-CAO, tripulado pelo comandante Erler, o mecânico de voo Kleinat e o rádio-operador Pascini. De Natal, o Taifun partiu em 9/2 para o encontro do navio Westfalen na posição Meio do Atlântico, sendo levado para bordo, inspecionado e reabastecido. Partiu catapultado do navio em direção a Bathurst, onde sua mala postal foi transferida para o trimotor JU-52 Zephyr, que em Larache (após escala em Las Palmas) repassou o correio para o Blitz completar a viagem inaugural até Stuttgart, onde aterrissou no dia 12/2, às 14h16 pelo horário GMT. Comentário da Lufthansa: "Completava-se, assim, o voo T.O.1 de ida e volta sem qualquer incidente. E rigorosamente no horário".
A partir de então, começaram os voos regulares entre a Alemanha e a América do Sul: a viagem 2/Sul começou em Stuttgart a 17/2, a terceira a 4/3/1934. Entre 30/5 e 6/7, os serviços com aviões foram interrompidos para melhoramentos no aparelho de catapultagem do Westfalen, sendo em parte substituídos pelo dirigível Graf Zeppelin. Naquele ano, a empresa completaria 23 voos semanais. Com bastante lucro (uns 35 mil marcos por voo), apesar dos custos elevados: em 1934, uma carta com até 5 gramas, da Alemanha para a América do Sul, custava 1,75 marco. Cada voo transportava em média 100 kg de cartas (nos anos seguintes, tornaram-se rotina 400 a 500 kg por voo).
Anúncio da Condor-Lufthansa em Santos , em 1938 Imagem: reprodução do jornal santista A Tribuna, edição de 6 de abril de 1938, pág. 16
Cooperação Brasil-Alemanha data de 1808
A cooperação Alemanha-Brasil já era proposta por D. João VI, que em 1820 exortava "aos diversos povos da Alemanha e de outros países" a emigrar para sua colônia predileta. E os alemães começaram a emigrar. Já estavam no Brasil quando da Abertura dos Portos de 1808 e desde então, até 1850, fundaram, além da colônia de Nova Friburgo, no Estado do Rio de Janeiro, a de São Leopoldo, no Rio Grande do Sul.
A partir de 1850, foram se instalando em Santa Catarina. Em 1853, a criação da província do Paraná provocou a entrada de novos imigrantes. Ao todo, de 1884 a 1933, foi registrada a imigração de 154.402 alemães que, com as famílias que aqui constituíram e com os filhos que aqui tiveram, chegaram mesmo a dar, a grandes extensões do país, um perfil turístico e humano bem característico. Desde o início dessa imigração, começou a produção de mercadorias de todos os tipos, principalmente para atender aos colonos (notadamente em Santa Catarina e Rio Grande do Sul): fábricas de tijolos, serrarias, cervejarias, engenhos de açúcar etc. Tratava-se, em geral, de empresas de pequeno porte, com até 5 empregados.
A falta de infraestrutura não permitiu a ampliação de tais iniciativas, nem sequer o envio de seus produtos para outros Estados. As principais tentativas, ainda sob o reinado de D. João VI - e com o auxílio de técnicos alemães como Varhagen, von Eschwege e Schuech -, de implantar uma indústria siderúrgica nos estados de São Paulo e Minas Gerais, fracassaram devido à debilidade, na época, do mercado consumidor. A industrialização brasileira começou no ramo têxtil. Iniciou-se a plantação de algodão, e uma indústria têxtil nacional, à base de produção mecanizada, principalmente com tecnologia alemã, passou a desenvolver-se continuamente na segunda metade do século XIX.
Enquanto em 1850 existiam apenas cerca de 50 empreendimentos industriais em todo o Brasil, em 1890 já havia 640 fábricas com 35 mil operários, a grande maria localizadas no Sul.
No final do século XIX, o comércio teve, até o início da Primeira Guerra Mundial, expansão nunca antes experimentada. Surgiram grandes casas comerciais, em quase todas as capitais, indicando sua origem alemã. Ao mesmo tempo, ocorreu o boom do café, base financeira para o grande surto de industrialização. O "rei do café" era, até o início da Primeira Guerra, Francisco Schmidt que, começando como simples operário, tornou-se proprietário de 30 fazendas, com 8 milhões de pés de café.
O maior exportador de café em Santos, e o segundo no Rio de Janeiro, era a firma Theodor Wille. A partir de 1906, vigorava o Convênio de Taubaté, pelo qual o Governo brasileiro interviria no mercado para comprar os excedentes de forma a manter o equilíbrio entre a oferta e a procura do café. O financiamento destas compras seria feito com empréstimos estrangeiros e a Theodor Wille foi incumbida da realização técnica desse projeto. Contou ela, para isso, com um consórcio de bancos, entre eles o Deutsche Bank.
Em 3 de março de 1916, na então capital (o Rio de Janeiro), foi fundada a União de Firmas Comerciais Teuto-Brasileiras, antecessora da atual Câmara de Comércio e Indústria Brasil-Alemanha. No ano seguinte, já contava com 140 membros.
Entre as duas Guerras Mundiais, e muito especialmente após 1930, deflagrou-se no Brasil o primeiro grande período de progresso industrial. Número considerável de imigrantes italianos e alemães fundavam empresas pequenas que se desenvolviam constantemente através do reinvestimento constante dos lucros, chegando a se tornar grandes grupos empresariais. Exemplo disso ocorreu especificamente na indústria têxtil: um centro de indústria têxtil surgiu em Santa Catarina, fundada e dirigida por imigrantes alemães, que, com dedicação e persistência, conseguiram figurar entre as mais importantes do Brasil. É exatamente nesse panorama histórico de desenvolvimento e integração entre brasileiros e alemães que chega ao Brasil, em 1934, a aeronave Taifun, em seu histórico voo transatlântico.
A partir de 1950, o país recebeu novo impulso, através de programas governamentais voltados para a dinamização de diversos ramos da indústria: automobilística, naval, mecânica pesada, eletrônica etc., com a expressiva presença da indústria alemã, tanto através de iniciativas próprias como na forma de participações técnicas e financeiras em empresas já existentes, em indústrias de base e de bens de consumo. No final do século XX, a Alemanha figurava como o segundo parceiro mais importante do Brasil.
O hidroavião Atlântico, que passou por Santos em 1927, a caminho de Porto Alegre, onde daria início à Varig Foto: Lufthansa
Condor e Varig
O Condor Syndikat, nacionalizado em 1/12/1927 sob o nome Syndicato Condor Ltda., além de abrir caminho para as atividades da Lufthansa na América do Sul, também teve papel decisivo na fundação da companhia aérea brasileira S.A. Empresa de Viação Aérea Rio-Grandense (Varig), em 7/5/1927 - de cujo capital participou com 21%, o valor do avião Dornier Wal Atlântico (prefixo P-BAAA).
Hidroavião Dornier Wal P-BADA Bartholomeu de Gusmão, do Syndicato Condor, incendiou-se em Santos em 11/1/1929
O hidroavião monomotor Dornier Merkur Gaúcho (P-BAAB) foi transferido à Varig em 6/2/1928, e em 10/5 desse ano o Condor propõe sua fusão com a empresa gaúcha, assumindo assim a Varig. Em meados de 1930, retirou-se da sociedade. Mais tarde, já com o nome de Serviços Aéreos Cruzeiro do Sul, teve seu controle assumido pela Fundação Rubem Berta em 22/5/1975.
Aliás, tal fundação, controladora da Varig, tem seu nome em homenagem a Ruben Martin Berta, primeiro auxiliar do alemão Otto Ernst Meyer-Labastille (o idealizador e fundador da Varig). Ruben foi empregado no mesmo dia 2/2/1927 do primeiro voo experimental da Varig com o avião Atlântico - que tinha chegado a Porto Alegre dias antes, procedente do Rio de Janeiro (com escalas em Santos, São Francisco do Sul e Florianópolis).
Fonte: www.dornier-wal.com