O avião na Revolução
Constitucionalista de 1932
As frotas legalista e paulista
A aviação teve seu relevante papel na Revolução de 1932, embora os dois lados em luta dispusessem de poucos aviões. O governo federal contava com aproximadamente 58 aeronaves divididas entre a Marinha e o Exército.
Em contrapartida, os paulistas possuíam apenas dois aviões Potez e dois Waco, além de um pequeno número de aviões de turismo. No final de julho, o governo rebelde conseguiu mais um aparelho, trazido pelo tenente Artur Mota Lima, que desertou do Campo dos Afonsos, no Rio de Janeiro. Os "vermelhinhos", como eram conhecidos os aviões do governo federal, não apenas atuaram nas linhas de combate, como, também, foram utilizados para bombardear várias cidades paulistas.
Serviam, igualmente, como arma de propaganda, deixando cair panfletos sobre as cidades inimigas e em locais de concentração das tropas rebeldes. Já os aviões das Unidades Aéreas Constitucionalistas (UAC) conhecidos como "gaviões de penacho", pouco puderam fazer.
Ainda assim, realizaram duas façanhas de grande impacto: a 21 de setembro, num ataque de surpresa a Mogi Mirim (já em poder de Eurico Dutra), conseguiram inutilizar cinco dos sete aviões federais ali estacionados, antes que estes pudessem levantar voo; no dia 24, três "gaviões de penacho" atacaram o couraçado Rio Grande do Sul, fundeado em Santos, com o objetivo de relaxar o bloqueio ao porto local. Dois meses antes, a 23 de julho, Santos Dumont, o "Pai da Aviação”, deprimido com a utilização de seu invento, como arma de guerra, suicidava-se em Guarujá.
As frentes de combate
Com a eclosão do movimento em São Paulo, logo na primeira semana as forças legalistas se desdobraram nos limites do Estado, estabelecendo inicialmente duas frentes: uma ao Sul, na fronteira com o Paraná, cujos elementos marchariam sobre São Paulo seguindo o eixo Itararé - Faxina (Itapeva)-Itapetininga; outra no Leste, cujos componentes avançariam pelo Vale do Paraíba. Posteriormente, outra frente se abriu na fronteira com Minas Gerais, sendo objetivo das forças aí desdobradas progredir com um flanco sobre o Vale do Paraíba e com outro sobre Campinas, apertando o cerco sobre a capital.
É óbvio que os dois lados reconheceram de pronto a importância da aviação, e ambos desenvolveram grandes esforços para enriquecer seus meios aéreos. Com presença marcante e decisiva nas três frentes de combate, e mesmo sobre o mar durante o bloqueio naval do Porto de Santos, a aviação foi responsável pela unicidade histórica da Revolução de 1932, na medida em que nenhum chefe pôde dela prescindir. Ela é referencial obrigatório em qualquer análise político-militar do movimento constitucionalista.
A ânsia por meios aéreos manifestou-se desde os instantes iniciais da luta. Um dos primeiros atos paulistas foi ocupar o Campo de Marte, base do Exército nos arredores de São Paulo, onde se encontravam dois aviões Potez 25 TOE e dois Waco CSO, um dos quais pertencente ao Grupo Misto de Aviação, sediado no Campo dos Afonsos. Assim, na manhã de 10 de julho, a Aviação Constitucionalista compreendia quatro aviões, aos quais se acrescentariam posteriormente o Waco CSO C-3, levado para São Paulo, no dia 21 de julho, pelo Primeiro-Tenente Arthur da Motta Lima, e o Neuport Delage Ni D-72, transportado na segunda quinzena de agosto pelo Capitão Adherbal da Costa Oliveira, por terem ambos os pilotos aderido à causa revolucionária. Além desses, uma série de aviões leves foi posta à disposição dos rebeldes por proprietários privados: três De Havilland DH 60x Moth, dois Harriot 410, um Nieuport Ni-81, um Morane-Saulnier MS29, um Curtiss JN-2 e um Caudron 93-bis. Alguns dias mais tarde foi acrescentado a esta frota heterogênea um Laté 26 requisitado da Aéropostale, com vistas a possível adaptação para bombardeio.
Mobilização dos meios aéreos
No inicio das hostilidades, a Aviação legalista era mais bem servida de meios aéreos. Da Aviação Militar foram mobilizados: o Grupo Misto de Aviação, com doze aviões Potez 25 TOE de observação e bombardeio e cinco aviões WACO CSO armados com metralhadoras e porta-bombas; a Escola de Aviação Militar, com um avião de bombardeio Amiot 122, um caça Nieuport-Delage Ni D-72 e onze De Havilland DH 60T Moth, atualizados em missões de ligação, observação e regulagem de tiros de artilharia.
A Aviação Naval mobilizou a 18a Divisão de Observação com quatro aviões Vought 02V-2A Corsair e a Flotilha Mista Independente de Aviões de Patrulha com três aviões Martin PM e sete Savoia Marchetti S-55.
Para tarefas de ligação, reconhecimento e observação, havia, ainda, disponíveis doze De Havilland DH 60 e dois Avro 504.
Para os paulistas, as dificuldades de aquisição de material eram significativamente maiores. As negociações em Nova Iorque, por exemplo, com a Consolidated Aircraft, para a compra de dez aviões Fleet 10D, quando quase concluídas, foram abortadas por intervenção direta do Governo Brasileiro junto ao Departamento de Estado.
Só mesmo através de operação triangular em Buenos Aires, a fim de burlar cláusulas do Tratado de Havana, foi possível adquirir dez aviões Curtiss O-13 Falcon na fábrica de montagem da Curtiss Wright Corparation, em Los Cerrillos, Chile, pela quantia de US$ 292.500. Eram aviões robustos, equipados com motor Curtiss D-12 de 435 H.P., velocidade máxima de 224 km/h, raio de ação de 1.000 km e teto de 4.600 m, capazes de realizar bombardeio picado. Sem dúvida, foram os aviões mais aperfeiçoados que participaram da luta aérea.
O transporte desses aviões para o Brasil foi um verdadeiro desafio. Em princípios de agosto, pilotos americanos e ingleses, especialmente contratados, iniciaram os voos de traslado, via Argentina e Paraguai. Dois aviões foram entregues a pilotos brasileiros em Encarnación, no Paraguai, próximo à fronteira argentina. No dia 25 de agosto, um dos aviões fez pouso forçado em Concepción, sendo apreendido pelas autoridades paraguaias sob a acusação de sobrevoo não autorizado de seu espaço aéreo. Pouco mais de uma semana depois, outro Falcon sofreu acidente na Argentina, próximo à fronteira chilena. Finalmente, a 1 de setembro, os paulistas receberam os primeiros Falcon, e as entregas posteriores foram feitas aos rebeldes brasileiros na cidade de Campanário, no sul de Mato Grosso. De lá eram trasladados para o Campo de Marte, a fim de receberem metralhadoras e porta-bombas, estas últimas já de fabricação nacional. Apesar do esforço hercúleo, apenas quatro Falcon participaram das operações aéreas antes que a revolução chegasse ao fim. O primeiro emprego foi a 20 de setembro, em missão de bombardeio ao Campo de Mogi Mirim.
As bases paulistas
Em termos de infraestrutura de aeródromos, os paulistas tinham muito mais flexibilidade que os governistas. Enquanto estes dispunham apenas do Campo dos Afonsos, do Galeão e só muito mais tarde de Resende, aqueles serviam-se do Campo de Marte como base principal, significativamente aumentado durante a revolução, e também dos Campos de Lorena, Taubaté, Mogi Mirim, Campinas e Itapetininga. De uma posição central em relação às zonas de combate, com facilidade de desdobramentos nos campos citados, os paulistas colocavam-se em posições bem próximas das três frentes, conseguindo assim, com os mesmos aviões e pilotos, a realização de grande número de sortidas.
Assim, em 16 de julho, dois Potez 25 TOE e dois Waco CSO da Aviação Militar decolaram do Campo dos Afonsos e pousaram em Resende, onde os esperava um Vought 02V-2A Corsair da Aviação Naval, para realizarem missão conjunta sobre São Paulo. Os dois Waco CSO lançariam panfletos, os dois Potez 25 TOE atacariam o Campo de Marte, enquanto o Vought 02V-2A Corsair faria a cobertura de escolta. No dia seguinte, os legalistas renovaram o ataque ao Campo de Marte com três Potez e um Amiot Bp 3, lançando bombas de 50 libras, sem grandes danos para as instalações. Nesse mesmo dia um Potez atacou o Campo de Taubaté.
A situação no Vale do Paraíba, inicialmente favorável aos paulistas, evoluiu mais tarde para vantagem dos legalistas. Com a finalidade de reduzir a iniciativa dos paulistas nessa área, os governistas montaram uma série de ataques aéreos a pontos críticos das posições defensivas adversárias. Em 20 de julho, três Waco e três Potez cumpriram missões de apoio aéreo aproximado em proveito das forças governistas que defendiam São José do Barreiro, então sob pesado bombardeio da artilharia paulista. Os aviões concentraram os ataques sobre as baterias, destruindo-as totalmente e aliviando a pressão que então exerciam.
Os ataques
Os ataques aéreos foram, para ambos os contendores, a grande novidade da Revolução de 1932, não raro causando pânico nos combatentes terrestres. Este efeito foi explorado ao máximo pelos legalistas, que instituíram a prática de usar patrulhas aéreas sobre tropas rebeldes, muito mais para fins psicológicos do que propriamente pelo que poderiam representar certos alvos de oportunidade. Os Waco CSO de cor vermelha, que desempenharam grande parte dessas missões de inquietação, eram temidos, e foram logo apelidados pelos paulistas de “vermelhinhos”.
Em 11 de agosto de 1932, um avião Potez é deslocado para Faxina. Já no dia seguinte, escoltado por dois Vought Corsair da Marinha, decolou para missão de ataque à base de Itapetininga, mas não encontrou qualquer oposição aérea porque o Grupo de Aviação Constitucionalista se deslocara para Lorena, a fim de tentar barrar o avanço governista no Vale do Paraíba e na frente mineira.
Chegados a Lorena, foram logo empenhados em ataques a pontos fortes da frente legalista, surpreendendo as tropas há muito habituadas apenas ao sobrevoo de aviões amigos. Com o intuito de marcar o seu espírito ofensivo, os rebeldes planejaram um audacioso ataque ao Campo de Resende, levado a efeito no dia 13 de agosto às 01h30min, sem maiores consequências táticas, mas constituindo-se no primeiro ataque aéreo noturno realizado na América Latina.
Como resposta à afronta, os legalistas executaram nesse mesmo dia um ataque maciço ao Campo de Lorena, com cinco Potez e dois Waco. Embora surpreendessem os aviões paulistas estacionados e realizassem ataques durante cinco minutos, nada disso impediu que conseguissem decolar com os aviões na direção de São Paulo.
Logo depois desse ataque, os paulistas desfecharam um outro contra Areias, ocupada pelos governistas, utilizando um Potez e dois Waco. No dia seguinte, depois de realizar missões em Queluz e Areias, os paulistas retornaram a Lorena, e, concluindo que estavam em vias de perder este campo avançado, retraíram-se para a antiga base de Itapetininga.
O fim do conflito
Em 26 de agosto, a Aviação Constitucionalista passou a operar simultaneamente de Mogi-Mirim, a pequena distância da fronteira mineira, e do Campo de Marte, em apoio a um batalhão que lutava desesperadamente para manter a posse de Itaipava, conquistada pelos legalistas no dia seguinte.
A situação para os rebeldes deteriorava-se seriamente, obrigando a esforço máximo dos pilotos, do pessoal de apoio e das máquinas. Como consequência, o Grupo de Aviação Constitucionalista retrai-se para a base principal, o Campo de Marte.
Nos últimos dias de setembro ficou claro para os paulistas a impossibilidade de reversão do curso do conflito. A 29, tiveram início as negociações para o cessar-fogo. O Coronel Oswaldo Villa Bella, Chefe do Estado-Maior do General Bertoldo Klinger, e o Major-Aviador Ivo Borges foram os militares que, representando as forças constitucionalistas, compareceram ao QG do General Góis Monteiro para assinar o armistício, o qual se consumou a 3 de outubro.