Selecionamos para hoje mais um texto do Pery de Serra Negra.
Boa leitura.
Bom domingo!
ESSA DECOLAGEM É SUA!
Estava estreando como co-piloto no hidroavião PBY Catalina de uma nova empresa surgida em Natal. Nove decolagens até ao Rio de Janeiro, onde eu só fazia acompanhar o Comandante.
No meu íntimo já se manifestava a vontade de comandar pelo menos uma daquelas decolagens.
Mas, co-piloto não tem vontade própria, só obedece, a melhor maneira de progredir no conceito do todo poderoso Senhor Comandante.
No Rio de Janeiro haveria mudança de tripulação, mas na qualidade de estreante devia continuar e retornar a Natal.
Manhã chuvosa. Toda a tripulação já se encontrava desde as seis da manhã no ancoradouro tomando as providências necessárias para a partida.
Os pilotos são sempre os primeiros a tomar assento nos seus postos.
Foi feito o “check-list”, como estava tudo OK, os motores foram acionados, as amarras soltas e iniciamos o táxi para decolagem.
Aquela área da baia da Guanabara cheia de embarcações navegando,inclusive, as barcas que fazem o transporte aquaviário de passageiros para Niterói e Paquetá, cruzavam por ali a todo instante, exigindo bastante cuidado da tripulação para evitar colisão; foi quando o Comandante Custódio, que vinha fazendo o táxi, parou o Catalina, tirou as mãos do volante, virou-se para mim e disse:
- "Essa decolagem é sua! Lembre-se que na baixa velocidade os comandos demoram a atender e olho vivo para manter as asas na horizontal".
Fui surpreendido com aquela inesperada ordem, mas logo me recompus.
Melhorei a minha posição no assento, posicionei o avião no rumo da decolagem, liguei o limpa-parabrisa, com a mão direita segurei o volante, e com a esquerda acionei os comandos de hélice para o passo mínimo.
Empurrei as manetes de aceleração para potência máxima, os motores troaram violentamente, as hélices que estavam com baixa rotação aumentaram para 2.300 RPM, jogando vapor d’água sobre o pára-brisa de forma a tirar parte da visibilidade, e o avião deslizou rapidamente.
A minha preocupação naqueles instantes era manter a reta na decolagem e segurar as asas na horizontal; estava sob forte pressão, tanto por ser a primeira decolagem naquele hidroavião, como pela observação do Comandante, que não tirava os olhos das minhas mãos.
Colei o “comando na barriga” para baixar a cauda e quando o velocímetro atingiu 60 MPH empurrei fortemente o comando para a frente e, graças a Deus, o Catalina subiu no degrau.
A velocidade aumentava rapidamente e, quase sem sentir, despregou da água.
Sequencialmente, comandei o recolhimento dos flutuadores das pontas das asas. Quando o velocímetro atingiu 140 MPH, fui reduzindo a potencia dos motores para o regime de subida, e iniciei a correção do rumo para o Nordeste.
Cabine dos pilotos do PBY
Mantive o avião em regime de subida até atingir a altura determinada pelo Controle Aéreo, quando nivelei o voo trazendo a potência dos motores para o regime de cruzeiro e as hélices para o passo máximo. Só aí relaxei os nervos.
O Comandante que estava em contato com a Torre de Controle do Santos Dumont, desde antes da decolagem, interrompeu a sua comunicação e, sem olhar diretamente para mim, fez um discreto gesto no canto da boca. Notei nele um certo ar de aprovação.
Foi uma bela aula dada por um mestre que conhecia profundamente o seu ofício.
A partir daí o Comandante passou a me observar com mais confiança entregando-me a pilotagem em quase todas as etapas do voo.
Pousar com o Catalina fica para outra oportunidade...
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