Visualizações:

Voar é um desejo que começa em criança!

domingo, 5 de novembro de 2023

Especial de Domingo

Um texto do site A Relíquia, sintetizando a trajetória da Panair do Brasil, que já publicamos aqui, vale para mais uma reflexão sobre os estragos que ações políticas não republicanas podem causar a empreendedores e trabalhadores dos mais diversos segmentos.
Boa leitura.
Bom domingo!

NAS ASAS DA PANAIR

A Panair teve origem na empresa Nyrba - New York Rio Buenos Aires Lines Inc - que chegou ao Brasil através do Coronel Ralph O' Neil, da Marinha Americana. Inicialmente o coronel veio conversar com o governo brasileiro para entrar na concorrência do transporte de malas postais na América do Sul. Somente em 1930 O' Neil conseguiu autorização para operar linhas aéreas no Brasil. A crise da bolsa de Nova York atrapalhou os negócios da Nyrba, que terminou por ser incorporada pela Pan American, um gigante da aviação americana. Assim surgiu a Panair do Brasil, que possuía 100% do capital americano. O capital nacional só começou a entrar na empresa a partir de 1942. o voo inaugural se deu em 24 de janeiro de 1930, entre Rio de Janeiro e Fortaleza, com escalas em Campos, Vitória, Caravelas, Ilhéus, Salvador, Aracaju, Maceió, Recife e Natal incluindo o pernoite em Salvador. No total, a viagem durava 34h50 em cada sentido da rota. Os primeiros voos de passageiros ocorreram em 1931, entre as cidades de Belém e Rio de Janeiro. Nesta época, todos os pilotos eram americanos. O primeiro piloto brasileiro da Panair foi o Coronel Luis Tenan, que assumiu o comando de uma das aeronaves em 1935.


A Panair alcançou a Amazônia e sua atuação naquela região foi fundamental para que o governo fizesse chegar alimentos e remédios em pontos quase inatingíveis da selva. Depois de dominar o mercado interno e inaugurar hangares e aeroportos nas principais cidades brasileiras, a Panair volta-se, a partir de 1941, para as rotas internacionais. Para cruzar o Atlântico a empresa tinha à disposição os modernos Constellations. O primeiro voo foi realizado em 27 de abril de 1941. O destino era Londres, mas antes houve paradas nas cidades de Recife, Dakar, Lisboa e Paris. Em menos de três anos depois desta viagem inaugural, a Panair já havia realizado mil voos para a Europa, transportando mais de 60 mil passageiros.


Enquanto isso, outras empresas ganhavam espaço nos voos domésticos, como era o caso da Real, Varig, Vasp, Lóide e Cruzeiro. Mas, nem só de sucesso foi escrita a história da Panair. No início dos anos 50 alguns acidentes sérios começaram a causar problemas às companhias aéreas, mas a Panair foi uma das empresas que sofreram acidentes mais graves, aumentando muito o número de vítimas fatais. Um acidente famoso foi o sofrido pelo PP-PCG pilotado pelo Comandante Eduardo Martins de Oliveira, nas aproximações de Porto Alegre, matando todos os ocupantes da aeronave. Estes tristes acontecimentos contribuíram para abalar a confiança que o povo brasileiro depositava na Panair, considerada um verdadeiro orgulho nacional. Mas sua imagem não seria afetada ao ponto de "esfriar" o caso de amor que havia entre aqueles aviões, comandantes e comissárias com a nossa gente. Foram os aviões da Panair que transportaram a seleção brasileira para as vitoriosas campanhas nas copas de 58 e 62, realizadas respectivamente na Suécia e no Chile.


No início da década de 60, trinta anos depois de sua fundação, a empresa já era totalmente nacional. Era uma época de crise na aviação comercial brasileira pois todas as companhias apresentavam problemas operacionais e crescentes dívidas para a modernização geral do serviço que prestavam. Uma novidade contribuiu para apertar ainda mais a situação financeira dessas empresas - a inflação. Apesar disso, não foram esses problemas, comuns às concorrentes, que causaram a extinção da Panair. Em 10 de fevereiro de 1965 foi escrita a página mais vergonhosa da aviação brasileira. Uma decisão do governo federal assinada pelo então ministro da aeronáutica cassava o certificado de operação da empresa, sem nenhuma explicação adicional. Celso da Rocha Miranda, presidente da Panair e seu maior acionista, foi pego de surpresa em seu escritório e mais admirado ficou ao ler uma nota "em tempo", que aparecia depois do despacho oficial, onde era dito com todas as letras que as linhas internacionais da Panair estavam sendo transferidas provisoriamente para a Varig. Já as linhas domésticas ficariam sob responsabilidade da Cruzeiro do Sul. Tudo estava muito estranho e mal explicado e a cúpula da empresa via aquilo como uma clara perseguição do governo militar. O mais estranho, porém, é que na noite do dia 10 a Varig operou nada mais nada menos que todos os voos da Panair que deveriam decolar, como se isso fosse uma coisa simples, que se pudesse fazer sem preparo prévio e sem o pleno conhecimento das rotas. Mesmo tendo sido a companhia cassada, nenhum passageiro da Panair ficou sem embarcar naquela noite do dia 10 de fevereiro de 1965. O clima de desconfiança era total e contra a ditadura nada se podia fazer. Ninguém duvidava que uma empresa havia sido extinta em benefício de outra. Apenas cinco dias depois do decreto de cassação, o governo decretava a falência da Panair, sem que houvesse um só título vencido ou protestado, confiscando instalações, aeronaves e outros bens. Do dia para a noite quase cinco mil pessoas perderam seus empregos e uma boa parte delas, a razão de viver. O sofrimento foi grande por causa do relacionamento afetuoso entre a diretoria e os empregados cultivado durante os 35 anos de existência da Panair. Era como se fossem uma grande família.

Desde 1966, cerca de 400 pessoas se reúnem num almoço anual, realizado em Outubro, para lembrar dos velhos tempos e recontar as inúmeras histórias pessoais que foram a história da Panair. Esse grupo, autodenominado Família Panair, é formado por ex-funcionários da empresa e seus descendentes. Na verdade, o que une essas pessoas é o sonho e a esperança de que o governo um dia reconheça que a empresa foi perseguida pela ditadura. Perseguidos também foram seus proprietários. Celso da Rocha Miranda era amigo íntimo de Juscelino Kubistcheck, que teve os direitos políticos cassados depois do golpe. A solução foi deixar o país com a família. Em 1984, quase vinte anos depois, os herdeiros da empresa ganharam uma ação na justiça promovida contra o governo federal. O Supremo Tribunal Federal considerou a falência fraudulenta e condenou a União à ressarcir a Panair. Mas há coisas que o dinheiro ou a devolução dos direitos sobre as rotas nunca vai pagar.


Ninja-Brasil: versão para a web