Ontem, 14 de maio de 2022, a Esquadrilha da Fumaça completou 70 anos. Brindando a data, o NINJA – Núcleo Infantojuvenil de Aviação - publica, hoje, duas matérias já divulgadas neste blog: a primeira é uma especial publicação do Aeromagia, de 20/10/14. A segunda foi publicada na edição de 21 de abril de 1985, no jornal O Diário, de Ribeirão Preto, a partir de uma entrevista exclusiva de Antônio Arthur Braga, o saudoso Coronel Braga, da Esquadrilha da Fumaça.
Boa leitura.
Bom domingo!
Texto Aeromagia:
Na Austrália, uma homenagem à Esquadrilha da Fumaça
Por Raphael Lopes Pinto Brescia
Aeromagia em Clássicos, Velhas Águias, Warbirds, 20/10/14
Toda comunidade possui suas lendas, seus mitos. Na aviação, não é diferente. Cada aeroclube, aeroporto regional, ou cidade do interior possui os seus. No Brasil, alguns (poucos) nomes vencem os bairrismos e divisas regionais e se tornam mitos nacionais. Do Oiapoque ao Chuí, seus feitos e suas histórias são relembrados em papos de hangar. Na comunidade acrobática brasileira, um desses mitos é o Coronel Aviador Antônio Arthur Braga, carinhosamente apelidado de “Chefe” pelos que tiveram o privilégio de sua amizade.
O Coronel Braga foi integrante Esquadrilha da Fumaça por dezessete anos, cinco dos quais como comandante. Durante esta trajetória, fez uma parceria de sucesso com o North American T-6, ao ponto dos amigos brincarem que o avião sem ele estaria “indisponível por falta de peça”.
Após sua saída da Força Aérea, foi presenteado pelos amigos com um exemplar do T-6, matriculado PT-TRB, aeronave com a qual se apresentou por vários anos em shows aéreos pelo Brasil. Seu T-6 particular ostentava o último esquema de cores utilizado pelos T-6 da Esquadrilha da Fumaça, sendo omitidas as marcações oficiais, cuja utilização no Brasil é restrita a aeronaves militares.
As aventuras do Coronel Braga com o TRB renderiam por si só uma reportagem de várias páginas. Esta breve introdução foi somente para familiarizar o leitor com o que vem a seguir.
Voltemos no tempo três ou quatro anos. Realizando uma pesquisa na internet por uma foto da Esquadrilha da Fumaça na época do T-6, me deparo com duas fotos de excelente qualidade em cores. É raro achar fotos assim daquela época. Abaixo do canopi, o nome do piloto: Major Braga. O avião está com as marcações da Esquadrilha da Fumaça e da FAB, portanto, não é uma foto do PT-TRB, a aeronave pessoal do Coronel Braga. Poderia ser uma aeronave de museu, mas não dei muita importância aos detalhes e continuei a busca por imagens antigas da esquadrilha.
De volta a 2014, primeiro semestre. Em um grupo dedicado à aviação clássica brasileira em uma rede social, uma das fotos ressurge. Agora com um pouco mais de informação, me dou conta que a foto é de um T-6 registrado na Austrália com a matrícula VH-AYO. Surpreendentemente, um T-6 do outro lado do mundo ostenta as marcações completas da nossa Esquadrilha da Fumaça. Após pesquisas de vários usuários, descobre-se que o avião está baseado num aeroporto regional próximo à cidade de Perth, na costa oeste da Austrália. As pesquisas porém não trazem nenhuma informação sobre os motivos que levaram o dono a pintar o avião com as cores da Fumaça. Após alguns dias, o assunto esfria, e cai no esquecimento.
Os meses se passam, e uma dessas felizes coincidências da vida me coloca na proa de Perth. Oportunidade única de tentar conhecer a história desse avião! Após muitos emails e alguns telefonemas, consigo os contatos do primeiro dono do avião – que foi o responsável por sua reforma e pintura – e também do dono atual. Dois telefonemas e fica agendada uma visita em um fim de semana.
O aeroporto de Jandakot fica a 20km do centro da cidade de Perth. É um movimentado aeroporto regional, dedicado à aviação geral, e que abriga escolas de aviação, hangares particulares e empresas de manutenção. Uma dessas empresas é a primeira parada.
A Panama Jacks é uma empresa especializada na manutenção e restauração de aeronaves, com vários clássicos em seu histórico, como Boeing Stearmans, Hawker Sea Fury e North American P-51D Mustang. A empresa é dirigida por Rob Poynton, um simpático senhor que é fã de acrobacia aérea, e que representou a Austrália em dois campeonatos mundiais. Rob foi o responsável pela aquisição e restauração do T-6 VH-AYO. Esse T-6, aliás, foi o primeiro projeto da Panama Jacks, e foi o avião pessoal de Rob por 4 anos, até a venda para o atual dono.
O T-6 VH-AYO é um AT-6C (Harvard Mk2A) produzido pela North American em 1943, com o número de construção c/n 88-13187. Originalmente construído com o serial militar do Estados Unidos 41-33714, foi destinado à Força Aérea Inglesa (RAF) através do programa Lend-Lease, e repassado à Força Aérea Neozelandesa (RNZAF). Iniciou seus serviços em junho de 1943 como aeronave de instrução, sendo convertido na década de 50 para a versão Mk2A*, com sistema elétrico de 24V. Permaneceu na ativa até 1962, quando foi então retirado de serviço. Ficou armazenado por vários anos, até ser comprado pelo senhor Rob Poynton em 1985.
Rob explica que sempre gostou de aeronaves com esquemas de pinturas incomuns, desde que estes esquemas tenham sido de fato operacionais. Após comprar o T-6, ele passou a pesquisar por pinturas de T-6 ao redor do mundo. Em uma dessas buscas, se deparou com o perfil de um T-6 da nossa Esquadrilha da Fumaça em uma revista de aeromodelismo. Decidiu que esta seria a pintura do VH-AYO, após a restauração.
Entrou em contato com a embaixada brasileira, e conseguiu autorização para que o avião ostentasse todas as marcações originais: o cocar da FAB, a bolacha da Fumaça, os escritos, etc. Mas o T-6 que Rob havia visto na revista não era um T-6 usual da Fumaça. Era um T-6 ostentando as marcações de um certo Major Aviador Braga, quando ele era líder da Esquadrilha.
Rob conseguiu os contatos do Coronel Braga, e obteve dele a autorização para utilizar suas marcações pessoais. Produziu um esquemático e enviou para o Brasil, onde o Coronel Braga fez as correções necessárias para que o avião de Rob fosse o mais fiel possível ao avião original.
O VH-AYO voou pela primeira vez após a restauração em 11 de Julho de 1992, e foi utilizado por Rob em encontros e shows aéreos por vários anos. O avião sempre atraiu a atenção do público, por conta de sua pintura pouco usual.
A Panama Jacks foi crescendo, Rob foi buscando novos projetos, e decidiu então vender o T-6. O comprador acabou sendo um vizinho do aeroporto.
O senhor Douglas Brooks – ou Doug, como ele prefere ser chamado – um empresário do ramo de maquinário, acabou se tornando o proprietário do VH-AYO em 1996. Voou com ele por 10 anos e, em suas palavras, “tive minha cota de diversão”. Os negócios acabaram afastando Doug das aeronaves de asa fixa, e hoje ele têm voado apenas helicópteros. Mas o VH-AYO continha guardado em um dos hangares de Jandakot. E essa foi a segunda parada.
Doug abre seu hangar e revela o T-6. Empoeirado, é verdade, mas imponente como um T-6 sabe ser. O avião está inteiro. Na gíria aeronáutica, “parou voando”. As inspeções de manutenção estão vencidas, mas o AYO aparenta estar em bom estado. Não parece ser difícil colocá-lo em condições de voo novamente. Encontramos o logbook e verificamos que o último voo foi feito em novembro de 2007. O avião tem 1659 horas totais, provavelmente um dos T-6 menos voados do mundo. Doug abre o canopi e revela que tudo está no mesmo lugar que ele deixou após o último voo, há 7 anos atrás. É tomado por uma onda de saudosismo e revela que ainda se lembra de todos os procedimentos. “Você teve muito trabalho para me encontrar não é? Vejo que esse avião realmente tem um significado para você. É uma pena que ele não esteja voando. Seria um prazer te levar pra um voo”.
Se por um lado foi uma pena o avião não estar voando, por outro foi uma satisfação grande poder saber um pouco de sua história.
E conhecendo essa história, percebo que o Coronel Braga realmente era um mito. Não fosse por ele e sua parceria incrível com o T-6, a revista de aeromodelismo não teria reproduzido em suas páginas uma pintura da nossa Esquadrilha da Fumaça. Se não fosse por ele, não teríamos do outro lado do mundo uma pequena lembrança do Brasil.
Texto O Diário:
Braga e seu T-6, uma lenda de acrobacias aéreas
Texto: Cesar Rodrigues
Fotos: Ferrari
Fotos: Ferrari
Jornal O Diário, Ribeirão Preto, 21/04/1985
Na aviação, vários nomes, como o de Alberto Bertelli, viraram lenda. Uma continua despertando a atenção dos mais antigos e o interesse dos mais jovens, que admiram o ofício de voar. Toda vez que ele chega, cresce a expectativa por um instante de demonstração de perícia, habilidade, coragem. É "coronel Braga", como é conhecido Antônio Arthur Braga, 53 anos; oficial da reserva da Força Aérea Brasileira. Mesmo deixando a Aeronáutica, sua fama não caiu. Afinal, ele foi o comandante da Esquadrilha da Fumaça, uma equipe de aviadores que cruzava o Brasil de Norte a Sul, de Leste a Oeste, fazendo exibições em grandes cidades ou então numa cidadezinha do interior, pousando em pistas empoeiradas. Neste final de semana ele se exibiu com o seu velho e inseparável T-6 (tê-meia) na festa do Aeroclube de Ribeirão Preto e mostrou que está em forma, enquanto outros compõem a nova "Fumaça", agora equipada com os Tucanos da Embraer.
11 MIL HORAS DE VOO
Braga nasceu em Cruzeiro, uma cidade paulista no médio Vale do Paraíba, em 1932. No ano de 1950 entrou para a Escola de Aeronáutica, no Campo dos Afonsos, Rio de Janeiro. Em janeiro de 1960 passava a integrar a Esquadrilha da Fumaça, equipada com os aviões T-6, fabricados na década de 40, nos Estados Unidos. Já em 65, no posto de capitão, assumia o comando da "Fumaça". Paralelamente, fez o curso de bimotor em Natal e foi instrutor de voo por sete anos. "A Esquadrilha da Fumaça é o cartão de visitas da FAB - orgulha-se em dizer - e o melhor veículo de relações públicas. O contato com o povo é muito importante. Das minhas 11 mil horas de voo, 9 mil são com o T-6 da Fumaça, que foi desativada temporariamente em 1977 e agora retoma com o avião Tucano."
PROEZAS
No final do ano passado, a nova Esquadrilha da Fumaça efetuou uma proeza. Com o avião Tucano, monomotor, atravessou o Oceano Atlântico, numa autêntica aventura, e foi fazer acrobacias na Europa, inclusive na Inglaterra, que acaba de fechar contrato de registro na história aeronáutica brasileira. Mas se a nova Fumaça faz proeza, a antiga não deixava por menos. "Em 1971 - recorda Braga - fomos até a Guatemala, em 20 horas de voo e efetuamos várias demonstrações. Também estivemos no Panamá, na Bolívia e na Venezuela. Na Fumaça, além da obrigação normal do piloto, ele tinha que gostar e por isso faziam bem."
"SE NÃO VOO, SONHO COM AVlÃO"
Braga completou 1080 apresentações na Esquadrilha da Fumaça. Em 82, deixou a ativa e com o velho T-6, que acabou desativado na FAB, mas adquirido através de leilão de materiais velhos, continuou voando e fez mais 50 apresentações. E, para dar manutenção à velha máquina, ele conta com a colaboração de especialistas dos Campos dos Afonsos, gente contemporânea desse equipamento. Seu único acidente aconteceu em 2 de fevereiro de 1976. Ele ia de Itú para o Rio e quando chegou sobre Madureira, voando baixo (2 mil pés - 600 metros), um pedaço da hélice partiu. O avião começou a trepidar e ele se desamarrou para saltar de paraquedas. Numa fração de segundos, viu que o avião cairia sobre casas e resolveu tentar pousar em um loteamento, cheio de ondulações. Quando tocou o chão, sem estar amarrado, foi de encontro ao painel, fraturou o nariz e o malar e o avião ficou destroçado. "Quando passo dois meses sem voar - confidencia Braga - passo a sonhar com avião. A Esquadrilha da Fumaça era minha paixão, a outra, o T-6. Não consigo largar dele. Enquanto puder e ele aguentar, ficamos voando”, confidencia Braga, que se "distrai" voando rasante com um avião agrícola, pulverizando lavouras numa fazenda da região de Ribeirão Preto. No final de sua apresentação no domingo passado, no aeroporto Leite Lopes, a observação de um admirador: "Você está igual a vinho. Quanto mais velho, melhor."
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