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Voar é um desejo que começa em criança!

domingo, 3 de março de 2024

Especial de Domingo

Selecionamos textos publicados na edição especial da Revista Aerovisão, em janeiro de 2011, retratando a admirável trajetória da aviação no Brasil após a criação do Ministério da Aeronáutica.
Boa leitura.
Bom domingo!

Aeronáutica: Década de 60 - Parte 1

Com o Brasil a bordo, Bandeirante decola para o futuro
O projeto e a visão estratégica de investir na pesquisa, na formação de mão-de-obra e na indústria nacional aeronáutica mostram os primeiros frutos ao país

Alguns chamam a década de anos rebeldes. Outros, lembram do tempo em que o Brasil sagrou-se bicampeão mundial no Chile. Há, ainda, quem se lembre de que naquela época a capital do Brasil foi transferida do Rio de Janeiro para Brasília, que o homem chegou à Lua e que os Beatles lançaram seu primeiro disco – “Please,Please, Me”. De fato, os Anos 60 mostraram que a visão estratégica das gerações que “fundaram” anos antes o Ministério da Aeronáutica no Brasil, realmente, estavam certos. “Em 1968, para o espanto de todos, o primeiro avião brasileiro, o Bandeirante, levantava voo”, lembra Ozires Silva, engenheiro aeronáutico e oficial da Força Aérea que liderou a equipe que projetou e construiu o Bandeirante. Na época, participou da implantação da indústria aeronáutica no país, com a fundação da Empresa Brasileira de Aeronáutica (EMBRAER). Nos anos 90, a empresa foi privatizada pelo governo federal. O Bandeirante é um bimotor de transporte de passageiros e de carga. A primeira aeronave decolou às 7h07 do aeroporto do Centro Técnico de Aeronáutica (CTA) para um voo de aproximadamente 50 minutos, sob o comando do Major-Aviador José Mariotto Ferreira e do engenheiro de voo Michel Cury. “É como se fosse ontem. Eu estava lá na cabeceira de terra, na pista do CTA, ele se posicionou lá embaixo, um pouco longe da gente, aí quando acelerou levantou aquele poeirão, e veio roncando deixando poeira pra trás. Quando passou por nós já estava naquela altura e ficou todo mundo arrepiado de ver”.

O Projeto no DCTA
A aeronave surgiu a partir do projeto IPD-6504, uma referência ao ano (65), número do projeto (04) e ao Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento (IPD) do CTA, local da origem, desde os primeiros rascunhos, passando pela geração de milhares de desenhos, testes de equipamentos, até a construção do protótipo da aeronave que daria origem ao futuro EMB 110 Bandeirante, revolucionando a indústria aeronáutica brasileira. Para a construção do primeiro protótipo do IPD-6504 foram necessários três anos e quatro meses, num total de 110 mil horas de trabalho, que contou com cerca de 300 pessoas lideradas pelo engenheiro aeronáutico e, à época, Major Ozires Silva. Hoje, o primeiro protótipo está exposto no Museu da Aeronáutica (www.musal.aer.mil.br), no Rio de Janeiro. O projeto se tornou realidade quando a Força Aérea fez uma encomenda de quase 100 aviões. No dia 27 de outubro de 1968, o IPD-6504 decolou novamente, com a mesma tripulação à bordo, para o primeiro voo oficial, com a presença de autoridades e imprensa. Era o início de uma história de sucesso que começou a ser escrita pelo governo brasileiro e que permitiu transformar ciência e tecnologia em engenharia e capacidade industrial, hoje reconhecida em todos os continentes nos quais voam os aviões fabricados pela EMBRAER. Em seu livro “A Decolagem de um Sonho: a História da Criação da EMBRAER”, Ozires Silva afirmou: “Parecia uma sina. Os empreendimentos nasciam por força do constante ideal de criar, construir e crescer; viviam em condições difíceis, procurando progredir fabricando produtos sabidamente complexos, sobretudo em países como o Brasil; e acabavam por falhar e morrer antes de conseguir conquistar uma cadência de produção e de vendas que auto-sustentasse os custos ligados à atividade industrial. Em resumo, parecia ser mais fácil conceber um novo avião, fazer voar um protótipo, que lançar uma produção seriada em condições de se manter ao longo do tempo e permanecer ancorada em um mercado de compradores razoavelmente contínuo”. Na transição de um país agrário para uma época de inovações, Ozires lembra que na FAB existia um espírito empreendedor com ideais que iam além do horizonte. Com o surgimento do ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica), muitas empresas surgiram e a FAB estimulava o desenvolvimento dessas indústrias. Logo quando tinha se formado no ITA, Ozires foi convidado pelo Brigadeiro Casimiro Montenegro Filho para trabalhar no CTA.

Posicionamento
“Não podíamos fazer aviões como os americanos ou os franceses. Tínhamos que produzir algo que não fosse competir com algum produto já dominado pelo mercado. Tínhamos de inovar. Abrir horizontes”, afirmou. “Aviões grandes estavam ocupando todos os espaços e as pequenas cidades passaram a ficar sem transporte aéreo.” Estava ali a oportunidade que faltava: fabricar aviões para as cidades periféricas. “Nós brincávamos muito dizendo que não conseguiríamos nunca ser cabeça do leão, mas não queríamos também ser o rabo do leão.” Nessa época, três graves acidentes aéreos mobilizaram a opinião pública para a questão do transporte aéreo e, em meio ao debate, descobriu-se que de 1958 a 1965 o número de cidades atendidas pelo transporte aéreo havia caído cerca de 90%. As pequenas e médias cidades não tinham infraestrutura que suportasse o trânsito de aeronaves de grande porte, predominante já na época. Por isso, o nome Bandeirante do novo avião não poderia ser mais apropriado. A ideia de suprir e abrir oportunidades de crescimento interno, mas também da luta pela produção e comercialização internacional marcaram o pioneirismo na indústria aeronáutica brasileira nesse período, além de marcar o início de um desenvolvimento tecnológico promissor. A iniciativa do Bandeirante também contou com a ajuda de um projetista francês, Max Hoste, que havia saído da França e era conhecido por um traço muito simples em seus aviões, notabilizando-se pelo pequeno Broussard. Sua assinatura ficou no protótipo com painéis retos das janelas da cabine de comando e as janelas redondas para os passageiros, dentre outros detalhes. Com todos os retoques que já são conhecidos, surgia, então, o Bandeirante: um bimotor turboélice, de asa baixa e destinado a cumprir na Força Aérea diversas missões, com operacionalidade nas áreas militar e civil.

Mercado
Uma vez concluídos os protótipos, surgia um novo desafio: a produção seriada e a comercialização. Nessa fase, a figura brilhante de um dos pioneiros diplomados pelo ITA em 1953, o Brigadeiro-do-Ar Paulo Victor da Silva, na época diretor-geral do CTA, conseguiu consolidar as providências para a criação da EMBRAER, que vendeu mais de quinhentos aviões Bandeirantes em todo o mundo, abrindo o mercado norte-americano para os produtos aeronáuticos brasileiros. A fundação da EMBRAER também não podia fugir aos moldes de inovação, pioneirismo e ousadia. O Major Ozires, na época, por acaso, havia sido escolhido para recepcionar o Presidente da República, Costa e Silva, que por motivos meteorológicos, sua rota havia mudado de Guaratinguetá para São José dos Campos. “Foi a minha oportunidade. Falei para o Presidente da minha ideia de criação de uma indústria que produzisse aviões....e ele gostou!”, conta, rindo de sua ousadia histórica. “Acho que Deus pôs um nevoeiro lá pra dar uma mãozinha pra nós. Eu disse meu Deus do céu, manda o homem depressa pra cá. O avião estacionou no nosso hangar, mostramos o protótipo, contamos a história, projetamos uma EMBRAER de hoje fabricando avião pro mundo inteiro, de tudo quanto é tipo... e o presidente foi se entusiasmando. E quando ele foi embora pra Guaratinguetá, ele nos falou: ‘Vamos fazer’”. No dia 19 de agosto de 1969, o então Presidente da República, Arthur da Costa e Silva, assinou o decreto nº 770 que criou a EMBRAER, destinada à fabricação seriada do Bandeirante. No mesmo ano, o Ministério da Aeronáutica firmou contrato com a recém-criada Empresa Brasileira de Aeronáutica para a produção de 80 aviões, com início no ano seguinte. Em 1972, a Embraer realizou o primeiro voo do Bandeirante de série. Nos anos seguintes, a Força Aérea do Uruguai tornou-se o primeiro cliente da aeronave no exterior. Foi o início de uma história de sucesso conhecida até hoje. A EMBRAER fechou diversos contratos de exportação, dentre eles com a francesa Air Littoral. Na década de 70, começaram as primeiras vendas da aeronave para o mercado de transporte comercial de passageiros às empresas aéreas Transbrasil e VASP.

Balanço
Após 20 anos de produção seriada ininterrupta e 498 unidades produzidas e entregues, em 16 versões diferentes, a fabricação do Bandeirante foi encerrada. Ainda hoje, estão em operação mais de 300 unidades do primeiro avião brasileiro, desbravador dos céus e que levou o nome da EMBRAER e da Força Aérea às mais remotas regiões. A infraestutura do Bandeirante possibilitou que as regiões Centro-Oeste e Amazônica fossem desbravadas. Esse ambiente de excelência profissional, brotado inicialmente a partir do ITA e do CTA, transformou a cidade de São José dos Campos (SP) e a região do Vale do Paraíba em pólo privilegiado para o florescimento das chamadas tecnologias de ponta. Hoje, inúmeras indústrias estão sediadas nessa localidade, ligadas à aviação. Na trajetória inaugurada pelo Bandeirante seguiram diversos produtos de sucesso, como o Xingu, o AMX (A-1), o BRASÍLIA, o ERJ-145, o A-29 Super Tucano, o Embraer 170/190 e, mais recentemente, os jatos executivos - Legacy e Phenom. A frota de Bandeirantes da Força Aérea passa hoje por processo de modernização.

Aeronáutica: Década de 60 - Parte 2
Com a criação do Centro Técnico de Aeronáutica (CTA), nos anos 50, hoje DCTA – Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial, começou no país um novo pensamento para o desenvolvimento dos programas aeroespaciais. Definitivamente, o Brasil passou a chamar a atenção do mundo. Em 1960, o presidente Jânio Quadros criou uma comissão para dar os primeiros passos para a elaboração de um programa nacional de exploração espacial. O resultado foi a formação, em agosto do ano seguinte, do Grupo de Organização da Comissão Nacional de Atividades Espaciais(GOCNAE), com sede em São José dos Campos, subordinado ao Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq), com o propósito de sugerir a política e o programa de envolvimento do Brasil em pesquisas espaciais. O GOCNAE instalou-se no CTA e iniciou suas atividades com equipamentos cedidos pela Agência Espacial Americana (NASA) e pesquisadores militares e civis do Ministério da Aeronáutica. Com este grupo, o Brasil participou de pesquisas internacionais nas áreas de astronomia, geodésica, geomagnetismo e meteorologia. A comissão, conforme conta o Brigadeiro-do-Ar Hugo de Oliveira Piva, contou com a participação de franceses e, principalmente, de americanos. “Tivemos muito ajuda da NASA. Eles já traziam tudo pronto”, lembra o Brigadeiro, ressaltando, ainda, que “naquela época existia uma pressão dos países desenvolvidos para que o Programa Espacial Brasileiro não evoluísse ao ponto de desenvolver sua própria tecnologia”, completa.
Personalidade marcante do Programa Espacial Brasileiro e conhecido como o “Von Braun brasileiro” – cientista alemão tido como o pai do foguete Saturno 5, que levou os astronautas americanos à Lua, o Brigadeiro Piva recebeu o título summa cum laude, pelo ITA, dado ao aluno que durante todo o curso e em todas as disciplinas tenha recebido média igual ou superior a 9.5, numa escala de 0 a 10. Foi então, com a ambição de não apenas se envolver em pesquisas internacionais, mas também de desenvolver sua própria tecnologia espacial, que surge no Brasil em 1964 o Grupo de Trabalho e de Estudos de Projetos Espaciais (GETEPE), que também se instalou no CTA e tinha como principal foco os campos de lançamentos. Os engenheiros do programa espacial sabiam que tinham uma longa caminhada pela frente, mas estavam envolvidos no empreendedorismo que reinava na época. Os primeiros “foguetes”foram apelidados de “busca-pé”. Em dezembro de 1965 ocorreu o primeiro lançamento em solo brasileiro. Era um foguete de sondagem de fabricação norte-americana – o Nike Apache.
Em 1966, começou o Projeto EXAMENT para estudos da atmosfera em altitudes de 30 a 60 km. No final da década, o GETEPE foi desativado e deu origem ao Instituto de Atividades Espaciais (IAE), no CTA. O Instituto ficaria responsável pelos projetos de pesquisa e desenvolvimento de foguetes, cabendo ao Centro de Lançamento da Barreira do Inferno (CLBI) a parte operacional de lançamento de vários foguetes estrangeiros, e os nacionais SONDA I, II, III e IV.
Desde então, com a criação do CLBI, já foram realizados quase três mil lançamentos de foguetes para organismos nacionais e estrangeiros, assim como a unidade participou de quase 200 rastreios da família europeia de foguetes Ariane, lançados de Kourou, na Guiana Francesa. Apesar de o Brasil não ter conseguido o efetivo lançamento operacional de foguete na década de 60, o SONDA I foi a grande escola do Programa Espacial Brasileiro, no qual houve os primeiros passos.

Texto: Adriana Alvares, tenente-jornalista da FAB

Fonte: Revista Aerovisão / Janeiro de 2011

Confira: Aeronáutica - Década de 40 - Década de 50

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