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Voar é um desejo que começa em criança!

domingo, 17 de março de 2024

Especial de Domingo

Selecionamos textos publicados na edição especial da Revista Aerovisão, em janeiro de 2011, retratando a admirável trajetória da aviação no Brasil após a criação do Ministério da Aeronáutica.
Boa leitura.
Bom domingo!

Aeronáutica: Década de 80 - Parte 1

A hora e a vez da indústria aeronáutica brasileira
O que há em comum nas Forças Aéreas do Brasil, Irã, Reino Unido, Egito, Argentina, França, Kuwait, Angola, Venezuela e muitas outras de vários continentes? A presença de aeronaves desenvolvidas no Brasil pela EMBRAER. Fundada em 1969, a empresa iniciou suas atividades com a produção do turboélice Bandeirante. Mas a década de 80 pode ser lembrada como aquela em que a empresa brasileira alcançou sucesso com projetos como o Brasília, o Tucano e o AMX. Conheça um pouco desses aviões que marcam a história da indústria nacional e da Força Aérea Brasileira, que conduziu esse processo.

T-27 TUCANO
Um treinador pioneiro

O primeiro fato histórico daquela década foi a apresentação, no dia 19 de agosto de 1980, do YT-27. O protótipo do treinador tinha desenho avançado para a época e várias características inovadoras que acabaram por se tornar padrão mundial para aeronaves de treinamento básico. O avião, por exemplo, foi o primeiro do gênero a vir equipado com assentos ejetáveis. Além disso, os dois tripulantes não sentavam na clássica posição “lado-a-lado”, e sim em “tandem”, como nas mais avançadas aeronaves de caça. Em 1981, em um concurso realizado com os cadetes da Academia da Força Aérea (AFA), a nova aeronave foi batizada de Tucano. Foi ali, em Pirassununga (SP), no dia 29 de setembro de 1983, que os primeiros T-27 da FAB foram recebidos para voarem com as cores do Esquadrão de Demonstração Aérea(EDA), a conhecida “Esquadrilha da Fumaça”. A AFA também recebeu o Tucano para a função de instrução intermediária, após a aposentadoria dos jatos T-37. Além das características inovadoras, o Tucano também se revelou estável e manobrável em baixas velocidades. Essas características, além do baixo custo de operação se comparado a outros treinadores, logo garantiram as primeiras encomendas internacionais. Em 1984, apenas um ano após a entrada em serviço na FAB, a EMBRAER já exportava o avião para Honduras. O treinador da EMBRAER entrou para a história, no entanto, quando em 1985 foi escolhido pelo Reino Unido para se tornar o treinador básico da Real Força Aérea(RAF). A versão produzida localmente pela British Short Brothers foi equipada com um motor mais potente, entre outras modificações, e também foi exportado para o Quênia e o Kuwait. O Tucano também foi fabricado sob licença pela Helwan, empresa egípcia que fez entregas para as forças aéreas do Egito e do Iraque. Além de cumprir o papel de treinador, o Tucano também possui sob as asas quatro pontos duros para receber cargas externas, como bombas e casulos de metralhadoras, e assim poder voar missões de treinamento armado, apoio aéreo, ataque ao solo e defesa do espaço aéreo. Essa capacidade, aliada ao envelope de voo mais lento que as aeronaves de caça a jato, deu ao avião da EMBRAER o destaque em missões como o combate ao narcotráfico, uma vantagem a mais para os países que lutam contra os voos ilegais de aeronaves de pequeno porte.

AMX
O caça brasileiro que nasceu como “avião-computador”

Head Up Display (HUD), Chaff , Hands on Trott le and Sticks (HOTAS), Flare, Continuosly Computed Initial Point (CCIP), Multifunction Display (MFD), Radar Warning Receiver (RWR). Estas e outras tecnologias deram ao caça A-1 o apelido de “O avião computador” quando foi recebido pelo Esquadrão Adelphi em 1989. Projetado como um substituto do AT-26 Xavante, a aeronave trouxe para a Força Aérea Brasileira um novo pensamento sobre a aviação de combate. Inicialmente chamado de AMX, o A-1 foi projetado pela EMBRAER em parceria com as empresas italianas Aermacchi e Aeritalia. Em 27 de março de 1981, os governos do Brasil e da Itália assinaram um acordo para estudar os requisitos da aeronave, e quatro meses depois as três empresas recebiam o contrato de desenvolvimento. O programa contaria com a construção de seis protótipos, dois deles no Brasil. A EMBRAER ficou responsável pelo projeto e produção das asas, profundores, tomadas de ar, pilones, trens de pouso, tanques de combustível, equipamentos para missões de reconhecimento e instalação dos canhões DEFA, de 30mm, que seriam utilizados na versão brasileira. Em 15 de maio de 1984, o primeiro protótipo voou na Itália. Em 16 de outubro de 1985, o primeiro AMX produzido no Brasil, designado YA-1, decolou às 15h47 com a matrícula FAB 4200.
Em 16de dezembro do ano seguinte, o YA-1 4201 também fez o primeiro voo. Criado para missões de ataque, o AMX se destaca ainda hoje pelo raio de alcance, robustez e confiabilidade nos sistemas eletrônicos. Entre os principais recursos tecnológicos estão os sistemas de mira computadorizada (CCIP) e o alerta de emissões de radar (RWR), que avisa o piloto quando o A-1 é “iluminado” pelos inimigos. A cabine do caça também segue o conceito HOTAS, em que o piloto pode controlar toda a aeronave com comandos nas pontas dos dedos. O HUD também permite visualizar todas as informações da missão sem precisar retirar os olhos da arena de combate. Em 17 de outubro de 1990, a Força Aérea Brasileira recebeu seu primeiro A-1. Ao todo, foram 56 unidades divididas em três lotes, que hoje voam no 1°/16° GAV, baseado no Rio de Janeiro (RJ), e no 1°/10° GAV e 3°/10° GAV, de Santa Maria (RS). A Itália recebeu 192 AMX a partir de 1989, sendo que na década de 90 foram empregados em combate real, com grande sucesso, no conflito do Kosovo.

TRANSPORTE
Brasília conquista as linhas regionais

Antes mesmo de ser entregue, o EMBRAER 120 Brasília já era o avião líder da sua categoria na aviação regional. Este sucesso remonta a 1974, quando começaram os estudos de uma aeronave pressurizada para substituir o Bandeirante. O primeiro protótipo foi apresentado 1983, quando fez o seu primeiro voo. Com capacidade para 30 passageiros, o Brasília foi o primeiro avião da EMBRAER projetado com o auxílio de computadores. Capaz de superar os 580 km/h e com um nível de ruído baixo se comparado aos seus concorrentes, o avião brasileiro foi desenvolvido com um sistema de programação e controle de voo digitalizado, um dos mais avançados da época. No ano seguinte, a aeronave entrou em produção e, curiosamente, teve como primeiro operador uma companhia aérea estrangeira, a norte-americana Atlantic Southeast Airlines. Em setembro daquele ano, o Brasília fez seu primeiro voo em operação regular, ligando as cidades de Gainesville e Atlanta, nos Estados Unidos. A brasileira Rio-Sul recebeu suas primeiras unidades em 1988. Foram produzidas ainda versões de longo alcance (EMB120ER) e para transporte de carga. Ao todo, 352 aviões foram entregues para 33 operadores em vários países.

Texto: Humberto Leite – tenente jornalista da FAB

Fonte: Revista Aerovisão – edição especial – janeiro de 2011

Aeronáutica: Década de 80 – Parte 2

Alcântara é escolhida para ser o “trampolim” para o espaço
A conquista do espaço requer investimento, tecnologia, projetos financeiramente viáveis e, se possível, uma localização geográfica privilegiada. E o Brasil possui este lugar. Situado no pequeno município de Alcântara (MA), separado por 10 km de faixa de mar da ilha de São Luís, o Centro de Lançamento de Alcântara (CLA) foi criado pelo Ministério da Aeronáutica nos anos 80 para assumir a responsabilidade de ser a principal base da então Missão Espacial Completa Brasileira (MECB). Localizado a pouco mais de dois graus da linha do Equador, o CLA se destaca por possibilitar lançamentos de foguetes com menor consumo de combustível, ou com maior capacidade de carga. Isto é, se um foguete for lançado no CLA, o artefato poderá levar satélites até 31% mais pesados que outro semelhante que saiu de bases de outros países. Foi por este motivo, e ainda pelo clima favorável, facilidade logística e estabilidade geológica, que em 1982 foi criado o Grupo para Implantação do Centro de Lançamento de Alcântara (GICLA). Transformar o litoral maranhense em uma moderna base do programa espacial significou investimentos em equipamentos como plataformas de lançamento, radares de acompanhamento, sistemas de telemetria, centrais de meteorologia, edifícios para preparo de satélites e propulsores, depósitos de combustíveis, pista de pouso e toda a infraestrutura necessária para apoiar os militares e civis que trabalhariam ali. Para tornar o projeto real, foi ativado em 1° de março de 1983 o Núcleo do CLA. Outra preocupação foi o cuidado com as famílias que moravam na área, pois, entre instalações e áreas de segurança, a nova base ocuparia 620 km quadrados de área. Finalmente, em dezembro de 1989, a Operação Pioneira efetivamente inaugurou o CLA. Quinze foguetes SBAT-70 e dois SBAT-152 foram lançados para os primeiros testes. Dois meses depois, seria a vez de um foguete Sonda-2, em uma sequência de operações que teriam como destaque o lançamento de 83 foguetes em parceria com a NASA, em 1994, do VS-30 e dos testes com o Veículo Lançador de Satélites (VLS). Em 2010 foi assinado ainda o acordo de cooperação com a Ucrânia para que o CLA também possa servir como base para os foguetes Cyclone-4, capazes de transportar satélites de até 5,3 toneladas para uma órbita baixa. O CLA está preparado para o futuro, com destaque para as operações de lançamento e de rastreio de foguetes. O lançamento de foguetes de treinamento, desenvolvidos pelo Comando da Aeronáutica em parceria com a Agência Espacial Brasileira e a indústria nacional, fecha-se o ciclo de capacitação dos profissionais, garantindo o sucesso das operações no horizonte da área espacial.

Guerra das Malvinas: a defesa aérea brasileira é testada

Episódio 1 - Abril de 1982, feriado de Sexta-feira Santa.

Uma tempestade desaba sobre o Planalto Central. Na Base Aérea de Anápolis (BAAN), o 1° Grupo de Defesa Aérea mantém caças F-103 Mirage e tripulações em alerta, prontas para decolar. Passava das 8 horas da noite, quando o Comando de Defesa Aérea acionou a unidade. De acordo com as primeiras informações, uma aeronave sobrevoava o território brasileiro e a tripulação se negava a prestar qualquer esclarecimento. A noite era tomada por uma grossa camada de nuvens, com raios e trovões. Apesar do tempo adverso, dois pilotos da Força Aérea decolam. Com o uso dos pós-combustores, os dois Mirage sobem rapidamente e, em poucos minutos, o Jaguar Negro Um aproximava-se do alvo a 1,15 vezes a velocidade do som. As nuvens manchavam a imagem do radar, mas os caçadores localizam e identificam o alvo: Ilyushin 62 da empresa estatal Cubana. De fabricação soviética, a aeronave de transporte podia atingir até 900 km/h e 13 mil metros de altitude. Seguindo as orientações do controle em terra, os Mirage se posicionaram ao lado da cabine do avião de transporte, e, quando os pilotos cubanos se negaram mais uma vez a atenderem os chamados do CINDACTA I, o Major José Orlando Bellon afirmou em inglês pelo rádio: “Você foi interceptado. Há duas aeronaves de combate ao seu lado. A ordem é pousar em Brasília imediatamente”. A tripulação cubana avistou os caças brasileiros e, em seguida, fizeram contato solicitando informações para o pouso. O Ilyushin 62 tentava cruzar todo o território brasileiro para seguir diretamente para a Argentina. Entre os passageiros, um diplomata cubano. A aeronave foi liberada apenas no dia seguinte.

Episódio 2 - Junho de 1982.

Pouco antes das 11 horas, o Capitão Raul Dias se preparava para mais uma missão de treinamento com o seu F-5 do Esquadrão “Pif-Paf”, no Primeiro Grupo de Aviação de Caça (1º GAVCA). Pouco antes da decolagem, viu um mecânico correr para o caça e preparar os canhões de 20 mm. Sem entender a situação, ligou o rádio e ouviu o código “Rojão de Fogo” - indicação de que aquela havia se tornado uma missão real de interceptação. Com o Capitão Marco Aurélio Coelho na ala, o Capitão Dias acionou o pós-combustor e rasgou o céu do Rio Janeiro em busca do alvo detectado pelos radares do Primeiro Centro Integrado de Defesa Aérea e Controle de Tráfego Aéreo (CINDACTA I). Aparentemente em emergência, uma aeronave vinha em direção à capital fluminense e se anunciava como um quadrimotor. “Tivemos um tempo de reação muito rápido, naquelas condições de acionamento. Os minutos que consumimos para decolar, após o primeiro entoar da sirene, não cabem em todos os dedos das mãos”, contou em entrevista recente o Major-Brigadeiro R1 Raul Dias. Com a localização do alvo, a verdade: um bombardeiro britânico Avro Vulcan.
Com mais de 30 metros de uma ponta à outra da asa em delta, o quadrimotor participava da missão Blackbuck Six, uma das voadas pela Royal Air Force (RAF) entre a ilha de Ascenção e as Malvinas. Para atacar alvos no arquipélago disputado com a Argentina, as aeronaves da RAF tinham de voar 15 mil quilômetros em até 16 horas. Na Blackbuck Six, a sonda de reabastecimento em voo do Vulcan com matrícula XM 597 quebrou durante um dos procedimentos com um jato Page Victor. Sem combustível para prosseguir, a aeronave foi obrigada a seguir para o Rio de Janeiro, único local onde teria chances de pousar. Para complicar, um míssil AGM-45 Shrike falhou durante o ataque e continuava preso à asa do Vulcan. Criada para detectar emissões de radar, a arma poderia ser acionada quando detectasse o sistema brasileiro de defesa aérea. Foi nesta situação, sem combustível, com problemas no armamento, que o piloto inglês seguiu para o Rio de Janeiro, sem responder aos contatos da defesa aérea. As manobras dos F-5 haviam deixado os brasileiros exatamente atrás e à esquerda do Vulcan. No diálogo, a tripulação do Vulcan deixou claro que não seria possível seguir para a Base Aérea de Santa Cruz (BASC), e que o pouso no Galeão era a única chance. Os F-5 passaram então a acompanhar o alvo e somente deixaram a área após o bombardeiro tocar o solo.


As mulheres ingressam na FAB
Em 1982 o então Ministério da Aeronáutica deu um passo inédito na sua história: pela primeira vez, mulheres poderiam passar por um treinamento militar e integrar o efetivo da Força Aérea Brasileira. As 150 oficiais e 152 graduadas formadas naquele ano iniciariam uma história de sucesso que se resume nas mais de sete mil mulheres que hoje vestem a farda como médicas, controladoras de voo e até pilotos de caça, dentre outras importantes funções. Para as pioneiras, no entanto, tudo era novidade. “Exatamente o que ia acontecer, eu não sabia. Eu gostava de ver filmes com mulheres militares, mas não conhecia a realidade”, conta Cristina Fernandes da Silva, hoje tenente-coronel. Além dos desafios de aulas como tiro e ordem unida, ela ressalta que na época os uniformes militares eram muito diferentes da moda. “Usávamos boinas e calça durante as instruções”. Mas somente fazer parte das primeiras turmas de mulheres da FAB já era vencer um desafio. Para preencher 150 vagas para oficiais e 150 para graduadas, os concursos receberam quase oito mil inscrições. Os cursos de formação aconteceram no Rio de Janeiro (RJ) e, depois, em Belo Horizonte (MG). Em quatro meses, o treinamento incluiu aulas, marchas, instruções de tiro, educação física e exercício de campanha. Após formadas, elas conquistaram espaço na instituição. Eram funções novas para a Força Aérea, como psicologia, biblioteconomia e análise de sistemas. “No HFAG (Hospital de Força Aérea do Galeão), além de atendimentos, fizemos palestras sobre as especialidades. Assim, públicos interno e externo tiveram um conhecimento maior sobre a nossa profissão. Ganhamos o nosso espaço”, explicou.

Texto: Carla Dieppe – Tenente jornalista da FAB

Fonte: Revista Aerovisão – edição especial – janeiro de 2011

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